No coração da terra
As minas dominam a vida de Aljustrel. Desde logo, é a paisagem que inicialmente denuncia o peso dos filões de minério em todas as esferas da vida desta vila alentejana. À entrada, em ambos os lados da estrada, dois edifícios, separados talvez por um século, inscrevem em letras gordas nas suas fachadas: Pirites Alentejanas S.A. Mais do que uma empresa, foi em seu redor que girou, por mais de um século, toda uma vila e todo um povo.
No centro, sucedem-se as ruas, bairros ou associações com nomes relativos à actividade. Atlético Mineiro ou Rua de Santa Bárbara são apenas exemplos. O centro de prevenção da silicose, espécie de «doença oficial» de quem trabalha uma vida inteira debaixo do chão, provocada pela acumulação de poeiras nos pulmões, também não deixa margem para dúvidas.
Mais à frente, no alto de um monte, Aljustrel surge com todo o seu esplendor. De um lado, a paisagem típica do Baixo Alentejo. Longas planícies cor de ouro, algumas árvores, umas poucas vacas.
Voltados para Sul, tudo muda. Grandes estruturas metálicas rasgam a terra em direcção ao seu coração, situado algures a quatrocentos metros de profundidade. Durante mais de um século, muitas gerações passaram aqui o melhor das suas vidas. Era aí, a centenas de metros abaixo do chão, que muitos trabalhavam para ganhar, com esforço, a vida. Outros aí a perderam. António Campos tem 27 anos e é técnico de turismo na câmara de Aljustrel. Nasceu, e vive ainda hoje, no bairro mineiro de Vale d’Oca, um dos três existentes. Lembra-se da morte de um vizinho, debaixo de uma grande pedra, a várias dezenas de metros de profundidade.
Junto ao poço de Viana, uma das três portas de entrada no coração da terra, tudo é desolador, a começar pelo fumo que sai constantemente do seu interior e exala um odor nauseabundo a enxofre. Olhando o vale, os solos surgem esventrados, envenenados, mortos. Numa extensa área, nenhuma vegetação cresce. As ruínas do que, apenas dez anos antes, foram as oficinas de carpintaria, serralharia ou mecânica denunciam que houve, no local, intensa actividade. António Campos confirma. Apontando para o vale, o jovem recorda tempos idos. «Ao meio-dia, tocava a sirene e saíam todos das oficinas. Daqui de cima, pareciam formiguinhas.» Mas agora não se vê ninguém. E a sirene já se calou. Por quanto tempo?
Séculos de actividade
Localizada em plena faixa piritosa ibérica – que se estende desde o actual concelho de Grândola até aos arredores de Sevilha, em Espanha – a vila de Aljustrel tem a sua história ligada, desde tempos imemoriais, à actividade mineira. Foi esta actividade que lhe conferiu, e à sua população, características ímpares. Já desde o tempo dos romanos – que segundo descobertas arqueológicas terão inaugurado a actividade mineira no local, no século I a.c. – que a população de Aljustrel terá adquirido uma mentalidade proletária que a distinguia de outras populações aletenjanas, profundamente rurais. As mais preciosas destas descobertas foram as «Tábuas de Bronze», contendo as leis romanas de gestão da mina.
Do tempo que medeia entre a longínqua ocupação romana até aos anos de mil e oitocentos, quando a mina intensificou a sua actividade, sabe-se que foi trabalhada durante o reinado de D. Manuel I.
Em meados do século XIX forma-se a primeira companhia mineira em Aljustrel. O cobre contido na pirite era o principal, e praticamente exclusivo, interesse na exploração do subsolo aljustrelense.
Nos anos 70, com a indústria adubeira em alta, o aproveitamento do enxofre para o fabrico de ácido sulfúrico passa a ser a actividade dominante. A reconversão desta indústria, ocorrida em meados da década de oitenta, levou à procura de um aproveitamento integrado dos metais contidos na pirite. O ácido sulfúrico era já história.
Em 1991, é lançado um ambicioso projecto para a produção de concentrados de zinco, cobre e chumbo. As minas de Aljustrel não mais seriam um local onde apenas se extraíam metais, mas também onde os mesmos eram transformados. Dezoito milhões de contos foi o valor inicialmente investido para dotar as minas da maquinaria indispensável.
