Referendo constitucional no Iraque

«Sim» não trava violência

A comissão eleitoral iraquiana anunciou, anteontem, que o texto constitucional proposto pelo governo de Ibrahim al-Jaafari foi aprovado, mas os resultados não encobrem o recrudescimento da violência no país.

«A ocupação e a soberania estrangeira não serve aos iraquianos»

Ao final da tarde da passada terça-feira, responsáveis eleitorais do governo iraquiano, membros do executivo, observadores da ONU e porta-vozes dos ocupantes congratularam-se com a vitória do «sim» no acto eleitoral do passado dia 15 por 78,59 por cento dos votos, mas as vozes discordantes, a análise do mapa eleitoral e, sobretudo, o recrudescimento da violência no país revelam que talvez ainda seja cedo para cantar definitivamente o triunfo da ocupação.
As reacções ao anúncio são um primeiro e claro sinal do que nos últimas semanas vinha sendo avançado. Mesmo que os EUA, a Grã-Bretanha e as comunidades Xiita e Curda conseguissem impor a aprovação da constituição, o Iraque sairia do escrutínio dividido e mergulhado numa espiral de violência ainda mais forte.
Da parte do Sunitas - os principais rostos da oposição ao texto argumentando que tal tratado só serviria a federalização do Iraque – sucederam-se as acusações de fraude eleitoral e «limpeza» prévia do território. Quanto à alegada chapelada no sufrágio, os derrotados sustentam que foram sonegadas urnas potencialmente incómodas para o poder reinante, ao passo que no caso da «limpeza» do território basta recordar o recente ataque a Tal-Afar e o consequente êxodo de milhares de pessoas de uma região onde o «não» até acabou por obter a maioria, mas não suficiente.

Meio cheio ou... meio vazio

Se em Anbar e Salahuddin a vitória do «não» foi mais do que expressiva – garantindo duas províncias discordantes por mais de dois terços - já nas províncias de Diyala, Kirkuk e Baghdad a rejeição ficou aquém do inicialmente previsto. Como a lei eleitoral obrigava que em três das 18 províncias o «não» vencesse por maioria de dois terços para que a constituição fosse rejeitada, o fulcro da questão centrava-se em Nineveh, região da martirizada Tal-Afar. Aqui, os opositores também venceram, mas por uma margem não suficiente totalizando «somente» 55,08 dos votos.
Apesar do optimismo dos ocupantes ser parcialmente sustentado pelos resultados oficiais, muitas dúvidas ressaltam da análise do mapa eleitoral: Com uma abstenção a rondar os 40 por cento e quase metade do território por submeter à constituição, qual o modelo administrativo que o actual governo pretende impor por forma a garantir a unidade e integridade territorial do Iraque?

Guerra sem tréguas

Por muitas e diversas que sejam as respostas, é cada vez mais nítido que o caminho da ocupação e da soberania estrangeira sobre o país não serve aos iraquianos.
A violência e os ataques contra as tropas ocupantes multiplicaram-se entre domingo e terça-feira, dia em que foram anunciados os resultados oficiais
Em Baghdad, cinco pessoas morreram e pelo menos dez ficaram feridas num ataque à refinaria de Baiji. Ainda na capital iraquiana, a explosão de uma viatura armadilhada contra uma coluna da polícia vitimou quatro indivíduos e deixou outros treze feridos, e o ataque a uma coluna militar dos EUA feriu pelo menos dois soldados.
Mais a norte, em Kirkuk, o cenário de violência contra os ocupantes repetiu-se, mas o ataque mais significativo foi em Tikrit, onde uma bomba atingiu mortalmente um coronel da polícia local e outras cinco pessoas que com ele viajavam.

Soldados regressam «desfeitos»

Para além das vítimas mortais e dos soldados norte-americanos mutilados no Iraque, a guerra ameaça tornar-se um fenómeno permanente no subconsciente da população dos EUA. Segundo dados do exército revelados pelo matutino , 25 por cento dos militares que regressam necessitam de tratamento mental e relatam que preferiam terem sido abatidos em combate. O mesmo relatório afirma que milhares de ex-soldados sofrem de ataques de pânico e 38 por cento dos veteranos da campanha sofrem de recorrentes pensamentos suicidas.
A estes dados acresce a sondagem publicada na edição de terça-feira do Wall Street Journal que afirma que 53 por cento dos norte-americanos consideram a invasão «um erro» e 61 por cento não acredita na política da administração Bush para o Iraque.
Recorde-se que, nesta mesma semana, o número de soldados mortos no país ultrapassou já os dois mil e os feridos ascendem a mais de 15 mil.

Julgamento adiado para Novembro
Saddam reclama farsa

O deposto e encarcerado presidente iraquiano, Saddam Hussein, compareceu, quarta-feira da semana passada, na primeira sessão do Tribunal Especial Iraquiano (TEI), órgão criado para julgar alegados crimes contra a população perpetrados pelo agora ex-presidente e alguns dos seus mais próximos colaboradores durante as décadas em que detiveram o poder em Baghdad.
Em causa está o assassinato de cerca de centena e meia de Xiitas no início dos anos 80, mas Saddam deixou imediatamente claro que não reconhece legitimidade ao TEI acusando-o de «falta de fundamento». Saddam pouco mais disse ao presidente do colectivo de juizes, Rizgar Mohamed Amin, atitude seguida pelos restantes sete réus que respondem igualmente pelo massacre arriscando a pena capital.
O magistrado acabou por adiar a sessão agendando-a para o próximo dia 28 de Novembro, isto apesar das solicitações do advogado de defesa de Saddam, Khalil al-Dulaimi, que pretendia um prazo de três meses para preparar as primeiras alegações.

Justiça viciada

As acusações de farsa judicial acompanham o processo desde o início, em 2003. Segundo informações divulgadas pela defesa e pelos familiares de Saddam, a novel «justiça» iraquiana recusou o comité de defesa escolhido por Hussein, o qual incluía, entre outras personalidades nacionais e estrangeiras, o ex-secretário de Justiça dos EUA, Ramsey Clark. Acresce o facto do advogado nomeado pelo TEI não ter tido a oportunidade de falar a sós com o ex-presidente, tal como obrigam as regras e convenções internacionais sobre a matéria, carecendo ainda de dados que lhe permitam montar uma defesa minimamente digna.
As Nações Unidas apelaram, em face dos indicadores, para que o julgamento observe as normas e regras internacionalmente estabelecidas. O juiz alemão e técnico da ONU, Wolfgang Schomburg, pronunciou-se contra o que considerou a «justiça dos vencedores» e afirmou que «sob tanta pressão e sem o distanciamento necessário, mesmo o mais benevolente dos juizes teria dificuldades em chegar a um veredicto justo».
No meio do espectáculo mediático montado por ocupantes e governo títere em torno do julgamento – com direito a transmissão televisiva e amplos títulos nos jornais controlados pelo actuais senhores de Baghdad – emergem sinais preocupantes quanto à segurança de advogados de defesa e respectivos familiares.
Enquanto o nome dos acusadores foi sigilosamente protegido, o dos advogados de defesa foi divulgado muito antes do início do julgamento.
Após a primeira sessão, Al-Janabi, advogado de um dos sete ex-membros do Partido Baas acusado juntamente com Saddam, foi sequestrado e abatido com dois tiros na cabeça. Testemunhas afirmaram que os dez raptores usavam uniformes militares e fardamentos policiais, informações não confirmadas pelas autoridades, pouco interessadas, pelo menos para já, em desvendar os verdadeiros contornos do caso.


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