A TV e o professor
Há um pouco menos de vinte e cinco anos, em Dezembro de 80, a televisão portuguesa, então apenas consubstanciada na RTP, fez uma histórica tentativa de manipulação do eleitorado a poucos dias de uma eleição presidencial. Foi o caso que, tendo morrido a 4 daquele mês, porventura vítima de atentado, o Dr. Francisco Sá Carneiro, foi a cobertura das chamadas pompas fúnebres manifestamente utilizada para, ampliando o efeito de choque que a tragédia provocara na opinião pública, mobilizar as gentes para votarem no general Soares Carneiro, candidato de direita que Sá Carneiro inventara e promovera. Por sinal, a estratégia não resultou, Soares Carneiro perdeu e nunca mais se ouviu falar nele como personagem da política portuguesa. Já agora, recorde-se que o mais significativo do seu currículo no momento em que se candidatara era o ter sido responsável pelo campo de concentração de S. Nicolau no tempo da guerra colonial, passado que a direita desesperadamente tentava esconder e fazer esquecer, adequadamente auxiliada pela mais eficaz comunicação social do tempo. Parece que é, da direita, uma espécie de triste fado, este de querer fazer esquecer as práticas anteriores dos seus candidatos, mas esse é um assunto que para aqui não é muito chamado e só passa por esta coluna por ter calhado em conversa. O que interessa é esta memória do comportamento da TV há vinte e cinco anos e o que parece ser a sua reincidência agora, com a importante e feliz diferença de não se tratar em 2005 de um funeral, o diabo seja surdo, mas sim de uma tentativa de entronização mediática do actual candidato da direita ao lugar que em 80 Sá Carneiro planeava preencher com um homem seu. Refiro-me, como decerto já se percebeu, à reportagem televisiva que a RTP, SIC e TVI fizeram da faustosa cerimónia em que Cavaco Silva anunciou ao país e ao mundo que se candidatava. E não apenas à cerimónia propriamente dita, mas também ao prolongamento e empolamento da notícia mediante a realização de debates em que a promissora candidatura foi o tema exclusivo, distinção que não fora concedida a nenhuma das candidaturas anteriormente anunciadas. De tudo isto resultando sem margem para dúvidas uma mensagem dirigida aos telespectadores, isto é, à população eleitora: Cavaco Silva é que é o candidato a sério, o único a considerar, aquele que deve ser escolhido, e os restantes estão por aí apenas para enfeitar ou ainda menos que isso. Foi, noutros moldes e numa outra dimensão, o «telegolpe Soares Carneiro» vinte e cinco anos depois.
Das duas, uma
O importante, afinal, é que sim, o Senhor Professor decidiu-se finalmente. Em torno da sua tão desejada candidatura, desejada não seguramente por mim nem por outros pelintras como eu mas pela fina flor da fidalguia financeira e económica de Portugal, está uma imensa corte de notáveis, uns na ponta dos pés, outros em pantufas, todos empenhadíssimos no regresso do Homem do Leme. Pois é verdade, o Senhor Professor decidiu-as: lá estava ele, no Centro Cultural de Belém, local curiosamente escolhido para nos anunciar a Boa Nova, pois é sabido que a cultura nunca exerceu sobre o Senhor Professor uma sedução por aí além. A seu lado estava, compreensivelmente, a Dra. Maria Cavaco, e convém registar que essa presença envolvia um pormenor verdadeiramente enternecedor, que a TV logo cuidou de divulgar: é que Professor e esposa celebravam naquele dia 40 anos de matrimónio, e foi óbvio que Cavaco quis oferecer à senhora, a título de presente de aniversário de casamento, não um anel comemorativo mas sim, upa!, upa!, o trono (infelizmente republicano) de um país inteiro. Qual o eleitor que não se comoverá com o gesto e quererá negar-lhe a ratificação pelo voto? Nenhum, excepto porventura os comunistas que, já se sabe, são mal formados. Só uma dificuldade é inquietante: dizem alguns (por exemplo, eu próprio) que o Senhor Professor Cavaco não pode ser eleito. Porque das duas, uma. Ou levou uns bons seis meses para tomar a decisão de se candidatar, e quem leva tanto tempo para tomar uma decisão fundamental não pode ser presidente da República por insuportável lentidão na tomada de decisões, ou na verdade já decidira há muito tempo, e nesse caso não pode ser presidente porque um sujeito que durante tanto tempo mente aos portugueses sobre um ponto fundamental não pode ser presidente da República Portuguesa. Como se vê, é um argumento simples mas de uma lógica incontornável e dura como pedra. Resta esperar que a TV, com todas as suas capacidades, faça esquecer esta e outras razões. Sejamos francos: para isso é que ela está lá.
Das duas, uma
O importante, afinal, é que sim, o Senhor Professor decidiu-se finalmente. Em torno da sua tão desejada candidatura, desejada não seguramente por mim nem por outros pelintras como eu mas pela fina flor da fidalguia financeira e económica de Portugal, está uma imensa corte de notáveis, uns na ponta dos pés, outros em pantufas, todos empenhadíssimos no regresso do Homem do Leme. Pois é verdade, o Senhor Professor decidiu-as: lá estava ele, no Centro Cultural de Belém, local curiosamente escolhido para nos anunciar a Boa Nova, pois é sabido que a cultura nunca exerceu sobre o Senhor Professor uma sedução por aí além. A seu lado estava, compreensivelmente, a Dra. Maria Cavaco, e convém registar que essa presença envolvia um pormenor verdadeiramente enternecedor, que a TV logo cuidou de divulgar: é que Professor e esposa celebravam naquele dia 40 anos de matrimónio, e foi óbvio que Cavaco quis oferecer à senhora, a título de presente de aniversário de casamento, não um anel comemorativo mas sim, upa!, upa!, o trono (infelizmente republicano) de um país inteiro. Qual o eleitor que não se comoverá com o gesto e quererá negar-lhe a ratificação pelo voto? Nenhum, excepto porventura os comunistas que, já se sabe, são mal formados. Só uma dificuldade é inquietante: dizem alguns (por exemplo, eu próprio) que o Senhor Professor Cavaco não pode ser eleito. Porque das duas, uma. Ou levou uns bons seis meses para tomar a decisão de se candidatar, e quem leva tanto tempo para tomar uma decisão fundamental não pode ser presidente da República por insuportável lentidão na tomada de decisões, ou na verdade já decidira há muito tempo, e nesse caso não pode ser presidente porque um sujeito que durante tanto tempo mente aos portugueses sobre um ponto fundamental não pode ser presidente da República Portuguesa. Como se vê, é um argumento simples mas de uma lógica incontornável e dura como pedra. Resta esperar que a TV, com todas as suas capacidades, faça esquecer esta e outras razões. Sejamos francos: para isso é que ela está lá.