Como fazer literatura

Isabel Araújo Branco
A poética regula a escrita da poesia e a poesia, na Grécia Antiga, corresponde à literatura, em particular à tragédia e à comédia. Aristóteles, na sua «Poética» dá conselhos para escrever bem, todos eles muito simples, muito práticos e muito actuais. Para ele, a poesia é o resultado de uma técnica com um objectivo definido. A poesia não é um acidente, uma dádiva dos deuses, fruto da inspiração, um exercício de ociosos. A poesia existe para cumprir uma finalidade. É quase filosófica, é uma forma de conhecimento que consiste em atingir o universal, que não fala do que aconteceu mas do que poderia ter acontecido. Nessa medida, fala da possibilidade.
A história deve reunir quatro características: totalidade, grandeza, unidade e necessidade ou verosimilhança. A história é completa, porque constitui um todo linear, decorrendo numa linha temporal. Simultaneamente tem de ter uma certa dimensão. As peças são tanto melhores quanto mais extensas, mas não demasiado. A história deve ficar na memória dos espectadores e permitir o transe da felicidade para a infelicidade e vice-versa.
A unidade é fundamental, mas não implica a referência apenas a uma só pessoa ou a todas as acções do protagonista. Tem de haver unidade entre as acções e estas têm de estar encadeadas segundo uma sucessão de causa e efeito. Ou seja, tudo o que o protagonista faz que seja importante para a acção. Qualquer acontecimento tem de ter uma consequência pertinente.
Neste ponto, o papel do poeta é fundamental, seleccionando as acções, encontrando a unidade entre elas e assim fazendo com que a história seja una e pertinente. A unidade não é, pois, um dado, é produzida, é um trabalho de criação. Se os acontecimentos reais que o poeta narra estiverem na História, ele torna-se actor deles porque encontra a unidade entre eles. É o encadeamento dos factos que faz a história, e não os factos em si. «Pois não faz parte de um todo o que não altera esse todo», escreve Aristóteles.
Por fim, chegamos à última característica, a necessidade ou verosimilhança. É segundo esse princípio que as acções da narrativa devem estar encadeadas. As histórias que não são constituídas desta forma são desprezíveis por não serem filosóficas. Só assim o espectador pode crer no que vê, projectar-se na acção e sentir a catárse.

Imitação e tragédia

Para Aristóteles, a poesia é gerada por duas causas naturais: a capacidade de imitar, intrínseca ao homem; e o prazer que ele tem com a imitação. Todas as formas de poesia são mimese e as suas formas diferenciam-se conforme os meios, os objectos e os modos que utilizam.
Deste conjunto, a tragédia constitui um forma superior de contar histórias. Suscitando o terror e a piedade, tem como efeito a purificação das emoções, ou seja, a catárse. A história deve estar feita de tal forma que pareça universal, como se pudesse acontecer a todos. Só assim surge o temor, pois este implica a identificação com a acção, não com a personagem. A piedade consiste na simpatia com a vítima de acontecimentos nefastos, não dispensando o distanciamento entre o espectador e a personagem.
Mimese corresponde sempre a «fazer de conta» ou «fazer-se passar por». Para quem vê, isso implica a consciência de que se trata de uma simulação. O actor não é a personagem, mas para o espectador perceber a história tem de se esquecer disso. O que se passa na peça é uma realidade igual à do público, mas, ao mesmo tempo, há um fosso que separa estes dois universos.
«Rei Édipo», de Sófocles, é considerado por Aristóteles como a tragédia exemplar por seguir os pontos fundamentais da sua «Poética». Desde então, muita foi a literatura produzida, mas a melhor será talvez a que segue os quatro ensinamentos básicos da «Poética».


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