O concerto dos bispos
A agenda oficial da Assembleia Plenária dos bispos portugueses, realizada em Fátima em meados de Novembro, foi inesperadamente omissa em importantes temas da actualidade. Lembramo-nos, por exemplo, das análises
que seria justo esperar-se que os prelados fizessem à imponente manifestação carismática realizada, dois dias antes, no âmbito dos movimentos da Nova Evangelização da Europa; ou mesmo, a expressão do pensamento católico relativamente ao acto eleitoral das presidenciais. Sobre estes acontecimentos, os bispos nada disseram. O que não é natural.
Não menos inesperada foi, igualmente, a inclusão destacada, na agenda de trabalhos, de dois outros assuntos que se diria ultrapassados : a questão da Concordata e o papel que a Igreja atribui aos católicos numa futura e hipotética União Europeia. É curioso observar-se que a introdução destes dois novos temas de debate acabou por absorver, indirectamente, as outras matérias entretanto esquecidas - a da Nova Evangelização e a que diz respeito ao acto eleitoral que se avizinha.
«Comunhão de igrejas particulares» e concordatas
Os bispos portugueses remeteram também para uma reflexão atenta um documento realmente importante - O Futuro da União Europeia e a Responsabilidade dos Católicos - recentemente distribuído pela «Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia – Comece». É um texto longo, espesso e vincadamente político, que exige uma grande atenção.
Neste pequeno espaço não cabe analisá-lo em pormenor. Mas pode construir-se uma relação possível entre uma das suas teses centrais e um dos tópicos inesperadamente trazidos para a agenda de trabalhos da assembleia episcopal - o da Concordata.
Afirma-se no texto da Comece: «A Tradição cristã tem um património de doutrina social e de experiência que podem se úteis ao conjunto da sociedade. Temos que nos interrogar sobre quais são os pontos onde se opera uma convergência entre a Doutrina social da Igreja e as orientações actuais da EU. Não se trata, obviamente, de estabelecer instituições confessionais nem de sacralizar instituições políticas, mas de avaliar em que áreas pode a Doutrina social da Igreja contribuir para o discernimento e para o empenhamento dos cidadãos da União» (Introdução, n.º. 12). Na mesma linha de raciocínio, declara-se um pouco mais à frente: «...É obviamente impossível retomar aqui todas as articulações da Doutrina social da Igreja Católica. Vamo-nos limitar a enunciar três, que nos parecem fundamentais na perspectiva do desenvolvimento da UE: a relação com a geografia e a cultura (ou a unidade na diversidade); a distinção fundamental entre as instituições políticas e as comunidades religiosas; a diferença na relação com a história» (Parte III, nº.40).
Teremos de abandonar aqui as citações de texto. O que ficou transcrito já permite, no entanto, reflectir na provável intenção que levou os bispos portugueses a ligarem, na agenda, a questão da UE e o inesperado retorno aos problemas da Concordata. Não é necessário um grande esforço de memória para recordarmos as correntes de opinião que dividiram os bispos quando foi promulgada a lei da Liberdade Religiosa (que reconhecia e integrava totalmente a Concordata de 1940). D. José Policarpo liderava, então, aqueles que optavam pela supressão, pura e simples, do velho diploma. A concordata era anacrónica. Depois da lei da Liberdade Religiosa, um documento jurídico comum, todo o seu conteúdo podia passar a fazer parte do direito civil vigente, distribuído pelas leis gerais do Estado.
O tempo passou e a prática jogou a favor desta tese. Há hoje, em fase de estudo, o ambicioso projecto de se abrir caminho à extinção do estatuto de autonomia das igrejas católicas de Espanha e de Portugal, de forma a que ambas se fundam numa só poderosa instituição eclesiástica - a Igreja Católica Apostólica Ibérica. Só assim a frágil União Europeia poderia encontrar salvação e o capitalismo europeu garantiria o seu futuro.
A constituição de blocos eclesiais cada vez mais fortes e autónomos do poder político laico, é do claro interesse da igreja de Bento XVI. Articulação sim, mas não submissão ao poder financeiro laico. As concordatas são empecilhos a remover. «Enquanto cristãos, partilhamos a convicção de que, apesar da política não ser tudo, a acção política é importante para a nossa fé e a nossa fé é importante para os nossos compromissos políticos» (Parte III, n.º. 42).
