O País que trabalha está mais pobre
No debate do Estado da Nação ouviu-se falar muito de futuro. E de confiança. Por aí passava, percebeu-se, a estratégia do Governo. Só que não se constrói o futuro com políticas do passado que puseram o presente no desgraçado estado actual.
PS deixou cair promessas mais emblemáticas
No discurso inicial com que se apresentou neste debate, que simbolicamente marca o fecho de mais um ano parlamentar, ficou logo claro que o Primeiro-Ministro pretendia sobretudo pôr o enfoque no anunciado Plano de Investimentos (ver caixa).
Puxadas por si para primeiro plano foram questões recorrentes como a construção do aeroporto internacional na Ota e o comboio de Alta Velocidade, numa intervenção recheada de «boas intenções» em que assumiu pela enésima vez como «prioridade maior para Portugal» o crescimento económico, reiterando as três vias para o concretizar: a consolidação das contas públicas, o contrato de confiança para o investimento e o plano tecnológico.
E em nome da «defesa do Estado social», tentou justificar os pesados sacrifícios impostos aos trabalhadores, aos reformados e às pequenas e médias empresas.
Argumentos que não convenceram a bancada comunista, levando Jerónimo de Sousa ainda no período de perguntas ao chefe do Governo a acusar este de estar a «desbaratar a esperança» de quantos confiaram em Fevereiro último numa efectiva mudança de política.
Assim sucede, com efeito, na opinião dos comunistas, porque o PS está a deixar «cair as suas promessas mais emblemáticas», aprovando, simultaneamente, «medidas e instrumentos económicos, financeiros e orçamentais já usados e experimentados até à exaustão» que vieram a redundar em completo falhanço, agravando os problemas dos trabalhadores, do povo e do País.
«Em vez de se privilegiar o crescimento económico e o fortalecimento do aparelho produtivo como meio de combater o défice, o combate ao défice passou a comandar toda a política económica, entravando o crescimento, numa concepção redutora, orçamentista e monetarista», sublinhou o Secretário-Geral do PCP, para quem este é um caminho que só acentuará a nossa divergência com a União Europeia.
É que o grande e grave problema do País, explicou, reside na fragilidade do nosso tecido produtivo, na sua incapacidade para responder à procura do mercado interno e competir nos mercados externos. Ora, em relação a este problema central, não se descortina da parte do Executivo qualquer estratégia capaz de lhe fazer frente. «O Governo resolveu dar a primazia ao défice e atacá-lo pelo pior lado: o lado que agrava as condições de vida dos portugueses, a injustiça fiscal e os factores recessivos da economia», sustentou Jerónimo de Sousa.
Para as consequências desta opção do Governo e sua incidência na vida dos portugueses chamou ainda a atenção o dirigente do PC, para concluir que «o País que trabalha está mais pobre». A testemunhá-lo, observou, estão indicadores como o do poder de compra que regista desde 2001 uma perda estimada em 15 por cento, «com as famílias a ganharem menos, a pagarem mais impostos e terem menos benefícios sociais».
Mais chocante, porém, é o facto de esta realidade, com tendência a agravar-se face a medidas como a do aumento do IVA, contrastar de forma flagrante – e esta é a «grande contradição que atravessa a sociedade portuguesa», segundo Jerónimo de Sousa - com o «crescimento desmedido e escandaloso dos lucros dos grandes grupos económicos e da banca». Proventos que, «como objectivamente se constata pelo baixo crescimento económico português não são reinvestidos no relançamento da economia portuguesa, nem tão pouco na criação de mais emprego», denunciou o deputado e dirigente comunista, antes de recordar serem ainda aqueles «os grandes usufrutuários de um sistema e de uma política que apenas serve e engorda um capital improdutivo e predador que vive à custa de um tecido económico cada vez mais fragilizado de micro, pequenas e médias empresas, que sacou do Estado o melhor do seu património público empresarial e quer mais e mais do que resta».
Sem resposta não passou, por último, a verdadeira falácia que é a imposição de novas medidas de austeridade a pretexto da salvação do Estado Social. «Como quer que se acredite, sendo o nosso Estado social menos protector e menos eficaz que os seus congéneres europeus, que o caminho escolhido seja o da retirada e diminuição de direitos, em vez do seu reforço?», inquiriu, interpelando o Primeiro Ministro, o Secretário-Geral do PCP, antes de fazer notar que o «Estado Social não se salva desregulamentando as relações laborais, precarizando o emprego e fragilizando os direitos de quem trabalha».
