As receitas perversas do capital
Muitos foram os que acreditaram nos objectivos sociais da chamada «Estratégia de Lisboa» que prometia criar mais empregos para os povos da Europa e basear a sua economia no conhecimento, transformando-a, num prazo de 10 anos, na mais dinâmica e competitiva do mundo. Cinco anos passaram: as economias entraram em recessão, o desemprego bateu recordes históricos, a pobreza agravou-se, os sistemas de protecção social estão sob fogo cerrado, por todo o lado, os trabalhadores são pressionados a abdicar de direitos e a trabalhar mais horas por menos salário. Será que alguém se enganou? Terá havido um erro?...
O aprofundamento das orientações neoliberais provocou desemprego e crise económica
«O erro é congénito», afirmou Agostinho Lopes na abertura do debate promovido em Lisboa, quinta-feira, dia 17, pelo PCP e pelo Grupo Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL). Enganaram-se os que porventura pensaram que «as receitas neoliberais, da liberalização e privatização de mercados e serviços públicos e da segurança social, da precarização da força de trabalho, da moderação salarial, são compatíveis com o progresso económico, ambiental e social».
Porém, sublinhou Agostinho Lopes, membro da Comissão Política e deputado à Assembleia da República, esta foi «a opção de classe do capital», colocada no núcleo da Estratégia de Lisboa, na qual «as dimensões social e ambiental são apenas a propaganda e cortina de fumo» que escondem o objectivo único da «maximização da taxa e volume dos lucros, da rentabilidade financeira do capital».
Isso mesmo já afirmava o PCP há cinco anos (ver intervenção de Jerónimo de Sousa), quando o então primeiro-ministro António Guterres, anunciava aos portugueses e ao mundo o alcance social das reformas que acabavam de ser aprovadas pelos Quinze no Centro Cultural de Belém.
Na altura, o ambiente era mais propício às promessas dos partidos sociais-democratas que tinham a batuta do poder na maioria dos países europeus. Talvez por isso, como recordou Florival Lança, membro da Comissão Executiva da CGTP-IN, dois dias antes do Conselho Europeu de 22 e 23 de Março de 2000, a «posição crítica» da central sindical portuguesa ficou isolada na reunião do Comité Executivo da Confederação Europeia de Sindicatos (CES), igualmente realizada em Lisboa. A poderosa manifestação que juntou cerca de 70 mil trabalhadores (uma das maiores até hoje realizadas em Portugal), não teve o apoio da CES e o seu secretário-geral participou nela a título pessoal.
No entanto, nestes últimos cinco anos, o descalabro dos indicadores económicos e sociais, as fortíssimas mobilizações de trabalhadores e populações, em defesa dos direitos e dos serviços públicos, não só confirmam as análises mais críticas como aconselhariam o abandono das orientações de Lisboa.
Mas não foi isso que os chefes de Estado e de Governo discutiram no Conselho Europeu que terminou ontem, quarta-feira. Como sublinhou Francis Wurtz, deputado do PCF e presidente do GUE/NGL, a tónica das propostas de relançamento da Estratégia de Lisboa está colocada no aprofundamento das liberalizações e privatizações, na destruição dos sistemas de protecção social e na desregulamentação do mercado de trabalho.
Estas são as propostas apoiadas pelos partidos que constituem a maioria do Parlamento Europeu (Populares, Liberais e Socialistas), a qual, ao mesmo tempo que aprovou um relatório (Wim Kok) que apela ao prosseguimento das políticas de Lisboa, rejeitou um relatório da deputada do PCP, Ilda Figueiredo, que estabelecia uma relação estreita entre a agenda de Lisboa e o agravamento da pobreza e defendia uma alteração profunda do Pacto de Estabilidade com vista à promoção do crescimento e criação efectiva de postos de trabalho.
Mais uma vez não se tratou de desconhecimento dos factos ou de uma «fuga à realidade», mas de uma opção deliberada e consciente. É sabido que, em 2004, a Alemanha foi, pelo segundo ano consecutivo, o maior exportador mundial. Apesar disso, como frisou, Helmuth Markov, deputado do PDS ao PE, o desemprego atingiu níveis nunca vistos no pós-guerra e o crescimento económico mantém-se próximo da recessão técnica. Markov explicou: «as pessoas não têm dinheiro e o mercado interno está em crise», o que não tem impedido uma autêntica explosão dos lucros das grandes empresas germânicas: «350 por cento nos últimos anos».
«A estratégia de Lisboa foi decorada com falsas promessas relativas ao aumento da taxa de emprego com o propósito de criar a impressão reaccionária de que os interesses do capital e dos trabalhadores são comuns (...) mas é evidente que o seu único propósito é colocar o movimento popular e operário ao serviço dos objectivos dos monopólios para a “competitividade”, o aumento dos lucros e a perpetuação do poder do capital e dos seus representantes políticos». Este objectivo, acrescentou Georgios Toussas, deputado do Partido Comunista da Grécia (KKE), «foi aceite pelos partidos burgueses e outras forças oportunistas, mas também por uma parte importante da direcção reformista-oportunista do movimento operário, que é um travão ao desenvolvimento da luta de classes».
