Dirigente indígena Evo Morales eleito presidente

Vitória histórica na Bolívia

Evo Morales é o novo presidente eleito da Bolívia. Uma vitória histórica que Morales sintetiza dizendo que «o terceiro milénio é dos povos, não do império».

Mo­rales ra­ti­ficou o com­pro­misso de lutar contra o ne­o­li­be­ra­lismo

Nascido em 1959 numa pequena aldeia do planalto andino boliviano, Evo Morales é o primeiro dirigente indígena a ascender à chefia do Estado, onde a partir de 22 de Janeiro inicia um mandato de cinco anos.
A confirmar-se, como tudo indica, que o dirigente do Movimento ao Socialismo (MAS) conquistou mais de 50 por cento dos votos nas eleições de domingo último, a vitória é não só a mais contundente das últimas décadas como garante a tão necessária base de apoio popular para levar por diante as promessas eleitorais que lhe deram origem.
Muito à frente do seu mais directo adversário, o ex presidente neoliberal Jorge Quiroga, cuja votação se ficou pelos 31 por cento, Evo Morales conseguiu o respaldo das diferentes etnias bolivianas, o que confere à sua eleição um carácter manifestamente nacional e unificador, particularmente importante numa altura em que o espectro da divisão, por via da radicalização das tendências autonómicas, assola o país.
Confirmado o triunfo, e ao contrário dos presságios norte-americanos, a população saiu à rua para festejar pacificamente a vitória, sem se deixar intimidar pelas ameaçadoras palavras do porta-voz de Washington, Otto Reich, que nem esperou pela confirmação oficial dos resultados para sugerir que se o MAS aplicar o seu programa sofrerá represálias dos EUA.

Ex­pec­ta­tivas ele­vadas

O novo governo do MAS - que segundo os dados disponíveis no encerramento desta edição terá no Parlamento 13 senadores num total de 27, e 65 deputados num total de 130, para além de ter alcançado importantes vitórias nas eleições para governadores das diferentes províncias -, o novo governo, dizia-se, não terá uma vida fácil.
A par da hostilidade norte-americana, a quem desagrada a subida ao Poder de um homem que diz ter afinidades com os seus homólogos venezuelano e cubano (Hugo Chávez e Fidel Castro), o governo de Morales vai ter de enfrentar a oposição dos sectores mais reaccionários do país, avessos a todo o tipo de mudanças que ponham em causa os seus privilégios, ao mesmo tempo que é chamado a corresponder à elevada expectativa da maioria da população desprotegida que nele confiou. Importa não esquecer que a Bolívia é o segundo país mais pobre da América Latina, a seguir ao Haiti.
Evo Morales sabe que o resultado histórico alcançado - o maior número de votos jamais recebido por um candidato desde 1982, altura em que o país saiu de sucessivas ditaduras militares - representa um capital de confiança e de exigência.
Isso mesmo ficou claro na sua primeira intervenção após a vitória, em que afirmou a convicção de que se vivem tempos novos e que «o terceiro milénio é dos povos, não do império».
Morales ratificou o compromisso de modificar o modelo económico, de lutar contra o neoliberalismo, de abrir uma nova página na história da Bolívia, de igualdade, justiça e paz, acabando com a discriminação que desde sempre afecta os indígenas, para que todos possam viver «juntos na unidade e na diversidade, mudando o modelo neoliberal e acabando com o estado neocolonial».
Morales disse ainda que a vitória popular na Bolívia pode ser um exemplo na América Latina, sublinhando que o país precisa de «movimentos populares triunfantes aliados» na região, para reconstruir o Tahuantinsuyo (Império dos Incas) e a Pátria Grande sonhada por Bolívar.

Prin­ci­pais pro­postas do MAS

1. Na­ci­o­na­li­zação dos hi­dro­car­bo­netos – para que o gás e o petróleo da Bolívia sejam propriedade nacional e não das transnacionais;
2. As­sem­bleia Cons­ti­tuinte – para conduzir o país, com apoio de todos os sectores sociais, à construção de uma nova pátria multinacional e pluricultural;
3. Lei An­drés Ibáñez para as Au­to­no­mias – descentralização política e administrativa da República para que os povos indígenas, municípios e regiões tenham poder de decisão política e financeira;
4. Plano de de­sen­vol­vi­mento pro­du­tivo – anulação do Decreto Supremo 21060 por ser inconstitucional e revisão da Lei de Investimentos.*
5. Lei contra a cor­rupção e a im­pu­ni­dade – investigação de fortunas aplicável a presidentes, vice-presidentes, ministros e políticos que estiveram no governo nos últimos 20 anos.
6. Lei de aus­te­ri­dade fiscal – eliminar os gastos excessivos nas instituições estatais, e a super remuneração de assessores das entidades públicas.
7. Lei da terra pro­du­tiva – acabar com o latifúndio e a tendência de uso especulativo da terra.
8. Se­gu­rança pú­blica – uma política preventiva de segurança, com base na inclusão social e investimentos públicos.
9. So­be­rania so­cial – criar um novo Sistema de Segurança Social para dar cobertura de saúde em três níveis: medicina familiar, internamento e especializações e hospitalar.
10. Edu­cação e cul­tura – anulação da Lei de Reforma Educativa, com garantia da educação gratuita num sistema único nacional.

* O de­creto 21060, pu­bli­cado em Agosto de 1985, foi criado, em tese, para pôr fim à hi­pe­rin­flação. Na prá­tica, im­punha uma série de me­didas po­lí­tico-ad­mi­nis­tra­tivas que ti­nham como ob­jec­tivo abrir ca­minho à apli­cação de me­didas ne­o­li­be­rais, re­du­zindo a par­ti­ci­pação do Es­tado na eco­nomia e pos­si­bi­li­tando as pri­va­ti­za­ções, entre ou­tras as­pectos.


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