O «não» dos trabalhadores
Os eleitores franceses rejeitaram o novo tratado europeu com 54,87 por cento dos votos, contra 45,13 por cento que votaram «sim» no referendo de domingo, tornando-se na primeira nação a vetar o projecto, agora irremediavelmente condenado ao fracasso.
A maioria dos operários e camadas mais desfavorecidas votou «não»
O significado da folgada vitória do «não», por uma margem de praticamente dez por cento, é reforçado pela elevada afluência às urnas de cerca de 70 por cento, uma das maiores das últimas décadas, só comparável com o referendo a Maastricht, em 1992.
Segundo uma sondagem do instituto Ipsos, o descontentamento com a situação económica e social seguido da vontade de rejeitar um projecto ultraliberal foram as razões que levaram a esmagadora maioria dos franceses a dizer «não» ao novo tratado.
Embora alguns analistas procurem identificar a primeira categoria de razões com factores de ordem interna, concluindo que o resultado do referendo representa, antes de mais, uma penalização do governo de direita de Jacques Chirac e Jean-Pierre Raffarin, a verdade é que as medidas anti-sociais tomadas em França são em si consequência das orientações liberais da União Europeia, as quais, sublinhe-se, têm sido seguidas na generalidade dos países, incluindo Portugal.
Assim, não só é legítimo como se torna inevitável que os povos associem a situação interna às políticas decididas superiormente em instâncias europeias, cujo poder aumentaria desmesuradamente caso fosse ratificado o tratado constitucional.
De resto, esta ligação é constatada pelos próprios estudos de opinião. Numa entrevista à agência Associated Press, o director-adjunto do departamento de sondagens do CSA, Bruno Jeanbart, afirma que o voto dos franceses «exprimiu a sua insatisfação geral com a forma como são governados, quer no plano nacional quer no plano europeu.
Mas o referendo traduziu também uma profunda «crise da democracia representativa», evidenciando um «desfasamento extremo» entre «um parlamento que adoptou o tratado com 80 por cento e uma população que o rejeitou com 55 por cento dos votos».
Um voto de classe
Por outro lado, o responsável do CSA afirma que «os trabalhadores activos apoiaram largamente o “não”, quase a 60 por cento, enquanto os reformados optaram pelo “sim”, em 52 por cento»
A análise do instituto quanto à composição social dos apoiantes de cada um dos lados é igualmente reveladora. «As classes médias inferiores» votaram maioritariamente contra: «71 por cento dos operários, 66 por cento dos empregados, 57 por cento das profissões intermédias».
Em contrapartida, as «classes médias superiores apoiaram maioritariamente o “sim”: 67 por cento dos quadros votaram a favor do tratado e 60 por cento dos profissionais liberais.
Bruno Jeanbart observou ainda tendências distintas consoante o nível de instrução. Nas camadas apenas com ensino secundário o «não» prevaleceu, enquanto que os diplomados do ensino superior se inclinaram mais para o «sim».
O instituto constata ainda que quanto maior é a precariedade de emprego mais forte é a expressão do «não». Entre os trabalhadores com contratos por tempo indeterminado, 58 por cento votaram «não», percentagem que sobe para 69 por cento, entre os que têm contratos a prazo, atingindo mesmo aos 71 por cento entre os que cumprem tarefas a título provisório.
Em termos geográficos, o «não» atingiu as maiores percentagens exactamente nos departamentos com maior concentração das ditas «classes médias inferiores», o que confirma o estudo do CSA, que foi realizado no domingo, a partir de um universo de inquiridos de 5216 franceses inscritos nas listas eleitorais.
O «sim» dos ricos
Nas 22 regiões da metrópole francesa, o «não» ganhou em 18. Mas se observarmos os resultados por departamentos, verificamos uma diferença ainda maior.
(ver quadro e mapa) Nos 96 departamentos da França continental, incluindo os dois da Córsega, 83 votaram «não», contra apenas 13 que apoiaram o «sim». Em contrapartida, o «sim» venceu em oito das nove regiões ultramarinas, com apenas a ilha da Reunião a opor-se ao projecto constitucional.
Nas grandes cidades, os partidários da «constituição» tiveram maior expressão com destaque para Paris, onde ganharam por 66 por cento. Contudo, no conjunto da região metropolitana parisiense (Ile-de-France) composta por sete departamentos, o «não» vence em quatro deles, em quanto o «sim» prevalece nos restantes.
Também aqui, as diferenças sociais determinaram o sentido de voto. Os municípios ricos do centro de Paris apoiaram largamente o «sim», caso de Neuilly-sur-Seine, com 82,5 por cento, e de Boulogne-Billancourt, com 73,37 por cento. Para além de Paris, os departamentos abastados a oeste, Haut-de-Seine e Yvelines, seguiram a mesma tendência, com votações pelo «sim» próximas dos 60 por cento.
