A TV e o engenheiro
Em princípio, a vitória do PS, acompanhada pela subida eleitoral dos partidos à sua esquerda, deverá implicar alterações significativas nos diversos sectores da vida portuguesa, com óbvia inclusão do audiovisual e destaque para a área da televisão pública. É certo que a obtenção de uma maioria parlamentar absoluta adicionada ao próprio perfil político de alguns dos actuais dirigentes de topo do Partido Socialista pode lançar uma sombra de inquietante dúvida sobre as expectativas de uma acção condicente com as melhores tradições de esquerda do próprio PS, mas será talvez a altura de esquecer alguns sinais, entre os quais porventura a origem JSD do próprio engenheiro José Sócrates, e confiar ao menos um pouco. De resto, quanto à TV, e não apenas à de capitais públicos, os males são tão óbvios e as chagas tão purulentas que não será decerto necessário aplicar sequer vestígios de algum radicalismo de esquerda para fazer diagnósticos e aplicar os unguentos mais urgentes: afinal, trata-se apenas de tomar medidas que conduzam à introdução de alguns factores, chamemos-lhes civilizacionais, na dieta televisiva que todos os dias é servida, mais adequado seria dizer que impingida, ao domicílio, de Norte a Sul do país. Afinal, estamos na Europa, e não só no contexto estritamente geográfico, e parece que geralmente muito felizes por o estarmos. Ora, a Europa tem uma tradição de respeito pela inteligência e de orgulho por uma herança cultural de raízes antigas, em contraste com o que talvez possa ser designado por matriz cultural norte-americana, expressão esta que porventura alguns dirão reclamar um par de aspas a enquadrarem a palavra «cultural». O caso é que em significativa e dominante parte da gente norte-americana parece haver um intenso desprezo por tudo quanto na área da cultura não tenha a ver com conhecimento científico ou bagagem técnica. Porém, há um bom motivo para que não deixe este entendimento devorar um outro mais amplo, mais completo, mais profundo, mais europeu: é que o engenheiro José Sócrates é beirão, não é texano, nem há propriamente notícia de texanos, mesmo apenas de espírito, entre os seus mais próximos companheiros de direcção do partido. Aliás, numa entrevista concedida há poucos meses, Sócrates fez uso, de uma só vez, de citações literárias e afins em número muito superior às que George W. Bush fará ao longo de toda a sua vida. Como qualquer outro sujeito que não encontra cabides sólidos onde dependurar as suas expectativas, sirvo-me deste pormenor para esperar que o engenheiro, ou alguém por ele, encare a questão da TV em Portugal, com olhos inteligentes e europeus.
Os decisivos custos
Há já muitas décadas que um sociólogo norte-americano caracterizou a televisão dos Estados Unidos como uma «máquina de cretinizar», tendo isto acontecido ainda no tempo em que na Europa se acreditava que a TV podia e devia servir para melhores fins, o que apontava para uma espécie de modelo europeu de televisão. De então para cá, também no que se refere à TV a Europa veio adaptando práticas americanizadas e, de um modo geral, no que a «americanização» tem de pior e mais nocivo, pois só por burrice pode crer-se que tudo quanto vem dos Estados Unidos é péssimo. Ora, em matéria de cretinização não precisávamos por cá do estímulo da TV, pois décadas de fascismo e séculos de obscurantismos censórios fizeram o seu trabalho com grande eficácia. Assim, acontece que quando alguém, o engenheiro Sócrates ou outro, fala da escassa qualificação profissional, técnica, da gente portuguesa, por força tem de fazer uma espécie de escala mental pela quase sempre muito débil qualificação cultural. Não sustento que é impossível ser um bom técnico informático, sobretudo se de «via estreita», sendo-se culturalmente analfabeto e, digamos, uma besta na área do entendimento global da vida. O que sustento, sim, e é claro que o sustenta também muita outra gente, é que uma cultura alargada, mesmo se apenas média, facilita a competência em todas as matérias e, muitas vezes, potencia-a. Digamos, a título de exemplo, que será muito útil começar a aprender inglês, esse latim da modernidade, no ensino básico, mas que é também muito importante ler, em português, coisas inteligentes, e talvez ainda mais importante não ser cretinizado por uma TV imbecil ou simplesmente mediocrizante desde uma idade muito anterior à que permite o acesso ao tal ensino básico. Por tudo isto, que naturalmente não é tudo, termina-se lembrando ao senhor engenheiro que a televisão está aí, está mal e recomenda-se uma urgente acção de salvamento não apenas do que dela ainda for aproveitável mas também do que puder ser salvo nos telespectadores portugueses. Lembrando que os decisivos custos de uma TV não se contabiliza em euros, mas sim em graus de civilização.
Os decisivos custos
Há já muitas décadas que um sociólogo norte-americano caracterizou a televisão dos Estados Unidos como uma «máquina de cretinizar», tendo isto acontecido ainda no tempo em que na Europa se acreditava que a TV podia e devia servir para melhores fins, o que apontava para uma espécie de modelo europeu de televisão. De então para cá, também no que se refere à TV a Europa veio adaptando práticas americanizadas e, de um modo geral, no que a «americanização» tem de pior e mais nocivo, pois só por burrice pode crer-se que tudo quanto vem dos Estados Unidos é péssimo. Ora, em matéria de cretinização não precisávamos por cá do estímulo da TV, pois décadas de fascismo e séculos de obscurantismos censórios fizeram o seu trabalho com grande eficácia. Assim, acontece que quando alguém, o engenheiro Sócrates ou outro, fala da escassa qualificação profissional, técnica, da gente portuguesa, por força tem de fazer uma espécie de escala mental pela quase sempre muito débil qualificação cultural. Não sustento que é impossível ser um bom técnico informático, sobretudo se de «via estreita», sendo-se culturalmente analfabeto e, digamos, uma besta na área do entendimento global da vida. O que sustento, sim, e é claro que o sustenta também muita outra gente, é que uma cultura alargada, mesmo se apenas média, facilita a competência em todas as matérias e, muitas vezes, potencia-a. Digamos, a título de exemplo, que será muito útil começar a aprender inglês, esse latim da modernidade, no ensino básico, mas que é também muito importante ler, em português, coisas inteligentes, e talvez ainda mais importante não ser cretinizado por uma TV imbecil ou simplesmente mediocrizante desde uma idade muito anterior à que permite o acesso ao tal ensino básico. Por tudo isto, que naturalmente não é tudo, termina-se lembrando ao senhor engenheiro que a televisão está aí, está mal e recomenda-se uma urgente acção de salvamento não apenas do que dela ainda for aproveitável mas também do que puder ser salvo nos telespectadores portugueses. Lembrando que os decisivos custos de uma TV não se contabiliza em euros, mas sim em graus de civilização.