O ginásio do primeiro-ministro

Francisco Silva
A ser verdade o que para aí se ia dizendo pela semana de finais de Maio - a mesma semana em que foi anunciado um pacote fiscal, de reformas da função pública, de contenção salarial em termos pagamentos na doença, de promoções, e sei lá que mais -, o primeiro-ministro (PM) fez construir recentemente um ginásio paredes meias do seu local de trabalho… foi mais ou menos como uma «boa nova» que tal notícia me chegou. Com efeito, o exemplo vem de cima, como soe dizer-se, de cima supondo que o Governo é uma instituição que está acima dos cidadãos que, através do voto para a AR e para o PR, que também intervém no processo de nomeação do PM, e de forma soberana, decidem, indicando o tipo de governo e política que pretendem - tudo com base, como é bem sabido, na Assembleia da República que elegem.
Pois, a «boa nova» foi o PM, através do seu gesto de construção do ginásio, ter feito saber aos decisores / gestores políticos, institucionais e económicos não só que o exercício físico é indispensável para o estabelecimento e manutenção da saúde de todos, como é uma necessidade imperiosa para a elevação da produtividade do trabalho dos trabalhadores - passe o pleonasmo -, como está cientificamente mais que provado (apreciamos inclusive, neste particular, a coerência desta medida com o anunciado Plano Tecnológico), e ainda é fundamental que o local de prática do exercício físico esteja localizado de forma a permitir uma minimização dos tempos perdidos em deslocações, este também um factor a ter em conta do ponto de vista de melhoria da produtividade das empresas.
E quanto a esta a última vantagem, a questão da minimização da perda de tempo, ela resulta fundamental. Quanto a mim falo, que, entre 1 ½ h de exercício, mais equipar-me, deslocar-me (ida e volta) e tomar banho levo quase 4 horas. Isto, três vezes por semana no mínimo, são quase 12 horas acrescentadas ao meu tempo de trabalho semanal!

A bem da sociedade

O Eng. Sócrates, aliás, já nos tinha habituado a olhar para o Desporto e Actividades de Educação Física em geral de uma maneira que reflicta a sua importância. Não foi ele o PM o primeiro ministro do Desporto em Portugal? E quando as pessoas preocupadas com o Desporto no nosso País, desde há muito sabendo que quando se fala em Desporto significa-se Futebol - basta ir aos media e ouvir, ver e ler, que também é uma forma de ver, olhando -, já que para o resto se usa o termo Modalidades, e, que eu saiba, nunca houve um Ministério das Modalidades, nem sequer uma subsecretaria de Estado, dizia eu, quando as pessoas amantes do Desporto, quando o Eng. Sócrates tomou posse como primeiro Ministro do Desporto, lhe diziam para tomar atenção e não cair na esparrela de assimilar a pasta à área do futebol, este, clarividente, afirmou a pés juntos que tal não aconteceria, que Desporto era Desporto, ele bem sabia. Bem haja, Eng. Sócrates!
Pena foi que um correligionário seu sucessor no mesmo cargo, talvez por um maior hábito aos meios do Futebol, terá feito, segundo alguns, essa confusão, ao arrogar-se mesmo em paladino futebolístico, fustigando os outros desportistas de invejosos do futebol e, em particular, achando doutamente que, no caso do atletismo, com tão bom clima como tem Lisboa - ao contrário do que acontece no Norte do País -, não se justificava uma pista coberta, apoiando assim objectivamente os poderes que mantém a pista do Mundial de 2001 em armazém ainda neste ano de 2005. Felizmente que o Francis Obikwelu foi treinar para Madrid!
Mas isto são outras questões. O importante agora é tirar consequências para o bem da sociedade desta atitude do PM, em vez de nos pormos aí a invejá-lo ou a bater-lhe por ter abusivamente gasto dinheiro dos contribuintes que bem precisavam dele para alimentar os seus filhos.
Ficará justificado o seu gasto se o ginásio, para além de ser utilizado dentro dos limites da sua capacidade pelos outros trabalhadores do mesmo local de trabalho, der ocasião à instalação generalizada de ginásios nos locais de trabalho por esse país fora, devidamente equipados e possuindo técnicos da área de Exercício & Saúde em quantidade suficiente e devidamente habilitados, para serem utilizados quando necessário. E não penso que estarei a exagerar. Já existem alguns exemplos deste tipo de situações mesmo no nosso país.
Aqui há mais de duas décadas, perante a magnificência do metro de Moscovo, houve quem achasse um exagero aquela perdulária exibição. A resposta: nunca é demais o que se destina a ser usufruído por todos.


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