O camarada Anatoli surgiu em Auschwitz com a bandeira do futuro

O invencível humanismo dos comunistas

Manoel de Lencastre
O mundo comemorou a 27 de Janeiro a passagem do 60º aniversário da libertação dos sobreviventes do complexo da morte de Auschwitz-Birkenau por unidades do Exército Vermelho. Naquele trágico lugar milhões de inocentes deixaram as suas vidas depois de haverem sido arrancados aos seus lares, às suas terras, aos seus países. Estima-se que no ponto mais alto da política de exterminações levada a cabo pelos nazis em Auschwitz cerca de 9000 pessoas tivessem sido assassinadas, diariamente. No total, um milhão e meio de pessoas (judeus, comunistas, prisioneiros de guerra soviéticos, gente de outras etnias consideradas não arianas, pobres, desalojados) foram vítimas da chamada ‘solução final’ inventada pelos hitlerianos.
No dia 27 de Janeiro de 1945, um homem surgiu sobre a neve nas lonjuras de Auschwitz, a sul de Katowice. Montava um cavalo branco. Estranha figura, só, enquadrava-se no desolador conjunto onde os derradeiros sobreviventes do campo da morte esperavam. Os SS tinham desaparecido. Restavam, apenas, alguns membros dos tristemente célebres ‘sonderkommando’, judeus ucranianos, anti-comunistas, anti-soviéticos, servidores do mal. Mas a figura isolada que acabava de surgir no horizonte, a do sargento Anatoli Chapiro, não vinha, de facto, só. Cem metros atrás, apareceram dois regimentos do Exército Vermelho, unidades incorporadas nas Frentes comandadas pelo marechal Koniev e pelo general Petrov, empenhadas no ataque a Breslau, Katowice, Ozestochava, Sandomierz. Já tinham conquistado Lodz, Varsóvia e Cracov. O campo de extermínios de Auschwitz e, mais abaixo, o de Birkenau, surgiram na frente dos libertadores da Polónia. À entrada do primeiro, a inscrição ‘Arbeit Macht Frei’, sobre o portão principal ao fim da linha ferroviária dominava a conjuntura.
Auschwitz é o nome germânico da cidade polaca de Oswiecim. Foi usada pelos nazis a partir de Maio de 1940 como centro de um complexo de campos de concentração. Os outros eram, além de Birkenau, Treblinka, Belzec, Sabibor, Chelmno, Majdanek. A organização dos campos e o seu funcionamento e manutenção estavam entregues a 35 ‘kommandos’ sob a superior direcção das SS. Birkenau tinha como função quase única o extermínio dos prisioneiros. Em Auschwitz também funcionavam indústrias que, sem gastos de mão de obra, produziam para a máquina de guerra do Reich. A IG Farben, por exemplo, produzia produtos químicos e a Krupp construía o material de guerra que alimentava a ‘Wehrmacht’. Foi a mais gigantesca operação criminal de toda a História.

Es­pe­rança da hu­ma­ni­dade

Se fosse necessário voltar a referir a completa superioridade moral e material dos comunistas relativamente ao imperialismo o aparecimento do sargento Anatoli nas terras geladas do campo de Auschwitz, explicaria tudo. O que tinham os nazis, filhos supremos dos imperialistas, para oferecer ao mundo? As cinzas de milhões de inocentes assassinados, os crematórios, as câmaras de morte em Birkenau, a sua ‘obra’ de desumanização e extermínio, a sua revoltante orquestra sinfónica, os seus bordéis, os seus verdugos ucranianos. Pelo contrário, o Exército Vermelho, personificado pelo sargento Anatoli, que ainda está vivo e tem 80 anos, era a esperança da Humanidade.
Surgia, ali, vindo de uma longa e estrénua caminhada, a dos povos soviéticos que, inspirados pelos comunistas, tinham feito apelo aos inumeráveis recursos da História e do marxismo-leninismo, da vontade dos homens e das mulheres que não queriam ser esmagados ou despachados para campos de extermínio e se afirmaram na reconstrução de tudo o que os alemães tinham arrasado. Assim fazendo, os comunistas, aí estavam a libertar a Polónia, senhores da mais poderosa máquina de guerra jamais colocada ao serviço dos principais valores do Homem, como o próprio Guderian reconheceu ao afirmar: «Nunca se vira ao longo da História uma tal capacidade para construir e lançar nas frentes de batalha tantos aviões, tantos carros de combate, tantas peças de artilharia» - e tantos homens e mulheres, dizemos nós, que tinham, afinal, de ser alimentados, vestidos e calçados, mas prontos para o sacrifício supremo em nome de dois poderosos ideais, o da Pátria soviética e o do socialismo. E Heinz Guderian (1888-1954) que, como todos sabemos, não devia nada a ninguém em matérias do conhecimento da ciência da guerra - vencera em França, ultrapassara Orel e Tula e o seu grupo de exércitos ‘panzer’ só fora contido já muito perto de Moscovo - sabia tudo sobre Clausewitz e Moltke e lera os despachos de Schlieffen.

