Os mortos verdadeiros

Leandro Martins
A gente sabe que um só acontecimento pode precipitar, em determinadas circunstâncias, uma rebelião, um movimento ou, pelo menos, uma reviravolta política. E que um mesmo acontecimento, aumentado ou dissimulado, pode também levar um movimento a refluir. A história recente, povoada de dissimulações, de propaganda mentirosa e de calúnias devidamente arquitectadas ou agigantadas pelos media e seus serventuários disfarçados de jornalistas, fabricando notícias em estúdio e filmando a «verdade» com actores e cenários «realistas», tem mudado o curso de acontecimentos ou servido de pretexto para iniciar guerras de ocupação ou queda de regimes. Reflectia nisto uma destas manhãs, ao ver na TV as alagadas ruas de Nova Orleães, escutando o jornalista afirmar que num hospital haviam sido encontrados dezenas de mortos e ao saber, pelos jornais, que o Governo dos EUA fora obrigado pelo tribunal a «deixar» mostrar as fotos da mortandade.
E, reflectindo ainda, recordei as campanhas de desinformação levadas a cabo no mundo inteiro. Veio-me à memória, por exemplo, os «60 mil mortos» de Timisoara, na Roménia, tão a propósito para desacreditar o socialismo em geral e que, afinal, não tinha havido, apesar de filmagens artificiosamente arranjadas o terem demonstrado. Ou, outro exemplo, as «armas de destruição massiva» que Bush, acolitado por Powell, afirmara que Saddam detinha, chegando a serem mostradas «animações demonstrativas» de que elas percorriam os desertos, acomodadas em camiões... fantasmas. Ou, ainda, o «massacre de Tien An Men», em que as imagens mostraram o esfaqueamento de soldados por «populares» enquanto os locutores faziam parar a imagem sobre um tanque que ia esmagar um jovem e que ficou por ali semanas, sem esmagar ninguém.
A maior parte destas arquitecturas são posteriormente desmentidas. E não vejo nunca um político da direita explicar-se nem um «jornalista» pedir desculpas.
Ainda há pouco, um relatório da ONU desmentiu o que durante anos foi afirmado – que Tchernobil fizera milhares de mortos, que o cancro alastrava aos milhares entre a população, que milhares de crianças tinham nascido defeituosas. E a gente viu-as! Números reais: a tragédia custou 56 mortos até hoje, incluindo os 47 socorristas e nove crianças vítimas de cancro. Quatro mil foram curados e as hipóteses de sobrevivência são de 99 por cento. Não houve nascimentos de crianças defeituosas!
Mas Tchernobil foi, no tempo da glastnost de Gorbatchov, usado como bandeira do caos onde chegara o socialismo... Como, na altura, a folha manobrada pela mesma glastnost, o Notícias de Moscovo, também anunciara a «descoberta» de uma vala comum de «vítimas de Stáline» que, afinal, continha ossadas de cães.


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