Que pernas para andar?

Francisco Silva
Já andam para aí gurus da gestão, e as suas caixas de ressonância, nomeadamente as instaladas nos media especializados, a criticar o Plano Tecnológico do Governo com base na razão de Tecnologia e Planeamento serem dois conceitos contraditórios, que a designação de Plano Tecnológico encerra uma contradição nos próprios termos. Dizem mais: que, ainda por cima, o Plano Tecnológico ser incluído «no Programa do Governo, era um disparate». Um disparate «assente numa visão napoleónica, insensível à dinâmica das empresas». Seria ainda por isso que esta crítica «liberal» terá preferido aquela designação anterior de «choque tecnológico», muito mais consentânea com a terminologia mercadológica e do instantâneo acontecer das coisas, por graça - pelo facto simples - de serem agendadas em sede de comunicação social? E a realidade existente, como consequência natural, a apenas ser a que nos media existe?
Mas que julgam estes senhores, que sabem eles, de o que é necessário fazer para que as coisas realmente aconteçam?
Focando-me apenas naquilo que decorre do que fui vendo e vivendo mais de perto, pergunto se acham que os telemóveis apareceram no dia em que eles foram noticiados nos media? Saberão os esforços de planeamento segundo diversas vertentes que o GSM exigiu para surgir como terminal nas suas mãos? Saberão, por exemplo, que em meados dos anos 80, num esforço concertado, programado, planeado, dos governos europeus, dos operadores de telecomunicações, dos fabricantes, foram iniciados intensíssimos e planeados esforços de normalização que levaram ao sistema que hoje quase todos utilizamos? E que não foi por obra dos relatórios de última hora dos consultores, nem pela especulação das acções em bolsa, que as coisas acabaram por acontecer? Que a Comissão Europeia, os governos e a indústria ainda hoje se reclamam e vangloriam do sucesso de tal plano tecnológico, que deixou os melhores, isto é, os EUA a perder de vista?
Então, neste caso do GSM, a contradição que se verifica é antes entre a realidade dos resultados, ou seja, do imenso sucesso desta tecnologia e a realidade dos gurus da gestão que dizem ser a designação de Plano Tecnológico que encerra uma contradição nos próprios termos. E este caso do plano GSM não é a excepção, mas antes a regra.
Com efeito, o UMTS, a 3G de telemóveis que aí estão, mesmo tendo passado pela prova dos gurus da gestão e do rebentamento da bolha bolsista em 2002, são o resultado de outro esforço intenso e planeado que começou já vai para vinte anos. Por exemplo, o planeamento e a reserva das frequências rádio a ser utilizadas datam de 1987 / 1988. E a banda larga de que tanto se fala hoje? É uma coisa que começou a ser trabalhada já na primeira metade dos anos 80 do século passado, um plano que foi ajustado de acordo com resultados de investigação - esta também planeada e programada com tempo, com quinquénios -, é certo, mas que está a dar agora os seus frutos. O mesmo se passou com a VoIp, o «telefonar pela Internet», agora pelos media dada à luz, cujas primeiras realizações em laboratório já têm dez anos. E ainda o mesmo se está a passar com o esforço relativo às redes de próxima geração - baseadas em tecnologia do tipo Internet - que vão começar a ser instaladas, e que lá para a próxima década constituirão todo o coração infra-estrutural, substituindo-se assim à tecnologia «telefónica» que vinha a evoluir desde os finais do século XIX.
Tudo processos muito exigentes em termos nervos de planeamento com grande capacidade de tensão. Processo, aliás, a que não escapou a criação da Internet, um plano já programado pelo Estado norte-americano - uma «visão napoleónica, insensível à dinâmica das empresas», como diria Sérgio Figueiredo - desde meados dos anos 60 e com primeiros resultados em 1969! Claro, planos que vão sendo adaptados, mas é sempre a mesma persistente actividade de planeamento que está por trás.
Agora, a crítica a fazer ao Plano Tecnológico do Governo do PS não é bem deste timbre. É, concordo, um problema da «dinâmica das empresas», mas por razões dos baixos custos do trabalho das empresas, os quais o Governo tenta apoiar com todas as forças. Por um lado, ainda noutro dia apelidou a CGTP de demagoga por causa das suas propostas de aumento de salário mínimo para 500 Euros lá para 2010; por outro lado, procura degradar ao máximo os custos de trabalho na Função Pública, um instrumento de contraponto para o mercado de trabalho, isto é, para o nível de salários no sector privado. Não, assim não se vai lá.


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