Mobilidade e pobreza
Embora ainda se não conheçam na íntegra os textos das intervenções realizadas durante o Encontro Mundial das Comunidades promovido, no Porto e nos últimos dias de Março, pela Obra Católica das Migrações, o acontecimento deve merecer-nos um grande interesse. O programa previsto previa a abordagem de matérias complexas e importantes que teriam de arrastar consigo a clarificação das posições da igreja sobre conceitos como os da mobilidade humana, direitos dos trabalhadores, xenofobia e globalização. Implícita ou explicitamente. Porque, ninguém contesta o domínio do conhecimento especializado que algumas organizações católicas possuem, quer quando, episodicamente, a igreja o desvenda, quer quando, mais frequentemente, o sonega às suas comunidades. Quantos desempregados, excluídos e pobres, terá efectivamente a sociedade portuguesa? Que fatia gigantesca de lucros não recolherão as grandes holdings a partir da exploração sistemática do trabalho produzido ao abrigo da chamada mobilidade humana? Em que medida não deverá lutar abertamente, o conjunto da igreja portuguesa, pelo respeito integral dos direitos dos trabalhadores que buscam no estrangeiro ou vêm procurar a Portugal, melhor qualidade de vida e um futuro socialmente mais justo? O que significa, na selva dos interesses ocultos, esclarecer por que razões silencia tão frequentemente a hierarquia os princípios da sua própria doutrina social e as propostas reformadoras da Economia Social de Mercado?
No anúncio da realização deste primeiro Encontro Mundial das Comunidades Portuguesas, foram apontados alguns números que nos devem merecer reflexão. Destaque-se, de entre estes, uma informação que, em nossa opinião, é pelo menos tão importante como seria a de sabermos quantos portugueses, ao certo, vivem abaixo da linha de pobreza. Trata-se de um dado avançado pela Obra Católica Portuguesa de Migrações (Público, 11.3.05), com base nas estatísticas oficiais dos países de acolhimento: continua a sangria da emigração para o estrangeiro. Saem anualmente de Portugal cerca de 30 mil cidadãos. Só na década de 1990 ( de 1990 ao ano 2000 ), o país perdeu 300 mil trabalhadores. Em contrapartida, é muito menor o número de estrangeiros que procuram o nosso país. Feitas as contas, vem a saber-se que por cada trabalhador estrangeiro importado, há 10 portugueses que exportamos e se perdem definitivamente para o país onde nasceram.
Esta lamentável situação não é, evidentemente, apenas imputável à Igreja. Resulta, em última análise, dos grandes negócios e dos interesses, sem escrúpulos, da globalização capitalista - a forma mais requintada a que o imperialismo recorre para esmagar os pobres e engordar os ricos. Sempre sob a bandeira da ética empresarial e da justiça no trabalho. Neste aspecto, a hierarquia católica não pode ocultar as cumplicidades que mantém com o capital financeiro e com as políticas que geram as mobilidades (ou deslocalizações?) de trabalhadores do estrangeiro ou para o estrangeiro, a falência das pequenas e médias empresas, as fusões de capitais duvidosos, o desemprego e a exploração da mão-de-obra barata ou clandestina. Não foi por acaso que, em fase de enchimento do neoliberalismo, o padre jesuíta António Vaz Pinto foi nomeado Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Éticas e Bagão Félix (ex-presidente do secretariado episcopal de Justiça e Paz) assumiu as rédeas do poderoso Ministério das Finanças e debitou leis odiosas, como o Código do Trabalho, base da produção de miséria e causa da emigração de tantos trabalhadores. A situação então criada foi catolicamente tão chocante, que os bispos hão-de recordar o que então aconteceu, quando D. Januário Torgal Ferreira, presidente da Comissão para as Migrações, denunciou a nova Lei da Imigração como «um fantasma do nazismo».
