Um serão para a cultura
Não me considero, nem de longe, eventual candidato à presidência de um imaginário «clube e fans» de Isabel Pires de Lima, ministra da Cultura, mas não deixei de indignar-me com a forma como ela foi tratada no «Prós e Contras» da passada segunda-feira. É que a forma específica de batota que também é designável por desonestidade intelectual repugna-me, e porventura mais ainda quando é praticada na TV por quem conduz uma entrevista, contra quem, estando a ser entrevistado, está sempre numa situação de alguma dependência. Ora, quando a jornalista Fátima Campos Ferreira, aliás de currículo já pesadote nestas matérias, se deu as descoco de não apenas impedir a ministra de esclarecer uma questão delicada mas também de lhe atribuir uma suposta resposta que era uma falsificação grosseira do que todos havíamos ouvido, a tal repugnância subiu-me, digamos, à flor da pele, e espero que não apenas a mim. Era uma espécie de «cereja no bolo» (agora usa-se muito esta metáfora de confeitaria) dos disparates que a quase sempre lamentável apresentadora do «Prós e Contras» vinha a cometer desde o princípio do programa, com destaque para a macabra insistência com que abordara o tema da morte na entrevista a Manoel de Oliveira que, como homem bem-educado e obviamente mais lúcido que a entrevistadora, retribuiu com ironia talvez remotamente desdenhosa a falta de tacto da criatura. Quanto à ministra, ainda teve sangue-frio para, apesar de ter estado sempre insegura ao longo de toda a conversa, forçar a denúncia da manipulação tentada e esclarecer a posição que assumia. É claro que a pública lição recebida por Fátima Campos Ferreira não vai contribuir para que a apresentadora se regenere, mas desta vez o seu «Prós e Contras» salvou-se de dar mais uma contribuição para uma história da impostura pela TV. Neste caso bem se pode dizer que do mal o menos, mas é praticamente certo que à apresentadora não irão faltar em programas futuros novas oportunidades que ela não deixará de aproveitar, aparentemente por supor que essa é a melhor forma de apresentar bons serviços.
É a lucidez, senhora!
Este «Prós e Contras», anunciado pela RTP com o título um pouco destrambelhado, um pouco intrigante, de «É a cultura, estúpido!», variação de uma frase em tempos atribuída a Bill Cliton aludindo à Economia, até tinha começado muito bem, com Rui Mendes a interpretar admiravelmente um monólogo da peça «Luz na Cidade», de Conor McPherson, a título de celebração do Dia Mundial do Teatro. E pelo programa fora, apesar da acção muitas vezes inoportuna da apresentadora, foi possível ouvir verdades fundamentais sobretudo quando puderam falar Paulo Branco e David Ferreira. A denúncia que Paulo Branco fez do escandaloso afastamento entre as práticas das operadoras de TV, com maior responsabilidade para a RTP, e o enquadramento legal a que estão obrigadas, deveria merecer a imediata e consequente atenção dos poderes tutelares, e foi mais uma vez escandalosa a forma como Fátima Campos Ferreira lhe cortou o fio da palavra a pretexto de que esse era um aspecto que competia à ausente administração da empresa. Por seu lado, David Ferreira foi claríssimo e certeiro: «- Uma das coisas que mais me preocupa é o papel dos media. É assustador a dose maciça que todos os dias se dá às pessoas para não pensarem (…), para as embrutecer!», disse ele. Outro momento com excepcional interesse aconteceu quando Paulo Branco, aliás fundamentando-se em declarações de Paes do Amaral., o presidente da TVI, recordou que a televisão «é um negócio protegido», o que o torna especialmente apetitoso para os empresários, e que a contrapartida dessa protecção tem de ser o cumprimento dos deveres desde sempre previstos e afinal sempre esquecidos. Ora, perante estas denúncias de nocividade verdadeiramente antinacional, foi muito interessante o argumento avançado por Fátima Campos Ferreira: lembrou ela, indulgente, que «é uma coisa geral», isto é, que também toca outros países (aí a discordância esboçada por Paulo Branco teve de ficar-se por um gesto mudo, sem oportunidade para mais). Contudo, também a SIDA é «uma coisa geral» e não deixa de preocupar os portugueses. É a crise económica que serve para desculpar tanto crime. Fátima Campos Ferreira até talvez se inquiete um pouco com a gripe das aves, que ameaça tornar-se «uma coisa geral». A acção decisiva da TV para um tendencial emparvecimento de um povo, porque alegadamente geral (e porquê?, e para vantagem de quem e de quê?) deverá por isso ser esquecida?
É a lucidez, senhora!
Este «Prós e Contras», anunciado pela RTP com o título um pouco destrambelhado, um pouco intrigante, de «É a cultura, estúpido!», variação de uma frase em tempos atribuída a Bill Cliton aludindo à Economia, até tinha começado muito bem, com Rui Mendes a interpretar admiravelmente um monólogo da peça «Luz na Cidade», de Conor McPherson, a título de celebração do Dia Mundial do Teatro. E pelo programa fora, apesar da acção muitas vezes inoportuna da apresentadora, foi possível ouvir verdades fundamentais sobretudo quando puderam falar Paulo Branco e David Ferreira. A denúncia que Paulo Branco fez do escandaloso afastamento entre as práticas das operadoras de TV, com maior responsabilidade para a RTP, e o enquadramento legal a que estão obrigadas, deveria merecer a imediata e consequente atenção dos poderes tutelares, e foi mais uma vez escandalosa a forma como Fátima Campos Ferreira lhe cortou o fio da palavra a pretexto de que esse era um aspecto que competia à ausente administração da empresa. Por seu lado, David Ferreira foi claríssimo e certeiro: «- Uma das coisas que mais me preocupa é o papel dos media. É assustador a dose maciça que todos os dias se dá às pessoas para não pensarem (…), para as embrutecer!», disse ele. Outro momento com excepcional interesse aconteceu quando Paulo Branco, aliás fundamentando-se em declarações de Paes do Amaral., o presidente da TVI, recordou que a televisão «é um negócio protegido», o que o torna especialmente apetitoso para os empresários, e que a contrapartida dessa protecção tem de ser o cumprimento dos deveres desde sempre previstos e afinal sempre esquecidos. Ora, perante estas denúncias de nocividade verdadeiramente antinacional, foi muito interessante o argumento avançado por Fátima Campos Ferreira: lembrou ela, indulgente, que «é uma coisa geral», isto é, que também toca outros países (aí a discordância esboçada por Paulo Branco teve de ficar-se por um gesto mudo, sem oportunidade para mais). Contudo, também a SIDA é «uma coisa geral» e não deixa de preocupar os portugueses. É a crise económica que serve para desculpar tanto crime. Fátima Campos Ferreira até talvez se inquiete um pouco com a gripe das aves, que ameaça tornar-se «uma coisa geral». A acção decisiva da TV para um tendencial emparvecimento de um povo, porque alegadamente geral (e porquê?, e para vantagem de quem e de quê?) deverá por isso ser esquecida?