Desenha-se um conflito de interesses. Em plena crise, o capital não aguenta mais cisões. Logo, os caminhos do catolicismo europeu vão ser difíceis. E os bispos bem sabem que não basta dar expressão ao sonho para que o sonho se cumpra...
que seria justo esperar-se que os prelados fizessem à imponente manifestação carismática realizada, dois dias antes, no âmbito dos movimentos da Nova Evangelização da Europa; ou mesmo, a expressão do pensamento católico relativamente ao acto eleitoral das presidenciais. Sobre estes acontecimentos, os bispos nada disseram. O que não é natural.
Não menos inesperada foi, igualmente, a inclusão destacada, na agenda de trabalhos, de dois outros assuntos que se diria ultrapassados : a questão da Concordata e o papel que a Igreja atribui aos católicos numa futura e hipotética União Europeia. É curioso observar-se que a introdução destes dois novos temas de debate acabou por absorver, indirectamente, as outras matérias entretanto esquecidas - a da Nova Evangelização e a que diz respeito ao acto eleitoral que se avizinha.
«Comunhão de igrejas particulares» e concordatas
Os bispos portugueses remeteram também para uma reflexão atenta um documento realmente importante - O Futuro da União Europeia e a Responsabilidade dos Católicos - recentemente distribuído pela «Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia – Comece». É um texto longo, espesso e vincadamente político, que exige uma grande atenção.
Neste pequeno espaço não cabe analisá-lo em pormenor. Mas pode construir-se uma relação possível entre uma das suas teses centrais e um dos tópicos inesperadamente trazidos para a agenda de trabalhos da assembleia episcopal - o da Concordata.
Afirma-se no texto da Comece: «A Tradição cristã tem um património de doutrina social e de experiência que podem se úteis ao conjunto da sociedade. Temos que nos interrogar sobre quais são os pontos onde se opera uma convergência entre a Doutrina social da Igreja e as orientações actuais da EU. Não se trata, obviamente, de estabelecer instituições confessionais nem de sacralizar instituições políticas, mas de avaliar em que áreas pode a Doutrina social da Igreja contribuir para o discernimento e para o empenhamento dos cidadãos da União» (Introdução, n.º. 12). Na mesma linha de raciocínio, declara-se um pouco mais à frente: «...É obviamente impossível retomar aqui todas as articulações da Doutrina social da Igreja Católica. Vamo-nos limitar a enunciar três, que nos parecem fundamentais na perspectiva do desenvolvimento da UE: a relação com a geografia e a cultura (ou a unidade na diversidade); a distinção fundamental entre as instituições políticas e as comunidades religiosas; a diferença na relação com a história» (Parte III, nº.40).
Teremos de abandonar aqui as citações de texto. O que ficou transcrito já permite, no entanto, reflectir na provável intenção que levou os bispos portugueses a ligarem, na agenda, a questão da UE e o inesperado retorno aos problemas da Concordata. Não é necessário um grande esforço de memória para recordarmos as correntes de opinião que dividiram os bispos quando foi promulgada a lei da Liberdade Religiosa (que reconhecia e integrava totalmente a Concordata de 1940). D. José Policarpo liderava, então, aqueles que optavam pela supressão, pura e simples, do velho diploma. A concordata era anacrónica. Depois da lei da Liberdade Religiosa, um documento jurídico comum, todo o seu conteúdo podia passar a fazer parte do direito civil vigente, distribuído pelas leis gerais do Estado.
O tempo passou e a prática jogou a favor desta tese. Há hoje, em fase de estudo, o ambicioso projecto de se abrir caminho à extinção do estatuto de autonomia das igrejas católicas de Espanha e de Portugal, de forma a que ambas se fundam numa só poderosa instituição eclesiástica - a Igreja Católica Apostólica Ibérica. Só assim a frágil União Europeia poderia encontrar salvação e o capitalismo europeu garantiria o seu futuro.
A constituição de blocos eclesiais cada vez mais fortes e autónomos do poder político laico, é do claro interesse da igreja de Bento XVI. Articulação sim, mas não submissão ao poder financeiro laico. As concordatas são empecilhos a remover. «Enquanto cristãos, partilhamos a convicção de que, apesar da política não ser tudo, a acção política é importante para a nossa fé e a nossa fé é importante para os nossos compromissos políticos» (Parte III, n.º. 42).
Desenha-se um conflito de interesses. Em plena crise, o capital não aguenta mais cisões. Logo, os caminhos do catolicismo europeu vão ser difíceis. E os bispos bem sabem que não basta dar expressão ao sonho para que o sonho se cumpra...