Esta linha de raciocínio conduz-nos aos cenários que presentemente presenciamos. A Conferência Episcopal tem consciência da impopularidade crescente de certas normas teológicas que a história da humanidade tem vindo a desclassificar, como é o caso da noção de caridade. As populações não privilegiadas reclamam justiça social e justa distribuição da riqueza mas recusam a esmola, por farta que ela possa vir a ser. Por isso, o episcopado transformou, com um toque da sua varinha de condão, o que era sócio-caritativo em mobilidade humana, expressão mais aceitável pela opinião das massas mas que nos deve alarmar por ser, também, parte integrante da gramática da globalização capitalista que muda as palavras mas deixa, na verdade, tudo na mesma. Fiquemos atentos às conclusões que nos chegarem deste Encontro Mundial das Comunidades.
No anúncio da realização deste primeiro Encontro Mundial das Comunidades Portuguesas, foram apontados alguns números que nos devem merecer reflexão. Destaque-se, de entre estes, uma informação que, em nossa opinião, é pelo menos tão importante como seria a de sabermos quantos portugueses, ao certo, vivem abaixo da linha de pobreza. Trata-se de um dado avançado pela Obra Católica Portuguesa de Migrações (Público, 11.3.05), com base nas estatísticas oficiais dos países de acolhimento: continua a sangria da emigração para o estrangeiro. Saem anualmente de Portugal cerca de 30 mil cidadãos. Só na década de 1990 ( de 1990 ao ano 2000 ), o país perdeu 300 mil trabalhadores. Em contrapartida, é muito menor o número de estrangeiros que procuram o nosso país. Feitas as contas, vem a saber-se que por cada trabalhador estrangeiro importado, há 10 portugueses que exportamos e se perdem definitivamente para o país onde nasceram.
Esta lamentável situação não é, evidentemente, apenas imputável à Igreja. Resulta, em última análise, dos grandes negócios e dos interesses, sem escrúpulos, da globalização capitalista - a forma mais requintada a que o imperialismo recorre para esmagar os pobres e engordar os ricos. Sempre sob a bandeira da ética empresarial e da justiça no trabalho. Neste aspecto, a hierarquia católica não pode ocultar as cumplicidades que mantém com o capital financeiro e com as políticas que geram as mobilidades (ou deslocalizações?) de trabalhadores do estrangeiro ou para o estrangeiro, a falência das pequenas e médias empresas, as fusões de capitais duvidosos, o desemprego e a exploração da mão-de-obra barata ou clandestina. Não foi por acaso que, em fase de enchimento do neoliberalismo, o padre jesuíta António Vaz Pinto foi nomeado Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Éticas e Bagão Félix (ex-presidente do secretariado episcopal de Justiça e Paz) assumiu as rédeas do poderoso Ministério das Finanças e debitou leis odiosas, como o Código do Trabalho, base da produção de miséria e causa da emigração de tantos trabalhadores. A situação então criada foi catolicamente tão chocante, que os bispos hão-de recordar o que então aconteceu, quando D. Januário Torgal Ferreira, presidente da Comissão para as Migrações, denunciou a nova Lei da Imigração como «um fantasma do nazismo».
Esta linha de raciocínio conduz-nos aos cenários que presentemente presenciamos. A Conferência Episcopal tem consciência da impopularidade crescente de certas normas teológicas que a história da humanidade tem vindo a desclassificar, como é o caso da noção de caridade. As populações não privilegiadas reclamam justiça social e justa distribuição da riqueza mas recusam a esmola, por farta que ela possa vir a ser. Por isso, o episcopado transformou, com um toque da sua varinha de condão, o que era sócio-caritativo em mobilidade humana, expressão mais aceitável pela opinião das massas mas que nos deve alarmar por ser, também, parte integrante da gramática da globalização capitalista que muda as palavras mas deixa, na verdade, tudo na mesma. Fiquemos atentos às conclusões que nos chegarem deste Encontro Mundial das Comunidades.