EUA e UE encobrem fracasso
A reunião da Organização Mundial do Comércio, que decorreu entre os dias 13 e 18, em Hong Kong, resultou num fracasso. A cimeira foi acompanhada diariamente por milhares de pessoas que protestaram nas ruas.
Após seis dias de intensas negociações, os representantes dos 149 países pertencentes à OMC não chegaram a acordo quanto às matérias centrais em discussão. Apesar dos EUA e da UE não o admitirem abertamente, o facto é que a declaração final do encontro sabe a pouco para quem queria arrumar de vez com as esperança dos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, embora também não se possa dizer que estes tenham alcançado soluções no que concerne ao estabelecimento de regras mais equitativas para o comércio mundial.
O escoamento dos bens industriais e a prestação de serviços estiveram em cima da mesa, mas o ponto fundamental da discórdia prendeu-se com a liberalização do mercado dos produtos agrícolas. Nesta matéria, nem o grupo dos G8, Banco Mundial e FMI, nem o grupo do agora chamado G110, conseguiu avanços significativos nas suas pretensões. Os primeiros, queriam abrir definitivamente as portas dos mercados às multinacionais do sector, acenando mesmo com promessas de ajudas discriminadas por programas de diversa natureza na expectativa de seduzir alguns países. Os segundos, procuraram, sem sucesso, impor uma data para o fim dos subsídios dos EUA e UE à produção nacional e à exportação.
Pelo meio, EUA e UE ainda esgrimiram ténues argumentos no que toca ao conteúdo e ao método das negociações, situação que se resume no consenso de, por um lado, quererem subjugar de uma vez por todas as economias mais frágeis, e, por outro, na contradição de interesses entre os dois maiores blocos capitalistas mundiais, ambos aspirantes a potência económica dominante.
Algodão e açúcar na balança
Da longa maratona negocial – quase sempre seccionada e sob vigilância tutelar dos responsáveis da OMC – destacaram-se dois bloqueios.
Na esperança de vergar os países produtores de açúcar e banana da América Latina, a UE isolou-os do grupo África, Caribe e Pacífico (ACP) mantendo para estes alguns privilégios de acesso ao mercado europeu. Apesar disso, as Honduras, o Equador e a Colômbia, entre outros, reafirmaram posições e ameaçaram boicotar a cimeira caso Bruxelas insista na discriminação das importações destes países.
O algodão também foi falado. Benim, Burkina Faso e Senegal são nações onde a cultura daquela matéria-prima ocupa lugar fulcral na balança de exportações, pelo que se opuseram frontalmente à proposta de liberalização dos norte-americanos, os quais não abrem mão dos apoios internos ao sector.
Protestos ouvem-se na rua
Durante os dias em que decorreram as negociações no seio da OMC, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas de Hong Kong contra o neoliberalismo.
Contrariamente ao que já sucedeu em Seattle ou Génova, as autoridades locais anunciaram que os protestos podiam realizar-se na base do que foi acordado com os promotores, não obstante, ocorreram confrontos e o centro de conferências chegou mesmo a estar «cercado» pelos manifestantes.
A polícia respondeu com violência disparando gás pimenta e à bastonada contra grupos que procuravam furar as barreiras impostas pelas forças de segurança. O objectivo era fazer ouvir as suas razões dentro da assembleia onde se encontravam cerca de seis mil delegados. Segundo dados oficiais, mais de meia centena de pessoas resultaram feridas e pelo menos outras 900 foram detidas, arriscando agora processos judiciais e, em alguns casos, a extradição.
As demonstrações mais contundentes entre os manifestantes foram levadas a cabo por agricultores sul-coreanos e pescadores vietnamitas, indonésios e filipinos.
Os peninsulares reclamam contra a liberalização do mercado de arroz, situação que, acusam, levará à ruína milhares de famílias dependentes do rendimento daquela cultura agrícola. Quanto aos pescadores, exigem que os acordos não os sujeitem à competição desigual com frotas muito mais poderosas, as quais, noutras regiões do globo, já demonstraram ser capazes de arrasar completamente a faina artesanal.
Cuba exige mudanças
Intervindo perante os mais de seis mil delegados acreditados para a conferência, o representante cubano, Ricardo Cabrizas, afirmou que os objectivos de correcção dos desequilíbrios do sistema mundial de comércio traçados em 2001, em Doha, no Qatar, não foram atingidos, situação que levou à permanência e aprofundamento das desigualdades entre países e entre as populações de cada país.