Plano de investimentos
Aquém das necessidades
Uma «operação de marketing para fazer esquecer as gravosas medidas que decretou contra os portugueses que vivem do seu trabalho», assim classificou Jerónimo de Sousa o pacote de investimentos em infra-estruturas anunciado por José Sócrates.
Este Programa, no qual o Governo agrega «num único bolo o investimento previsto para quatro anos de 25 mil milhões de euros», ainda segundo o líder comunista, visa também lançar uma «cortina de fumo» sobre os reais propósitos de contenção, expressos no Programa de Estabilidade e Crescimento.
Para o Secretário-Geral do PCP, que falava no debate sobre o estado da Nação, o que se conhece, sendo pouco, é suficiente para saber que «não se trata de um investimento suplementar ou de um reforço mas apenas de uma parte dos investimentos que todos os anos são disponibilizados pelo Estado, muito aquém da sua normal capacidade de mobilização». Com a agravante, sublinhou, de «estar sujeito a um quadro comunitário de apoio incerto», para além de «revelar uma grande falta de rigor e sustentabilidade na sua articulação com o investimento privado e da iniciativa do qual fica o Programa dependente».
Jerónimo de Sousa expressou ainda as mais sérias reservas sobre o «real contributo» daquele Programa para ultrapassar o que considerou ser «o central e decisivo problema» que é o da dinamização da nossa estrutura produtiva, em particular da nossa indústria em sectores chave (o têxtil e o vestuário, a metalurgia, a cristalaria e a cerâmica, a cablagem e outros subsectores da indústria eléctrica e electrónica, por exemplo), e para resolver a grave crise que atinge a nossa agricultura e as nossas pescas.
«Programa que, prosseguindo o caminho privatizador assumido no Orçamento Rectificativo, é concebido na dependência do capital privado, da concretização de parcerias público-privadas que mais não são, que um escancarar de portas à transformação das áreas de serviço público em negócio privado e que se traduzirá no futuro numa enorme factura que os portugueses terão de pagar dolorosamente», denunciou o dirigente comunista.
Lei da nacionalidade
Foi apresentada como a novidade no discurso do Primeiro-Ministro sobre o Estado da Nação. Antecipando o anúncio da decisão que o seu governo tomaria no dia seguinte, Sócrates afirmou no debate, faz hoje uma semana, estar pronta uma alteração à lei da nacionalidade. Trata-se, em determinadas condições – ainda que não se tivesse ido tão longe quanto seria possível e desejável –, de conferir a cidadania portuguesa a filhos de imigrantes nascidos em território nacional.
Esta é uma alteração, há muito reclamada, que só peca por tardia. Por ela se tem batido, designadamente, o PCP, de resto autor de projectos de lei visando aquele objectivo quer na anterior quer nesta Legislatura. E porque esse contributo foi omitido pelo chefe do Governo, Jerónimo de Sousa, interpelando-o directamente, tratou de lhe avivar a memória, não para tirar brilho à medida, mas, dando o seu a seu dono, assim pôr as coisas no devido lugar.
Mordomias escandalosas
No decurso do próprio debate foi anunciada a entrega de um projecto de lei do PCP destinado a impedir que titulares de cargos públicos possam auferir um vencimento superior a 90 por cento do salário do Presidente da República. Trata-se de pôr termo ao que a bancada comunista considera ser a situação «não aceitável» originada pelo conjunto de regalias de que beneficiam titulares de cargos políticos nomeados pelos sucessivos governos do PS e PSD para entidades directa ou indirectamente dependentes do Estado.
Em causa estão vencimentos escandalosamente elevados e outras chorudas mordomias, muito acima dos que são praticados em países mais desenvolvidos, que ultrapassam em muito o nível salarial do próprio Chefe de Estado.
«Como é que explica que haja uma legião de administradores públicos que ganham mais que o Presidente da República?», inquiriu, a propósito, o deputado António Filipe, introduzindo assim a questão no debate. Concreto e incisivo, dirigindo-se a Sócrates, perguntou mesmo se tenciona acabar com os regimes especiais de aposentação, como os do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos.
A existência deste «corpo de elite» a usufruir de tais benesses, num momento em que se agravam as desigualdades e as condições de vida dos trabalhadores, é, aliás, para a bancada comunista, a prova de que os sacrifícios não são para todos, contrariamente ao que afirma o Governo.
