Equador

Um paiol no coração dos Andes

O Equador voltou às manchetes da comunicação social. A tensão social acentuou-se nas últimas semanas, assumindo contornos explosivos.

«As transnacionais que controlam a economia retomaram a sua política»

Nos últimos dez anos o Equador teve quatro presidentes. Três foram derrubados pelo povo. Negando os compromissos assumidos, actuaram como representantes do governo dos EUA. O embaixador norte-americano em Quito transmitia com arrogância as ordens de Washington, exibindo-se como um procônsul.
Após o afastamento, em 1997, de Bucaram, um presidente semi louco envolvido em escândalos, o seu sucessor, Jamil Mahuad, levou a submissão a Washington a tal extremo que o dólar foi imposto como moeda nacional, substituindo o sucre. As transnacionais do petróleo, da pesca e das bananas punham e dispunham, sem consultar sequer o governo, ignorando a Constituição e o Congresso. A vida encareceu extraordinariamente, e a miséria alastrou. Aos protestos do povo, Bucaram respondeu com a violência policial.
Quando a repressão atingiu um nível insuportável, no ano 2000, os índios da Cordilheira, mobilizados pela Confederação Nacional dos Indígenas do Equador, CONAIE, organizaram uma gigantesca marcha sobre a capital e, com o apoio de um punhado de oficiais, e de trabalhadores urbanos, depuseram Mahuad. O Exército não saiu dos quartéis.
O Palácio da Presidência, em Quito, chegou a ser ocupado. Mas a insurreição popular não desembocou numa revolução. Lúcio Gutierrez, o mais destacado dos militares que apoiaram a CONAIE, negociou com o alto comando das Forças Armadas, o Congresso designou um novo presidente e os índios regressaram, frustrados às suas aldeias na Cordilheira. Gutierrez acabou na prisão.

Das palavras aos actos

Os indígenas, traídos por alguns dos seus líderes, identificaram em Lucho Gutierrez um Chavez equatoriano. Ao sair da prisão, o jovem tenente-coronel assumiu as reivindicações do povo. Candidatou-se à presidência. Atribuiu ao neoliberalismo os males da nação, criticou a dolarização e a existência na fronteira da Colômbia da base
militar norte-americana de Manta, manifestou a sua admiração por Hugo Chavez.
Eleito presidente com uma grande maioria, Lúcio Gutierrez incluiu no seu governo personalidades da confiança dos trabalhadores e colocou uma indígena à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas o discurso de posse – Fidel deslocou-se a Quito - foi ambíguo. Lúcio viajou para Washington, falou com Bush, e a viragem foi quase imediata. Manteve a dolarização e a política neoliberal dos governos anteriores e estreitou as relações com os EUA e a Colômbia. Com a colaboração da CIA, a sua polícia política prendeu o comandante guerrilheiro Simon Trinidad das FARC e entregou-o a Uribe que depois o extraditou para os EUA.
Os trabalhadores equatorianos e os indígenas - aproximadamente metade da população do país - compreenderam que tinham levado à presidência um político ambicioso e venal que rompera todos os compromissos assumidos com o povo.
Já sem máscara, Lúcio Gutierrez alinhou com Washington em todas as iniciativas imperiais contra Cuba, a Venezuela bolivariana e a insurgência colombiana.
Quando o Exército se negou a reprimir os protestos populares, o Congresso depôs o presidente. Lúcio fugiu, asilando-se numa embaixada.
Perante a situação de vazio de poder, as duas Câmaras do Parlamento designaram Alfredo Palácio, vice-presidente do Congresso, médico e professor universitário, para ocupar a presidência, ate à realização de eleições gerais em Janeiro de 2007.
Um luar de esperança rompeu o negrume do horizonte nas semanas seguintes. No governo de transição, ministros progressistas anunciaram medidas recebidas com entusiasmo pelas massas. O novo ministro dos Estrangeiros, um patriota, fez declarações que levaram Washington a exigir a sua demissão.
Palácio capitulou.
As transnacionais que controlam a economia do país retomaram a sua política de desrespeito pela soberania nacional. - M.U.R.

Desfecho da crise é imprevisível

A tendência de Palácio para ceder às pressões do governo norte-americano e assinar o TLC, um Tratado bilateral de Livre Comércio com os EUA, funcionou como detonador na crise que vinha fermentando. O povo equatoriano, que havia festejado a derrota de Bush em Mar del Plata, onde Chavez e os países do Mercosul vetaram a inclusão do tema da ALCA na Agenda da Cimeira, reagiu com indignação à manobra em desenvolvimento. A CONAIE reclamou um referendo nacional sobre a questão do TLC. No caso de o povo rejeitar o Tratado anexionista e recolonizador, seria convocada uma Assembleia Constituinte que reformaria a Constituição vigente.
Entretanto a polícia reprimia brutalmente com cargas e gases lacrimogéneos uma manifestação de protesto contra a construção de uma barragem na Província de Los Rios, Guayaquil.
O povo voltou a sair às ruas. Uma marcha de 8000 indígenas, representando comunidades de todo o país, avançou sobre Quito. Palácio, atemorizado, recebeu os dirigentes que, além do referendo, exigiram a expulsão do país da OXY, uma transnacional petrolífera que tem desafiado as leis da República. Foi igualmente pedida a nacionalização imediata do petróleo como riqueza do povo.
O presidente encaminhou ao Supremo Tribunal o pedido de convocação do referendo, mas deu respostas ambíguas a todas as questões relacionadas com o petróleo, a destruição do ambiente e a defesa da biodiversidade.
Os juizes do Supremo emitiram quase imediatamente um acórdão, opondo-se ao referendo, com argumentos jurídicos, numa atitude que foi interpretada como resultado de cumplicidades entre o presidente, o Congresso e o Poder Judicial.
O desfecho da crise é imprevisível. Mas a Casa Branca não esconde a sua preocupação. Os acontecimentos do Equador coincidem com a vaga de contestação generalizada ao projecto da Alca, encarado como símbolo da estratégia imperial dos EUA para os países do Hemisfério. Os povos da América Latina, do México à Patagónia, condenam o neoliberalismo, mas recorrem a formas de luta muito diversificadas contra os governos que actuam como instrumento de Washington.

Riqueza cobiçada

Com uma superfície de 270 000 km2 – o triplo de Portugal – a população do Equador, 13 milhões, concentra-se sobretudo na costa e nos vales da Cordilheira dos Andes. A grande floresta amazónica, uma região riquíssima em biodiversidade e petróleo, é praticamente despovoada.


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