Por diversas razões, algumas conhecidas e muitas outras que ainda hoje permanecem obscuras, as minas viram a extracção de minério suspensa. Até hoje. Com cerca de 170 milhões de toneladas de minério existentes no seu âmago, à espera de serem retiradas. Em proveito do País.
No centro, sucedem-se as ruas, bairros ou associações com nomes relativos à actividade. Atlético Mineiro ou Rua de Santa Bárbara são apenas exemplos. O centro de prevenção da silicose, espécie de «doença oficial» de quem trabalha uma vida inteira debaixo do chão, provocada pela acumulação de poeiras nos pulmões, também não deixa margem para dúvidas.
Mais à frente, no alto de um monte, Aljustrel surge com todo o seu esplendor. De um lado, a paisagem típica do Baixo Alentejo. Longas planícies cor de ouro, algumas árvores, umas poucas vacas.
Voltados para Sul, tudo muda. Grandes estruturas metálicas rasgam a terra em direcção ao seu coração, situado algures a quatrocentos metros de profundidade. Durante mais de um século, muitas gerações passaram aqui o melhor das suas vidas. Era aí, a centenas de metros abaixo do chão, que muitos trabalhavam para ganhar, com esforço, a vida. Outros aí a perderam. António Campos tem 27 anos e é técnico de turismo na câmara de Aljustrel. Nasceu, e vive ainda hoje, no bairro mineiro de Vale d’Oca, um dos três existentes. Lembra-se da morte de um vizinho, debaixo de uma grande pedra, a várias dezenas de metros de profundidade.
Junto ao poço de Viana, uma das três portas de entrada no coração da terra, tudo é desolador, a começar pelo fumo que sai constantemente do seu interior e exala um odor nauseabundo a enxofre. Olhando o vale, os solos surgem esventrados, envenenados, mortos. Numa extensa área, nenhuma vegetação cresce. As ruínas do que, apenas dez anos antes, foram as oficinas de carpintaria, serralharia ou mecânica denunciam que houve, no local, intensa actividade. António Campos confirma. Apontando para o vale, o jovem recorda tempos idos. «Ao meio-dia, tocava a sirene e saíam todos das oficinas. Daqui de cima, pareciam formiguinhas.» Mas agora não se vê ninguém. E a sirene já se calou. Por quanto tempo?
Séculos de actividade
Localizada em plena faixa piritosa ibérica – que se estende desde o actual concelho de Grândola até aos arredores de Sevilha, em Espanha – a vila de Aljustrel tem a sua história ligada, desde tempos imemoriais, à actividade mineira. Foi esta actividade que lhe conferiu, e à sua população, características ímpares. Já desde o tempo dos romanos – que segundo descobertas arqueológicas terão inaugurado a actividade mineira no local, no século I a.c. – que a população de Aljustrel terá adquirido uma mentalidade proletária que a distinguia de outras populações aletenjanas, profundamente rurais. As mais preciosas destas descobertas foram as «Tábuas de Bronze», contendo as leis romanas de gestão da mina.
Do tempo que medeia entre a longínqua ocupação romana até aos anos de mil e oitocentos, quando a mina intensificou a sua actividade, sabe-se que foi trabalhada durante o reinado de D. Manuel I.
Em meados do século XIX forma-se a primeira companhia mineira em Aljustrel. O cobre contido na pirite era o principal, e praticamente exclusivo, interesse na exploração do subsolo aljustrelense.
Nos anos 70, com a indústria adubeira em alta, o aproveitamento do enxofre para o fabrico de ácido sulfúrico passa a ser a actividade dominante. A reconversão desta indústria, ocorrida em meados da década de oitenta, levou à procura de um aproveitamento integrado dos metais contidos na pirite. O ácido sulfúrico era já história.
Em 1991, é lançado um ambicioso projecto para a produção de concentrados de zinco, cobre e chumbo. As minas de Aljustrel não mais seriam um local onde apenas se extraíam metais, mas também onde os mesmos eram transformados. Dezoito milhões de contos foi o valor inicialmente investido para dotar as minas da maquinaria indispensável.
Por diversas razões, algumas conhecidas e muitas outras que ainda hoje permanecem obscuras, as minas viram a extracção de minério suspensa. Até hoje. Com cerca de 170 milhões de toneladas de minério existentes no seu âmago, à espera de serem retiradas. Em proveito do País.