Ordem para matar

José Casanova
Notícias chegadas dos EUA dizem-nos que o governador da Florida, Jeb Bush, irmão do outro, fez aprovar uma lei que «concede autorização aos cidadãos do estado para disparar nas ruas se se sentirem ameaçados». Assim sendo, a partir de agora, qualquer pessoa com porte de arma – isto é, (quase) todos os habitantes da Florida, quiçá crianças incluídas – pode disparar a matar sobre qualquer pessoa de quem suspeite: transeunte, vizinho, colega de trabalho ou de escola, amigo, inimigo, familiar.
Esta lei vem substituir uma outra que, apesar de já permitir que os floridenses disparassem nas ruas, limitava essa permissão: o ameaçado só tinha ordem para matar depois de ter tentado escapar da ameaça. Agora, matar é mais fácil. Não é necessário ser ameaçado: basta suspeitar de que está a ser, ou vai ser, ameaçado. Por exemplo: vai um cidadão rua fora, leva a mão ao bolso para tirar o lenço e antes de se assoar está morto – porque outro cidadão se sentiu ameaçado ao vê-lo levar a mão ao bolso e... toma lá com a lei Bush que é para aprenderes.
A lei foi contestada por alguns antipatriotas, havendo até quem chegasse ao desplante antidemocrático de dizer que, com esta lei, «é o velho Oeste que está de volta» - contestação e frase que, está-se mesmo a ver, constituem autênticas ameaças... Naturalmente, a lei já foi superiormente validada pelos tribunais: para que cada cidadão que mata outro cidadão não sofra, pelo acto legal e democrático cometido, outras consequências que não sejam a de ser, ele próprio, alvo de idêntica manifestação legal e democrática – se não for o mais rápido a sacar.
Aguarda-se, agora, a democrática extensão da lei aos restantes estados, concedendo aos 280 milhões de norte-americanos direitos iguais – dentro do sacrossanto princípio da «igualdade de oportunidades» que caracteriza a democracia made in USA. E para que os cerca de 200 milhões de norte-americanos que possuem armas de fogo e todos os anos ferem 130 mil compatriotas e matam 30 mil, possam ferir e matar muitos mais.
O país «da liberdade, da democracia, dos direitos humanos» (e do combate ao terrorismo) dará, assim, um significativo passo em frente nessas matérias que são a sua imagem de marca: a liberdade de matar, a democratização do crime, o direito humano de roubar a vida a quem se queira ( e o combate ao terrorismo interno) são bandeiras maiores desse modelo de democracia que são os EUA.


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