Centralizar, descentrar e evangelizar

Jorge Messias
Em Abril, vai realizar-se um importante plenário do episcopado português. Termina o actual mandato do presidente da Conferência Episcopal e prepara-se uma profunda reforma pastoral. O tipo de intervenção dos bispos portugueses será necessariamente diferente do habitual. A CEP já introduziu as primeiras mudanças: encurtou o número de comissões da Pastoral que, de 13 que eram, passaram a 9. Alterou a nomenclatura oficial: dos nomes anteriores das comissões da CEP, apenas se mantêm as designações antigas na Liturgia, Educação Cristã e Missões. Todas as outras comissões são crismadas, em função de uma manobra claramente centralizadora. Os bispos «executivos», em menor número, disporão de campos de acção muito amplos, num vasto leque social: 1. Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais; 2. Apostolado dos Leigos e da Família; 3. Mobilidade Humana (ex-Migrações e Turismo); 4. Clero, Seminários, Vocações e Ministérios, sob a orientação de um só bispo que também terá a responsabilidade das relações com os Institutos da Vida Consagrada e Sociedades da Vida Apostólica; 5. Pastoral Social (ex-Acção Social e Caritativa); 6. Doutrina da Fé e Ecumenismo. Esta última alteração é verdadeiramente surpreendente, mesmo de uma perspectiva conservadora. Como se poderá conciliar o dogmatismo da Doutrina da Fé com o necessário antidogmatismo inerente às tentativas de aproximação ecuménica?

Os mais tradicionalistas dos comentadores católicos também chamam a atenção para o que, paralelamente ao caso português, está a acontecer em Espanha. Tal como em Portugal, um governo conservador espanhol deu lugar a um poder socialista moderado. Os grandes problemas que se levantam são idênticos em ambas as nações (privilégios das concordatas, aborto, eutanásia, homossexualidade, etc.). As relações existentes entre as oligarquias são muito semelhantes. A principal diferença é que o poder financeiro em Portugal é totalmente subsidiário do poder financeiro espanhol, esteja este, ou não, na dependência da igreja. Por outro lado, as hierarquias ibéricas têm em comum a necessidade de salvaguardarem uma imagem de marca e de preencherem permanentemente os desníveis entre a sociedade laica e o fundamentalismo teológico, corrigindo os poderes excessivos dos grupos confessionais e activando uma doutrina social que não colida com os interesses das políticas da globalização. Os bispos terão de ser firmes mas flexíveis. A igreja não tem, de momento, espaço para radicalismos fundamentalistas.

Centralizar, descentrando e expandir-se, evangelizando. É curioso notar-se que este projecto ambicioso não é de agora (já estava em curso, pelo menos, em 1987) sem que tenha conseguido avançar em operacionalidade. Atravessou a euforia de direita dos anos 90, a globalização e o desmantelamento do socialismo no leste europeu, as intervenções militares arbitrárias e os fundamentalismos protagonizados por João Paulo II e pelo Opus Dei. Mesmo assim, o magno projecto da Nova Reconquista não conseguiu instalar-se satisfatoriamente.
Actualmente, a igreja católica portuguesa vive um curioso momento contraditório. Guindada aos cumes da riqueza e do poder, sente-se fraca e minada pela dúvida. Em vão, os seus ministros tentam chamá-la à luta política e à intervenção social. O mundo católico reage mal.
Há poucos dias (DN, 14.3.05 ) escrevia o prof. João César das Neves, figura de proa da igreja integrista e da Católica: «A Igreja é hoje desprezada, insultada, perseguida. Isso é normal e comum. Foi sempre assim ao longo dos séculos, de uma forma ou de outra .(Presentemente) existe, porém, um elemento estranho e inesperado: desta vez o ataque é contra a posição cristã sobre a família, vida e sexo... (Mas) os dramas sociais e a decadência populacional europeia hão-de acabar por impor a sensatez da milenar Igreja de Cristo. Até lá espera-nos, como sempre, a perseguição!»
Engana-se redondamente, o professor. A miséria dos povos nunca conduziu à glória. E o que as suas palavras podem causar é o assombro de quem as ler, ao constatar a súbita guinada mediática da igreja católica que passa, sem fase de transição, do triunfalismo polaco de João Paulo II ao mais espesso discurso miserabilista e persecutório. Ora, a verdade é que ninguém persegue a Igreja. E esta não pode mudar de imagem, ao sabor dos ventos, como quem muda de camisa.


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