Tra­gédia e morte

Os judeus chegavam, inicialmente, de quase todos os cantos da Polónia e, também, da Eslováquia. Mais tarde, eram feitos viajar em condições revoltantes de outros países situados no Ocidente da Europa. Mesmo em Portugal, duas das mais importantes fábricas de cortiça da região do Barreiro já tinham cessado a sua função industrial e, caracteristicamente pintadas de negro, estavam preparadas para receber refugiados de várias origens no nosso país, assim como comunistas. Seriam todos feitos seguir, mais tarde, para os seus trágicos destinos.
Os campos tinham categorias distintas. Havia campos de trabalho, campos de concentração e campos de morte. A vida nas duas primeiras classes desses campos era, simplesmente, bárbara - em Belsen (sul de Hamburgo), em Dachau (norte de Munique), os presos, que incluíam activistas políticos e judeus de mais elevada categoria social, resistiam, apenas, algumas semanas. Os campos de morte, entretanto, localizavam-se a Leste. Nomes de que nunca se ouvira falar. Em fins de 1943 as SS começaram a plantar árvores em volta do campo de Auschwitz. Tinham, então, começado a assassinar judeus, funcionários do Partido Comunista soviético e prisioneiros de guerra, verdadeiramente em massa. A morte dos inocentes era provocada pelo gás Zyklon-B, uma especialidade recentemente inventada naquele complexo. Os ‘ghettos’ de Varsóvia tinham sido esvaziados dos seus habitantes. Mas no trajecto para Auschwitz e Birkenau, a confusão espalhava-se. Dizia-se que existiam piscinas, ali, bordéis, sauna, uma orquestra sinfónica. Podia Auschwitz, ser assim coisa tão má para se viver? Aquilo até parecia uma concentração de unidades militares ou uma pequena cidade universitária.
Rudolf Hoss, o comandante do campo, era especialista na criação de métodos novos de extermínio dos presos. O Zyklon-B tornou-se o produto base das câmaras de gás. Foi também em Auschwitz que o Dr. Josef Mengele começou a conduzir experiências médicas em crianças, gémeos e mulheres grávidas. A piscina e os bordéis existiam, de facto, mas destinavam-se, exclusivamente, aos chamados ‘kapos’ ou aos presos julgados capazes de tornarem-se úteis para os nazis. Quando um combóio chegava (1500 pessoas era a lotação habitual), os presos viam-se divididos em duas colunas, uma formada por homens, a outra por mulheres e crianças. Os médicos e guardas das SS, quase sempre, pateticamente, deixando transparecer modos gentis, faziam logo uma selecção de 200 homens e outras tantas mulheres, todos jovens, que se destinavam aos campos de escravos da máquina de guerra nazi. Os restantes eram encaminhados para a zona das câmaras de gás onde lhes era dito ser importante tomar um duche. Para tal, deviam despir-se. Depois de mortos, os ‘sonderkommando’ retiravam-lhes dentes de oiro, anéis e outros objectos que tivessem. Antes de os cadáveres serem feitos queimar, cortavam-lhes o cabelo que era usado no fabrico de vários produtos.
Ao mandar derrubar o fatídico portão de Auschwitz, o camarada Anatoli encontrou 7000 sobreviventes perplexos em corpos esqueléticos. Mas as câmaras de gás e as incineradoras de Birkenau tinham já devorado milhões de vidas humanas, incluindo cerca de 7000 homens de valor que tinham sido funcionários do Partido Comunista da URSS.

O na­ci­onal-so­ci­a­lismo

Trata-se da doutrina hitleriana que, incorporando a expressão ‘socialismo’, se destinava a confundir os espíritos que acreditavam naquela fórmula já bastante debatida, mas ignoravam até onde os levaria o projecto nazi do Reich de 1000 anos. No livro ‘Mein Kampf’ (A Minha Luta), escrita por Adolf Hitler, na prisão, em 1923-24, encontram-se tentativas de justificação do nacional-socialismo, mas com baixo teor histórico. Também Alfred Rosenberg (O Mito do Século XX) aborda a impossível questão do socialismo, segundo um plano divisado por assassinos. A doutrina hitleriana é sempre feita de ‘slogans’ mas oferece um ponto de partida com alguma originalidade, o da superioridade racial dos arianos relativamente aos judeus e a todas as outras raças. Mesmo assim, este princípio, desde logo duvidoso, já vinha de Gobineau (Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, 1853-55), e da noção do homem superior desenvolvida por Nietsche.
O anti-semitismo, entretanto, conhecera um violento despertar através dos actos do burgomestre de Viena, Lueger, antes de 1914. O desejo do recurso à força e a à guerra apareciam em Arndt e em teóricos do Estado-Maior prussiano. Mas o movimento dos hitlerianos ficaria marcado, essencialmente, pelo carácter vibrante, de extremo fanatismo, daquele que seria o ‘Fuhrer’ e pelas desastrosas consequências para o povo alemão surgidas da 1ª Guerra Mundial. A obsessão racista afirmou-se com renovada intensidade.
Em 1932, o Partido Nacional Socialista alemão era já uma organização poderosa e atingiria, em 1939, o número de oito milhões de aderentes. Hitler entrega a direcção das S.A.(Sturmabteilungen), secções de assalto ou camisas castanhas), a outras figuras menos visíveis do seu movimento. As SS (Schutztaffeln) ficam encarregadas de garantir a segurança do regime e delineiam o plano de exterminação dos judeus e dos comunistas de modo a que se crie o chamado espaço vital (Lebensraum) ou, por outras palavras, o princípio da colonização do mundo. As SS, forças escolhidas e recrutadas com o mais intratável dos rigores, contavam com 250 000 membros, apenas, em 1939, quando passaram para o controlo de Himmler (1900-1945). Mas Heydrich (1904-1942) destacava-se desde 1936 como responsável pela polícia secreta (Geheime Staatspolizei), ou Gestapo, e em 1941 sucedia a von Neurath como ‘protector do Reich’ na Checoslováquia onde comandos patriotas o assassinaram.

