Sociedade da Informação e razões de troca

Francisco Silva
Durante décadas, em particular durante o decorrer do século XX, a análise das razões de troca colocou-se em termos dos preços dos produtos manufacturados versus preços das matérias-primas. A conclusão era clara: o Terceiro Mundo das matérias-primas ficava sempre a perder nas trocas com o mundo dos países industrializados (ou países «desenvolvidos», ou países do imperialismo). Porque era essa a crua realidade – a realidade do domínio de quem controla as relações financeiras e comerciais internacionais. Isto é, quem detém o poder actua de forma a fazer vingar os seus particulares interesses. E não era de maneira nenhuma de outra maneira, como alguns dos mais bem intencionados e solidários com o Terceiro Mundo julgavam poder ser. Quando muito acontecia alguma «ajuda» e «desenvolvimentismo» para conter os problemas sociais do Terceiro Mundo (incluindo as aspirações das burguesias nacionais). Porque quando se quer mesmo alterar a situação, quando se quer que vinguem os interesses da «maioria» do conjunto em consideração – na medida do possível –, é necessário que os interesses de quem detém o poder coincidam com os interesses da tal maioria. Mas isto já é outra loiça.
Depois, à medida que foi crescendo, por um lado, o peso da manufactura de produtos para lá do Ocidente, mais propriamente e sobretudo no Extremo Oriente, e que, por outro lado, nas primeiras fases, o Ocidente, e em particular a Europa, ou antes a grande parte mais desenvolvida da Europa «comunitária» e seus «próximos» – isto, é Portugal e outras periferias aparte –, ia vendo os seus processos de fabrico (ainda?) não deslocalizados tornando-se rapidamente mais «produtivos», implicando quantidades decrescentes de «mão de obra» para produções «semelhantes», em boa medida devido à incorporação crescente das tecnologias da informação – designadas as mais das vezes por «novas tecnologias» – nos processo de fabrico, foi-se falando em «sociedade da informação», em «pós-modernidade», em «economias de serviços», etc.
E o certo foi tal visão ficar demasiado focada sobretudo na segunda das duas tendências, a da evolução dos processos de fabrico, cada vez mais automatizados – cada vez incorporando mais meios informáticos –, acompanhada por uma mutação profunda dos meios de comunicação. Aliás, uma tendência bastante importante. Contudo, por outro lado, a percepção das profundas alterações em curso nas proporções de «peso industrial» entre as diversas regiões do mundo quase não entravam nestas considerações teóricas. Quanto muito eram registadas como preocupações derivadas da deslocalização, já que a «localização» só era concebível no «Ocidente», no qual iam sendo sucessivamente incluídos o Japão – eram os tempos da cabeça tripartida do Mundo –, a Coreia, Hong Kong, Taiwan, etc!
Só com a rápida transformação – em muito grande – da China em potência industrial, cuja dimensão gigante faz os anteriores exemplos do Extremo Oriente parecerem anões, só quando mais recentemente os próprios recursos em matérias primas, incluindo as energéticas, começaram a não ser suficientes para o crescimento da economia chinesa, é que muitos e muitos – incluindo muitos dos mais «brilhantes cérebros» e «gurus» ocidentais – acordaram e viram onde grande parte da fábrica mundial se encontrava localizada. E viram também que a China, sem estardalhaço, lá andava ele própria a tratar das suas próprias «razões de troca», fosse o caso do petróleo do Sudão, Angola, da Rússia, etc. - para além do petróleo da Arábia Saudita -, o caso do ferro nos EUA ou o caso do níquel de Cuba.
E viram ainda mais, como, por exemplo, na área das «famosas» TIC – tecnologias da informação e comunicação –, o papel crescente dos chineses no fabrico de equipamentos de telecomunicações móveis e fixas, de computadores, de routers para a Internet, de componentes para o acesso rádio à Internet – WLAN (wireless local acess network) –, etc. Isto é, julgavam que aquilo que cada vez mais vão chamando a fábrica do mundo se ficaria pela exploração de mão-de-obra para as manufacturas tradicionais à maneira do que se faz em certas zonas da América Latina, do Norte de África ou Portugal, e verificaram que o que vem a caminho é muito mais.
E não só na China. Há o caso da Índia que, junto com a China, incluem de cerca de 40% da população mundial. E também, porque não o Brasil, um país onde as TIC assumem importância. Inclusive – para as sumidades que igualam Sociedade da Informação e Futebol –, dizer que aí o Brasil é rei…
E agora, José?


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