O sistema baseado na injustiça e na exploração dos recursos humanos e naturais tem-se demonstrado insustentável, pelo que, explicou Cabrizas, a solução passa por novas formas de integração e cooperação solidária entre nações iguais em direitos e deveres, como pretende, por exemplo, o Acordo Bolivariano para as Américas (ALBA).
Neste contexto, o ministro cubano apelou ao estabelecimento sério de medidas que visem o desenvolvimento social dos povos mais desfavorecidos, objectivo que obriga o abandono das doutrinas neoliberais que têm dominado a economia mundial, concluiu.
Entretanto, ainda no seguimento dos trabalhos da OMC, um grupo de 110 países, os G110, assinaram uma declaração conjunta na qual exigem a alteração de prioridades negociais.
Para além de algumas questões específicas que se prendem com a agricultura, a investigação, a indústria e os serviços, as nações subscreveram a necessidade de se apoiarem mutuamente no que toca ao fim dos subsídios aos produtores nos países desenvolvidos, a protecção das economias mais frágeis do terceiro mundo, e o acesso não restrito dos seus produtos aos mercados europeu e norte-americano. Para 2006, os G110 devem apresentar à OMC um texto comum antes do início das negociações.
Ambiente em perigo
Grupos e organizações ecologistas presentes em Hong Kong acusaram os EUA, a UE e o Japão de utilizarem a OMC e a sua agenda comercial como arma de arremesso contra a legislação ambiental.
Leis locais de protecção ambiental para sectores como a pesca, a produção alimentar, a exploração e comércio de madeiras, o petróleo e outras substâncias químicas, são colocadas de lado em nome da abertura dos mercados e da fluência do comércio mundial.
A produção e a utilização de Organismos Geneticamente Modificados e os respectivos efeitos na saúde pública e na biodiversidade foi um dos exemplos dados pelos ambientalistas. Outro, igualmente preocupante, prende-se com os apoios concedidos na UE a frotas pesqueiras de grande dimensão que utilizam artes de captura ilegais colocando em causa a preservação dos recursos marinhos.
Segundo denunciou a associação Oceana, tais práticas não só arrasam os recursos e o ambiente natural, como fazem desaparecer milhares de postos de trabalho ligados à pesca artesanal, a qual, defendem, revela um baixo impacto ambiental e fixa populações inteiras nas faixas costeiras.
Dados da FAO indicam que a segurança alimentar no que diz respeito aos recursos marinhos é alarmante. Três quartos dos stocks encontram-se sobre-explorados ao passo que mais de mil milhões de seres humanos em todo o planeta dependem exclusivamente da pesca para obterem um mínimo necessário de proteínas no seu regime alimentar.
O escoamento dos bens industriais e a prestação de serviços estiveram em cima da mesa, mas o ponto fundamental da discórdia prendeu-se com a liberalização do mercado dos produtos agrícolas. Nesta matéria, nem o grupo dos G8, Banco Mundial e FMI, nem o grupo do agora chamado G110, conseguiu avanços significativos nas suas pretensões. Os primeiros, queriam abrir definitivamente as portas dos mercados às multinacionais do sector, acenando mesmo com promessas de ajudas discriminadas por programas de diversa natureza na expectativa de seduzir alguns países. Os segundos, procuraram, sem sucesso, impor uma data para o fim dos subsídios dos EUA e UE à produção nacional e à exportação.
Pelo meio, EUA e UE ainda esgrimiram ténues argumentos no que toca ao conteúdo e ao método das negociações, situação que se resume no consenso de, por um lado, quererem subjugar de uma vez por todas as economias mais frágeis, e, por outro, na contradição de interesses entre os dois maiores blocos capitalistas mundiais, ambos aspirantes a potência económica dominante.
Algodão e açúcar na balança
Da longa maratona negocial – quase sempre seccionada e sob vigilância tutelar dos responsáveis da OMC – destacaram-se dois bloqueios.
Na esperança de vergar os países produtores de açúcar e banana da América Latina, a UE isolou-os do grupo África, Caribe e Pacífico (ACP) mantendo para estes alguns privilégios de acesso ao mercado europeu. Apesar disso, as Honduras, o Equador e a Colômbia, entre outros, reafirmaram posições e ameaçaram boicotar a cimeira caso Bruxelas insista na discriminação das importações destes países.
O algodão também foi falado. Benim, Burkina Faso e Senegal são nações onde a cultura daquela matéria-prima ocupa lugar fulcral na balança de exportações, pelo que se opuseram frontalmente à proposta de liberalização dos norte-americanos, os quais não abrem mão dos apoios internos ao sector.