Na resposta, José Sócrates, reconhecendo o carácter «absolutamente escandaloso» de alguns benefícios, mostrou-se disposto a mexer neles. Mas ficou-se por aí.
Os salários dos administradores públicos, esses, para o Governo, continuam a ser uma espécie de «vaca sagrada» e, nessa medida, intocáveis.
Puxadas por si para primeiro plano foram questões recorrentes como a construção do aeroporto internacional na Ota e o comboio de Alta Velocidade, numa intervenção recheada de «boas intenções» em que assumiu pela enésima vez como «prioridade maior para Portugal» o crescimento económico, reiterando as três vias para o concretizar: a consolidação das contas públicas, o contrato de confiança para o investimento e o plano tecnológico.
E em nome da «defesa do Estado social», tentou justificar os pesados sacrifícios impostos aos trabalhadores, aos reformados e às pequenas e médias empresas.
Argumentos que não convenceram a bancada comunista, levando Jerónimo de Sousa ainda no período de perguntas ao chefe do Governo a acusar este de estar a «desbaratar a esperança» de quantos confiaram em Fevereiro último numa efectiva mudança de política.
Assim sucede, com efeito, na opinião dos comunistas, porque o PS está a deixar «cair as suas promessas mais emblemáticas», aprovando, simultaneamente, «medidas e instrumentos económicos, financeiros e orçamentais já usados e experimentados até à exaustão» que vieram a redundar em completo falhanço, agravando os problemas dos trabalhadores, do povo e do País.
«Em vez de se privilegiar o crescimento económico e o fortalecimento do aparelho produtivo como meio de combater o défice, o combate ao défice passou a comandar toda a política económica, entravando o crescimento, numa concepção redutora, orçamentista e monetarista», sublinhou o Secretário-Geral do PCP, para quem este é um caminho que só acentuará a nossa divergência com a União Europeia.
É que o grande e grave problema do País, explicou, reside na fragilidade do nosso tecido produtivo, na sua incapacidade para responder à procura do mercado interno e competir nos mercados externos. Ora, em relação a este problema central, não se descortina da parte do Executivo qualquer estratégia capaz de lhe fazer frente. «O Governo resolveu dar a primazia ao défice e atacá-lo pelo pior lado: o lado que agrava as condições de vida dos portugueses, a injustiça fiscal e os factores recessivos da economia», sustentou Jerónimo de Sousa.
Para as consequências desta opção do Governo e sua incidência na vida dos portugueses chamou ainda a atenção o dirigente do PC, para concluir que «o País que trabalha está mais pobre». A testemunhá-lo, observou, estão indicadores como o do poder de compra que regista desde 2001 uma perda estimada em 15 por cento, «com as famílias a ganharem menos, a pagarem mais impostos e terem menos benefícios sociais».
Mais chocante, porém, é o facto de esta realidade, com tendência a agravar-se face a medidas como a do aumento do IVA, contrastar de forma flagrante – e esta é a «grande contradição que atravessa a sociedade portuguesa», segundo Jerónimo de Sousa - com o «crescimento desmedido e escandaloso dos lucros dos grandes grupos económicos e da banca». Proventos que, «como objectivamente se constata pelo baixo crescimento económico português não são reinvestidos no relançamento da economia portuguesa, nem tão pouco na criação de mais emprego», denunciou o deputado e dirigente comunista, antes de recordar serem ainda aqueles «os grandes usufrutuários de um sistema e de uma política que apenas serve e engorda um capital improdutivo e predador que vive à custa de um tecido económico cada vez mais fragilizado de micro, pequenas e médias empresas, que sacou do Estado o melhor do seu património público empresarial e quer mais e mais do que resta».
Sem resposta não passou, por último, a verdadeira falácia que é a imposição de novas medidas de austeridade a pretexto da salvação do Estado Social. «Como quer que se acredite, sendo o nosso Estado social menos protector e menos eficaz que os seus congéneres europeus, que o caminho escolhido seja o da retirada e diminuição de direitos, em vez do seu reforço?», inquiriu, interpelando o Primeiro Ministro, o Secretário-Geral do PCP, antes de fazer notar que o «Estado Social não se salva desregulamentando as relações laborais, precarizando o emprego e fragilizando os direitos de quem trabalha».
Plano de investimentos
Aquém das necessidades
Uma «operação de marketing para fazer esquecer as gravosas medidas que decretou contra os portugueses que vivem do seu trabalho», assim classificou Jerónimo de Sousa o pacote de investimentos em infra-estruturas anunciado por José Sócrates.