A lógica mercantilista
Para além do emprego e dos direitos dos trabalhadores, Francisco Lopes, membro da Comissão Política e deputado à AR, abordou na sua intervenção o ataque aos serviços públicos, cujas consequências particulares nos diferentes sectores seriam ali denunciadas, entre outros, por representantes de vários sindicatos, do movimento de utentes e da associação Água Pública.
A privatização de áreas fundamentais de serviços públicos pôs em causa «a qualidade, a universalidade e a acessibilidade pela população, agravando as desigualdades sociais e as assimetrias regionais», sublinhou Francisco Lopes, recordando o encerramento de centenas de lojas e postos de atendimento da EDP, da Telecom e dos Correios, a destruição de dezenas de milhares de postos de trabalho e o aumento dos preços.
«Apenas quatro empresas privatizadas (PT, EDP, Brisa e Galp) tiveram de lucro em 2004 cerca de 1460 mil milhões de euros (292 milhões de contos), tendo distribuído centenas de milhões de euros pelos seus accionistas. As empresas prestadoras de serviços públicos são assim cada vez mais um enorme aspirador que suga os recursos dos orçamentos familiares e os transfere para os cofres dos grupos económicos e financeiros. Isto num país em que mais de dois milhões de pessoas (20 por cento da população) vivem em situação de pobreza e em que o salários mínimo nacional é de apenas 374 euros.»
Foi esta mesma lógica, puramente mercantil, que determinou o fracasso da «sociedade da inovação e do conhecimento». Portugal, como referiu Bruno Dias, ocupa o primeiro lugar quanto à taxa de abandono escolar (40 por cento, ou seja, o dobro da média europeia) e possui o mais baixo índice de trabalhadores licenciados (apenas oito por cento).
Malgrado as intenções declaradas há cinco anos, não se registou qualquer evolução nestas área. A razão, como explicou, Sérgio Ribeiro, decorre da própria concepção da «economia mais competitiva baseada no conhecimento e no saber». «O objectivo é mercantil, é para, antes de tudo, aumentar a competitividade, e se para tal for preciso aumentar conhecimentos e saberes... aumentam-se!».
Por outras palavras, acrescentou, «os seres humanos são tomados como recursos, como instrumentos do mercado e não como depositários de conhecimentos e saberes a que têm direito». Aludindo à superior qualificação profissional dos imigrantes dos antigos países socialistas do Leste europeu, Sérgio Ribeiro notou que esta «qualificação é um “produto derivado” da educação e da cultura que foram direitos num período historicamente curto» e não «um produto autónomo e instrumental que, contraditoriamente, fará falhar as estratégias».
«O conhecimento e o saber têm de ser entendidos como direitos dos seres humanos e não como valorização de recursos, como, onde e quando convier a quem os utilize, e que deles se possa descartar.»
Porém, sublinhou Agostinho Lopes, membro da Comissão Política e deputado à Assembleia da República, esta foi «a opção de classe do capital», colocada no núcleo da Estratégia de Lisboa, na qual «as dimensões social e ambiental são apenas a propaganda e cortina de fumo» que escondem o objectivo único da «maximização da taxa e volume dos lucros, da rentabilidade financeira do capital».
Isso mesmo já afirmava o PCP há cinco anos (ver intervenção de Jerónimo de Sousa), quando o então primeiro-ministro António Guterres, anunciava aos portugueses e ao mundo o alcance social das reformas que acabavam de ser aprovadas pelos Quinze no Centro Cultural de Belém.
Na altura, o ambiente era mais propício às promessas dos partidos sociais-democratas que tinham a batuta do poder na maioria dos países europeus. Talvez por isso, como recordou Florival Lança, membro da Comissão Executiva da CGTP-IN, dois dias antes do Conselho Europeu de 22 e 23 de Março de 2000, a «posição crítica» da central sindical portuguesa ficou isolada na reunião do Comité Executivo da Confederação Europeia de Sindicatos (CES), igualmente realizada em Lisboa. A poderosa manifestação que juntou cerca de 70 mil trabalhadores (uma das maiores até hoje realizadas em Portugal), não teve o apoio da CES e o seu secretário-geral participou nela a título pessoal.
No entanto, nestes últimos cinco anos, o descalabro dos indicadores económicos e sociais, as fortíssimas mobilizações de trabalhadores e populações, em defesa dos direitos e dos serviços públicos, não só confirmam as análises mais críticas como aconselhariam o abandono das orientações de Lisboa.
Mas não foi isso que os chefes de Estado e de Governo discutiram no Conselho Europeu que terminou ontem, quarta-feira. Como sublinhou Francis Wurtz, deputado do PCF e presidente do GUE/NGL, a tónica das propostas de relançamento da Estratégia de Lisboa está colocada no aprofundamento das liberalizações e privatizações, na destruição dos sistemas de protecção social e na desregulamentação do mercado de trabalho.