Protestos ouvem-se na rua
Durante os dias em que decorreram as negociações no seio da OMC, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas de Hong Kong contra o neoliberalismo.
Contrariamente ao que já sucedeu em Seattle ou Génova, as autoridades locais anunciaram que os protestos podiam realizar-se na base do que foi acordado com os promotores, não obstante, ocorreram confrontos e o centro de conferências chegou mesmo a estar «cercado» pelos manifestantes.
A polícia respondeu com violência disparando gás pimenta e à bastonada contra grupos que procuravam furar as barreiras impostas pelas forças de segurança. O objectivo era fazer ouvir as suas razões dentro da assembleia onde se encontravam cerca de seis mil delegados. Segundo dados oficiais, mais de meia centena de pessoas resultaram feridas e pelo menos outras 900 foram detidas, arriscando agora processos judiciais e, em alguns casos, a extradição.
As demonstrações mais contundentes entre os manifestantes foram levadas a cabo por agricultores sul-coreanos e pescadores vietnamitas, indonésios e filipinos.
Os peninsulares reclamam contra a liberalização do mercado de arroz, situação que, acusam, levará à ruína milhares de famílias dependentes do rendimento daquela cultura agrícola. Quanto aos pescadores, exigem que os acordos não os sujeitem à competição desigual com frotas muito mais poderosas, as quais, noutras regiões do globo, já demonstraram ser capazes de arrasar completamente a faina artesanal.
Cuba exige mudanças
Intervindo perante os mais de seis mil delegados acreditados para a conferência, o representante cubano, Ricardo Cabrizas, afirmou que os objectivos de correcção dos desequilíbrios do sistema mundial de comércio traçados em 2001, em Doha, no Qatar, não foram atingidos, situação que levou à permanência e aprofundamento das desigualdades entre países e entre as populações de cada país.
O sistema baseado na injustiça e na exploração dos recursos humanos e naturais tem-se demonstrado insustentável, pelo que, explicou Cabrizas, a solução passa por novas formas de integração e cooperação solidária entre nações iguais em direitos e deveres, como pretende, por exemplo, o Acordo Bolivariano para as Américas (ALBA).
Neste contexto, o ministro cubano apelou ao estabelecimento sério de medidas que visem o desenvolvimento social dos povos mais desfavorecidos, objectivo que obriga o abandono das doutrinas neoliberais que têm dominado a economia mundial, concluiu.
Entretanto, ainda no seguimento dos trabalhos da OMC, um grupo de 110 países, os G110, assinaram uma declaração conjunta na qual exigem a alteração de prioridades negociais.
Para além de algumas questões específicas que se prendem com a agricultura, a investigação, a indústria e os serviços, as nações subscreveram a necessidade de se apoiarem mutuamente no que toca ao fim dos subsídios aos produtores nos países desenvolvidos, a protecção das economias mais frágeis do terceiro mundo, e o acesso não restrito dos seus produtos aos mercados europeu e norte-americano. Para 2006, os G110 devem apresentar à OMC um texto comum antes do início das negociações.
Ambiente em perigo
Grupos e organizações ecologistas presentes em Hong Kong acusaram os EUA, a UE e o Japão de utilizarem a OMC e a sua agenda comercial como arma de arremesso contra a legislação ambiental.
Leis locais de protecção ambiental para sectores como a pesca, a produção alimentar, a exploração e comércio de madeiras, o petróleo e outras substâncias químicas, são colocadas de lado em nome da abertura dos mercados e da fluência do comércio mundial.
A produção e a utilização de Organismos Geneticamente Modificados e os respectivos efeitos na saúde pública e na biodiversidade foi um dos exemplos dados pelos ambientalistas. Outro, igualmente preocupante, prende-se com os apoios concedidos na UE a frotas pesqueiras de grande dimensão que utilizam artes de captura ilegais colocando em causa a preservação dos recursos marinhos.
Segundo denunciou a associação Oceana, tais práticas não só arrasam os recursos e o ambiente natural, como fazem desaparecer milhares de postos de trabalho ligados à pesca artesanal, a qual, defendem, revela um baixo impacto ambiental e fixa populações inteiras nas faixas costeiras.
Dados da FAO indicam que a segurança alimentar no que diz respeito aos recursos marinhos é alarmante. Três quartos dos stocks encontram-se sobre-explorados ao passo que mais de mil milhões de seres humanos em todo o planeta dependem exclusivamente da pesca para obterem um mínimo necessário de proteínas no seu regime alimentar.