Este Programa, no qual o Governo agrega «num único bolo o investimento previsto para quatro anos de 25 mil milhões de euros», ainda segundo o líder comunista, visa também lançar uma «cortina de fumo» sobre os reais propósitos de contenção, expressos no Programa de Estabilidade e Crescimento.
Para o Secretário-Geral do PCP, que falava no debate sobre o estado da Nação, o que se conhece, sendo pouco, é suficiente para saber que «não se trata de um investimento suplementar ou de um reforço mas apenas de uma parte dos investimentos que todos os anos são disponibilizados pelo Estado, muito aquém da sua normal capacidade de mobilização». Com a agravante, sublinhou, de «estar sujeito a um quadro comunitário de apoio incerto», para além de «revelar uma grande falta de rigor e sustentabilidade na sua articulação com o investimento privado e da iniciativa do qual fica o Programa dependente».
Jerónimo de Sousa expressou ainda as mais sérias reservas sobre o «real contributo» daquele Programa para ultrapassar o que considerou ser «o central e decisivo problema» que é o da dinamização da nossa estrutura produtiva, em particular da nossa indústria em sectores chave (o têxtil e o vestuário, a metalurgia, a cristalaria e a cerâmica, a cablagem e outros subsectores da indústria eléctrica e electrónica, por exemplo), e para resolver a grave crise que atinge a nossa agricultura e as nossas pescas.
«Programa que, prosseguindo o caminho privatizador assumido no Orçamento Rectificativo, é concebido na dependência do capital privado, da concretização de parcerias público-privadas que mais não são, que um escancarar de portas à transformação das áreas de serviço público em negócio privado e que se traduzirá no futuro numa enorme factura que os portugueses terão de pagar dolorosamente», denunciou o dirigente comunista.
Lei da nacionalidade
Foi apresentada como a novidade no discurso do Primeiro-Ministro sobre o Estado da Nação. Antecipando o anúncio da decisão que o seu governo tomaria no dia seguinte, Sócrates afirmou no debate, faz hoje uma semana, estar pronta uma alteração à lei da nacionalidade. Trata-se, em determinadas condições – ainda que não se tivesse ido tão longe quanto seria possível e desejável –, de conferir a cidadania portuguesa a filhos de imigrantes nascidos em território nacional.
Esta é uma alteração, há muito reclamada, que só peca por tardia. Por ela se tem batido, designadamente, o PCP, de resto autor de projectos de lei visando aquele objectivo quer na anterior quer nesta Legislatura. E porque esse contributo foi omitido pelo chefe do Governo, Jerónimo de Sousa, interpelando-o directamente, tratou de lhe avivar a memória, não para tirar brilho à medida, mas, dando o seu a seu dono, assim pôr as coisas no devido lugar.
Mordomias escandalosas
No decurso do próprio debate foi anunciada a entrega de um projecto de lei do PCP destinado a impedir que titulares de cargos públicos possam auferir um vencimento superior a 90 por cento do salário do Presidente da República. Trata-se de pôr termo ao que a bancada comunista considera ser a situação «não aceitável» originada pelo conjunto de regalias de que beneficiam titulares de cargos políticos nomeados pelos sucessivos governos do PS e PSD para entidades directa ou indirectamente dependentes do Estado.
Em causa estão vencimentos escandalosamente elevados e outras chorudas mordomias, muito acima dos que são praticados em países mais desenvolvidos, que ultrapassam em muito o nível salarial do próprio Chefe de Estado.
«Como é que explica que haja uma legião de administradores públicos que ganham mais que o Presidente da República?», inquiriu, a propósito, o deputado António Filipe, introduzindo assim a questão no debate. Concreto e incisivo, dirigindo-se a Sócrates, perguntou mesmo se tenciona acabar com os regimes especiais de aposentação, como os do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos.
A existência deste «corpo de elite» a usufruir de tais benesses, num momento em que se agravam as desigualdades e as condições de vida dos trabalhadores, é, aliás, para a bancada comunista, a prova de que os sacrifícios não são para todos, contrariamente ao que afirma o Governo.
Na resposta, José Sócrates, reconhecendo o carácter «absolutamente escandaloso» de alguns benefícios, mostrou-se disposto a mexer neles. Mas ficou-se por aí.
Os salários dos administradores públicos, esses, para o Governo, continuam a ser uma espécie de «vaca sagrada» e, nessa medida, intocáveis.