Os nú­meros do­lo­rosos do ho­lo­causto

Os nazis assassinaram pelo menos 7 milhões de pessoas no decorrer do programa de solução final que atingiu judeus, comunistas, polacos, prisioneiros de guerra soviéticos, pessoas de religiões diversas, resistentes anti-fascistas e muitos outros. Tinham 39 campos de concentração, trabalho e extermínio, disseminados por vários países. A solução final foi aplicada, principalmente, em Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Sobibor, na Polónia, em Mathausen-Gusen, na Áustria, em Belsen, Buchenwald e Dachau na própria Alemanha. Entre 1941e fins de 1944 já mais de 4 milhões de pessoas tinham sido assassinadas em seis campos. Em Auschwitz, estima-se que as câmaras de gás absorviam mais de 9000 vidas, diariamente. No total, só no complexo de Auschwitz-Birkenau, teriam perecido vários milhões de inocentes, mas só na Polónia a população judaica terá sido feita liquidar em cerca de 90% (três milhões de pessoas). Adolf Hitler assumia que os polacos não passavam de uma raça sub-humana cujo destino apontava aos campos de trabalho.
Os chamados indesejáveis sociais, capturados nos vários países, também eram feitos seguir para campos de concentração - pedintes, alcoólicos, desempregados, sem abrigo. Os grupos de assassinos das SS surgiam, habitualmente, na esteira da 'Wehrmacht' e entregavam-se à sua desumana actividade logo que as operações militares eram dadas por terminadas.

O Exér­cito Ver­melho li­bertou a Po­lónia

A chegada de tropas soviéticas às imediações de Auschwitz e Katowice, inscreve-se no conjunto das operações militares das 1ª e 4ª Frentes Ucranianas, comandadas, respectivamente, pelo marechal Koniev, e pelo general Petrov. Outras frentes de exércitos (Jukov, Rokossovski, Malinovski, etc.), atravessaram o território polaco a uma velocidade incrível, principalmente as unidades de carros de combate dado que o objectivo era Berlim e o extermínio da máquina de guerra hitleriana.

Ivan Ko­niev (1897-1973)

Marechal da URSS. Graduado em 1926 pela Academia Militar Frunze. Em 1941, nos primeiros meses da guerra e da invasão nazi, serviu na região de Smolensk. Em 1942, os exércitos do seu comando tomavam parte na defesa de Moscovo. No ano seguinte, conseguiu suster a ofensiva nazi em Kursk e passou à ofensiva libertando as cidades de Oriel, Belgorod e Poltava. Uma das mais famosas vitórias do Exército Vermelho teve lugar na região de Korsun-Chevchenko e, aí, Koniev conseguiu cercar 10 divisões alemãs cujas baixas ascenderam a mais de 20.000 homens. Na ofensiva sobre a Polónia, capturou Lvov. No avanço em território germânico (na histórica campanha do Vístula ao Oder) entrou na região de Berlim. Ordens do Kremlin, entretanto, fizeram-no desviar a rota das suas tropas para ir libertar Praga em Maio de 1945.

Ivan Ie­fi­mo­vitch Pe­trov (1896-1958)

General do Exército Vermelho e membro do Partido Comunista desde 1918. Defendeu Odessa mas teve de ser evacuado quando as possibilidades de segurar a cidade se manifestaram precárias. Com toda a Crimeia já nas mãos dos nazis, defendeu Sevastopol até Junho de 1942. Em Setembro e Outubro de 1943, o general Petrov libertava Novorossisk e as penínsulas de Taman e Kerch. A partir de Agosto de 1944, já no comando da 4ª Frente Ucraniana, avançou para a libertação do sul da Polónia e, depois, da Eslováquia. Em Janeiro de 1945, as suas tropas achavam-se, efectivamente, na zona de Katowice de onde o sargento Anatoli partiu para encontrar e libertar Auschwitz.


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