Lyon, Bordéus, Estrasburgo, Nantes, Rennes, Grenoble, Aix en Provence ou Toulouse foram cidades que deram vitória ao «sim». Todavia, outros grandes centros urbanos recusaram ratificar o documento, como foi o caso de Marselha, onde o «não» atingiu 61,17 por cento, ultrapassando os 80 por cento nos bairros operários mais defavorecidos.
Em Nice, Lille, Le Havre, Mulhouse, Reims, Rouen, Orleães, Le Mans, Clermont-Ferrand, Perpignan ou Montpellier o eleitorado também se opôs maioritariamente ao projecto europeu.
Segundo uma sondagem do instituto Ipsos, o descontentamento com a situação económica e social seguido da vontade de rejeitar um projecto ultraliberal foram as razões que levaram a esmagadora maioria dos franceses a dizer «não» ao novo tratado.
Embora alguns analistas procurem identificar a primeira categoria de razões com factores de ordem interna, concluindo que o resultado do referendo representa, antes de mais, uma penalização do governo de direita de Jacques Chirac e Jean-Pierre Raffarin, a verdade é que as medidas anti-sociais tomadas em França são em si consequência das orientações liberais da União Europeia, as quais, sublinhe-se, têm sido seguidas na generalidade dos países, incluindo Portugal.
Assim, não só é legítimo como se torna inevitável que os povos associem a situação interna às políticas decididas superiormente em instâncias europeias, cujo poder aumentaria desmesuradamente caso fosse ratificado o tratado constitucional.
De resto, esta ligação é constatada pelos próprios estudos de opinião. Numa entrevista à agência Associated Press, o director-adjunto do departamento de sondagens do CSA, Bruno Jeanbart, afirma que o voto dos franceses «exprimiu a sua insatisfação geral com a forma como são governados, quer no plano nacional quer no plano europeu.
Mas o referendo traduziu também uma profunda «crise da democracia representativa», evidenciando um «desfasamento extremo» entre «um parlamento que adoptou o tratado com 80 por cento e uma população que o rejeitou com 55 por cento dos votos».
Um voto de classe
Por outro lado, o responsável do CSA afirma que «os trabalhadores activos apoiaram largamente o “não”, quase a 60 por cento, enquanto os reformados optaram pelo “sim”, em 52 por cento»
A análise do instituto quanto à composição social dos apoiantes de cada um dos lados é igualmente reveladora. «As classes médias inferiores» votaram maioritariamente contra: «71 por cento dos operários, 66 por cento dos empregados, 57 por cento das profissões intermédias».
Em contrapartida, as «classes médias superiores apoiaram maioritariamente o “sim”: 67 por cento dos quadros votaram a favor do tratado e 60 por cento dos profissionais liberais.
Bruno Jeanbart observou ainda tendências distintas consoante o nível de instrução. Nas camadas apenas com ensino secundário o «não» prevaleceu, enquanto que os diplomados do ensino superior se inclinaram mais para o «sim».
O instituto constata ainda que quanto maior é a precariedade de emprego mais forte é a expressão do «não». Entre os trabalhadores com contratos por tempo indeterminado, 58 por cento votaram «não», percentagem que sobe para 69 por cento, entre os que têm contratos a prazo, atingindo mesmo aos 71 por cento entre os que cumprem tarefas a título provisório.
Em termos geográficos, o «não» atingiu as maiores percentagens exactamente nos departamentos com maior concentração das ditas «classes médias inferiores», o que confirma o estudo do CSA, que foi realizado no domingo, a partir de um universo de inquiridos de 5216 franceses inscritos nas listas eleitorais.
O «sim» dos ricos
Nas 22 regiões da metrópole francesa, o «não» ganhou em 18. Mas se observarmos os resultados por departamentos, verificamos uma diferença ainda maior.
Nas grandes cidades, os partidários da «constituição» tiveram maior expressão com destaque para Paris, onde ganharam por 66 por cento. Contudo, no conjunto da região metropolitana parisiense (Ile-de-France) composta por sete departamentos, o «não» vence em quatro deles, em quanto o «sim» prevalece nos restantes.
Também aqui, as diferenças sociais determinaram o sentido de voto. Os municípios ricos do centro de Paris apoiaram largamente o «sim», caso de Neuilly-sur-Seine, com 82,5 por cento, e de Boulogne-Billancourt, com 73,37 por cento. Para além de Paris, os departamentos abastados a oeste, Haut-de-Seine e Yvelines, seguiram a mesma tendência, com votações pelo «sim» próximas dos 60 por cento.
Lyon, Bordéus, Estrasburgo, Nantes, Rennes, Grenoble, Aix en Provence ou Toulouse foram cidades que deram vitória ao «sim». Todavia, outros grandes centros urbanos recusaram ratificar o documento, como foi o caso de Marselha, onde o «não» atingiu 61,17 por cento, ultrapassando os 80 por cento nos bairros operários mais defavorecidos.
Em Nice, Lille, Le Havre, Mulhouse, Reims, Rouen, Orleães, Le Mans, Clermont-Ferrand, Perpignan ou Montpellier o eleitorado também se opôs maioritariamente ao projecto europeu.