Estas são as propostas apoiadas pelos partidos que constituem a maioria do Parlamento Europeu (Populares, Liberais e Socialistas), a qual, ao mesmo tempo que aprovou um relatório (Wim Kok) que apela ao prosseguimento das políticas de Lisboa, rejeitou um relatório da deputada do PCP, Ilda Figueiredo, que estabelecia uma relação estreita entre a agenda de Lisboa e o agravamento da pobreza e defendia uma alteração profunda do Pacto de Estabilidade com vista à promoção do crescimento e criação efectiva de postos de trabalho.
Mais uma vez não se tratou de desconhecimento dos factos ou de uma «fuga à realidade», mas de uma opção deliberada e consciente. É sabido que, em 2004, a Alemanha foi, pelo segundo ano consecutivo, o maior exportador mundial. Apesar disso, como frisou, Helmuth Markov, deputado do PDS ao PE, o desemprego atingiu níveis nunca vistos no pós-guerra e o crescimento económico mantém-se próximo da recessão técnica. Markov explicou: «as pessoas não têm dinheiro e o mercado interno está em crise», o que não tem impedido uma autêntica explosão dos lucros das grandes empresas germânicas: «350 por cento nos últimos anos».
«A estratégia de Lisboa foi decorada com falsas promessas relativas ao aumento da taxa de emprego com o propósito de criar a impressão reaccionária de que os interesses do capital e dos trabalhadores são comuns (...) mas é evidente que o seu único propósito é colocar o movimento popular e operário ao serviço dos objectivos dos monopólios para a “competitividade”, o aumento dos lucros e a perpetuação do poder do capital e dos seus representantes políticos». Este objectivo, acrescentou Georgios Toussas, deputado do Partido Comunista da Grécia (KKE), «foi aceite pelos partidos burgueses e outras forças oportunistas, mas também por uma parte importante da direcção reformista-oportunista do movimento operário, que é um travão ao desenvolvimento da luta de classes».
A lógica mercantilista
Para além do emprego e dos direitos dos trabalhadores, Francisco Lopes, membro da Comissão Política e deputado à AR, abordou na sua intervenção o ataque aos serviços públicos, cujas consequências particulares nos diferentes sectores seriam ali denunciadas, entre outros, por representantes de vários sindicatos, do movimento de utentes e da associação Água Pública.
A privatização de áreas fundamentais de serviços públicos pôs em causa «a qualidade, a universalidade e a acessibilidade pela população, agravando as desigualdades sociais e as assimetrias regionais», sublinhou Francisco Lopes, recordando o encerramento de centenas de lojas e postos de atendimento da EDP, da Telecom e dos Correios, a destruição de dezenas de milhares de postos de trabalho e o aumento dos preços.
«Apenas quatro empresas privatizadas (PT, EDP, Brisa e Galp) tiveram de lucro em 2004 cerca de 1460 mil milhões de euros (292 milhões de contos), tendo distribuído centenas de milhões de euros pelos seus accionistas. As empresas prestadoras de serviços públicos são assim cada vez mais um enorme aspirador que suga os recursos dos orçamentos familiares e os transfere para os cofres dos grupos económicos e financeiros. Isto num país em que mais de dois milhões de pessoas (20 por cento da população) vivem em situação de pobreza e em que o salários mínimo nacional é de apenas 374 euros.»
Foi esta mesma lógica, puramente mercantil, que determinou o fracasso da «sociedade da inovação e do conhecimento». Portugal, como referiu Bruno Dias, ocupa o primeiro lugar quanto à taxa de abandono escolar (40 por cento, ou seja, o dobro da média europeia) e possui o mais baixo índice de trabalhadores licenciados (apenas oito por cento).
Malgrado as intenções declaradas há cinco anos, não se registou qualquer evolução nestas área. A razão, como explicou, Sérgio Ribeiro, decorre da própria concepção da «economia mais competitiva baseada no conhecimento e no saber». «O objectivo é mercantil, é para, antes de tudo, aumentar a competitividade, e se para tal for preciso aumentar conhecimentos e saberes... aumentam-se!».
Por outras palavras, acrescentou, «os seres humanos são tomados como recursos, como instrumentos do mercado e não como depositários de conhecimentos e saberes a que têm direito». Aludindo à superior qualificação profissional dos imigrantes dos antigos países socialistas do Leste europeu, Sérgio Ribeiro notou que esta «qualificação é um “produto derivado” da educação e da cultura que foram direitos num período historicamente curto» e não «um produto autónomo e instrumental que, contraditoriamente, fará falhar as estratégias».
«O conhecimento e o saber têm de ser entendidos como direitos dos seres humanos e não como valorização de recursos, como, onde e quando convier a quem os utilize, e que deles se possa descartar.»