Verdade e memória

Jorge Cordeiro
Mesmo sabendo da ingratidão com que serão recebidas estas palavras não se resiste a comentar a engenhosa construção política que os dirigentes do Bloco de Esquerda encontraram para «ler» os resultados das Presidenciais.
Antecipando a resposta ao coro de verberações indignadas que dali surgirão ou a precipitadas acusações sobre as razões destas linhas, aqui fica o prévio esclarecimento: Não são razões de concorrência ou de cobrança do seu desaire eleitoral mas tão só de respeito à verdade que justificam o esforço de as redigir. É em nome disso, e também daquele mínimo de bom senso que permite manter nas fronteiras da decência política e do respeito pela inteligência a quem em cada momento cada um se dirige, que aqui ficam gravados dois modestos comentários.
O primeiro, para registar a preconceituosa, mas elucidativa, leitura eleitoral de Fernando Rosas. Escreve Rosas, em socorro da necessidade que sentirá de exorcizar a ideia que o povoa de competição com o PCP e na obsessiva tentativa de minimizar o resultado de Jerónimo de Sousa, que a sua expressão se ficou a dever ao «aguentar de votos do PCP», construída por uma campanha destinada a «defender a fortaleza» e ao «segurar do voto orgânico» que se revelou na campanha do PCP. Ficámos pois a saber que, para Rosas, o quase meio milhão de votos obtidos por Jerónimo de Sousa, e o aumento de 35 mil votos face às legislativas, são um mero voto de resistência, enquanto que a magnifica safra de 280 mil votos obtidos por Louçã — correspondendo à deserção de quase 80 mil votos, ou seja mais de 20% da sua massa eleitoral nas legislativas — traduzem uma esplendorosa «consolidação de um núcleo eleitoral firme e bem implantado» e a confirmação de «um espaço político próprio».
O segundo, para anotar a engenhosa interpretação da votação capaz de sustentar que, com o resultado obtido por Louçã, se «afirmou como nunca até agora o perfil de um novo tipo de político e de política à esquerda». Animados pelo sólido principio de que o papel aguenta tudo, aos dirigentes do BE ter-lhes-à escapado que se assim é com o papel, com a verdade o não é. Dizem Rosas, e Louçã, que o BE, se comparado com as últimas autárquicas, regista uma «forte subida de 100 mil votos». Por respeito à verdade aqui se desvenda o truque de querer comparar um resultado nacional — o das presidenciais — obtido em 308 concelhos com um resultado confinado aos municípios onde concorreu nas autárquicas, e que comparado o que pode ser comparado — os resultados obtidos nesses 115 municípios nas autárquicas e nas presidenciais — o BE regista a singela evolução, não de cem, mas sim, de dezasseis mil votos.
E já agora lembrar-lhes, porque a memória o exige, que não deixa de ser curioso o BE comparar os 5,3% das presidenciais com os 3,9% das autárquicas quando nessas eleições pretenderam transformá-los em 5,8 % usando o truque pouco sério de transformar o resultado obtido num terço do país em resultado nacional.


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