O Mestre Pimentel
Herculano Pimentel foi o treinador de esgrima - designam-se, por tradição, mestres de armas - mais influente do nosso País durante uma boa parte do século XX. Todos os dias úteis e sábados durante dezenas de anos, excepção ainda feita, claro, aos dias das férias anuais, aí estava ele na sala de armas, a partir das 6 horas da tarde até às 9-10 horas da noite na sua apaixonada faina. E, claro, aos muitos domingos de competições e torneios, lá ele também estava; bem como durante as suas férias, quando ocorria a necessidade de acompanhar equipas em competições internacionais.
Herculano Pimentel - o mestre Pimentel, ou simplesmente o «mestre» como nós, os seus pupilos, lhe chamávamos - não teria podido (sobre)viver, ele e a sua família, com os parcos proveitos como treinador. Herculano Pimentel era médico veterinário e desempenhava as funções de Intendente da Pecuária - penso que era assim que se designava - para o Distrito de Lisboa. Quando chegou a altura, reformou-se desta actividade profissional, mas o ritmo da sua actividade como mestre de armas continuou por bastante tempo até ao dia em que a sua vida acabou - acabou poucas horas depois de ter dado a sua sessão de treino de esgrima daquele dia.
Herculano Pimentel foi um grande esgrimista na sua juventude. Chegou, ainda muito jovem, a ser campeão nacional de florete. Nessa época - no entre-guerras mundiais -, a esgrima portuguesa passava por uma fase de grande valor, reconhecido a nível internacional. Em 1928, a equipa de espada alcançou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. O espadista Henrique da Silveira ficou em 6.º lugar nos célebres Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 - os mesmos Jogos das proezas do atleta negro norte-americano Jess Owens. Em 1916, nos Jogos Pershing, realizados no «buraco» deixado pelos Jogos Olímpicos, o espadista Jorge Paiva foi 2.º classificado. E muitas outra classificações valiosas ocorreram. Estas, foram-me deixadas na memória quer por Herculano Pimentel, quer por outros que iam repetindo o que lhe ouviam, e também ouviam a mais muito poucos outros. Pois, pela tradição oral desses outros, também ficámos a saber que Herculano Pimentel também “poderia” ter sido um desses «grandes». «Pelo menos “grande” assim como os outros maiores de entre os portugueses dessa época?» - pergunto eu hoje a mim próprio.
E por que não foi cumprida tal previsão de uma carreira destacada? Conta-se com brevidade, esta história portuguesa. Uma história de amadorismo, profissionalismo e quiçá inveja suficiente à mistura.
Herculano Pimentel, chegada a sua altura, foi prestar serviço militar e recebia o seu vencimento como todos os militares - de uso um vencimento bastante modesto. Devido às suas grandes capacidades e saberes esgrimísticos, já desde muito cedo começados a ser adquiridos durante o ensino secundário cursado no Colégio Militar, onde o ensino da esgrima era obrigatório, a Herculano Pimentel - então, por imposição na tropa - foi atribuída a tarefa de instrutor de esgrima na instituição militar. Aí, começou o incrível processo. «Aqui d’el rei que o Herculano Pimentel já não pode ser considerado amador; é profissional, pois recebe dinheiro na tropa» - os senhoritos «aristocraticamente» amadores, a fazerem valer os seus princípios e alguns, quem duvidará, também, os seus mais recônditos e mesquinhos antidesportivos interesses. Ou não fosse Herculano Pimentel um adversário de respeito!
Mas o mestre Pimentel ficava sempre embaraçado quando queríamos que nos explicasse melhor a lição deste episódio - mesmo quanto aos factos era bem parco de palavras! E nós, «tenrinhos», não tendo ainda entendido a falácia de um amadorismo apenas possível para os de posses, como era o do conceito de Coubertin, e os resultados o mostravam, tivemos que ir fazendo o caminho até à sua cabal compreensão.
Treinador no CDUL, Herculano Pimentel não deixou de cumprir tal tarefa mesmo quando o clube não lhe podia pagar. Com efeito, em 1969, com a maré da Revolução Democrática a encher, as associações de estudantes decidiram fazer cumprir o seu direito e obrigação legal de eleger para os corpos gerentes do CDUL uma lista delas representativa e dos atletas federados. E fizeram-no. O Estado fascista, na esteira da sua lógica, vingou-se em termos financeiros.
Herculano Pimentel, um democrata, acolheu com alegria e esperança o 25 de Abril. E, durante as idas e voltas do processo posterior, não abandonou o seu lado da trincheira.
Herculano Pimentel - o mestre Pimentel, ou simplesmente o «mestre» como nós, os seus pupilos, lhe chamávamos - não teria podido (sobre)viver, ele e a sua família, com os parcos proveitos como treinador. Herculano Pimentel era médico veterinário e desempenhava as funções de Intendente da Pecuária - penso que era assim que se designava - para o Distrito de Lisboa. Quando chegou a altura, reformou-se desta actividade profissional, mas o ritmo da sua actividade como mestre de armas continuou por bastante tempo até ao dia em que a sua vida acabou - acabou poucas horas depois de ter dado a sua sessão de treino de esgrima daquele dia.
Herculano Pimentel foi um grande esgrimista na sua juventude. Chegou, ainda muito jovem, a ser campeão nacional de florete. Nessa época - no entre-guerras mundiais -, a esgrima portuguesa passava por uma fase de grande valor, reconhecido a nível internacional. Em 1928, a equipa de espada alcançou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. O espadista Henrique da Silveira ficou em 6.º lugar nos célebres Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 - os mesmos Jogos das proezas do atleta negro norte-americano Jess Owens. Em 1916, nos Jogos Pershing, realizados no «buraco» deixado pelos Jogos Olímpicos, o espadista Jorge Paiva foi 2.º classificado. E muitas outra classificações valiosas ocorreram. Estas, foram-me deixadas na memória quer por Herculano Pimentel, quer por outros que iam repetindo o que lhe ouviam, e também ouviam a mais muito poucos outros. Pois, pela tradição oral desses outros, também ficámos a saber que Herculano Pimentel também “poderia” ter sido um desses «grandes». «Pelo menos “grande” assim como os outros maiores de entre os portugueses dessa época?» - pergunto eu hoje a mim próprio.
E por que não foi cumprida tal previsão de uma carreira destacada? Conta-se com brevidade, esta história portuguesa. Uma história de amadorismo, profissionalismo e quiçá inveja suficiente à mistura.
Herculano Pimentel, chegada a sua altura, foi prestar serviço militar e recebia o seu vencimento como todos os militares - de uso um vencimento bastante modesto. Devido às suas grandes capacidades e saberes esgrimísticos, já desde muito cedo começados a ser adquiridos durante o ensino secundário cursado no Colégio Militar, onde o ensino da esgrima era obrigatório, a Herculano Pimentel - então, por imposição na tropa - foi atribuída a tarefa de instrutor de esgrima na instituição militar. Aí, começou o incrível processo. «Aqui d’el rei que o Herculano Pimentel já não pode ser considerado amador; é profissional, pois recebe dinheiro na tropa» - os senhoritos «aristocraticamente» amadores, a fazerem valer os seus princípios e alguns, quem duvidará, também, os seus mais recônditos e mesquinhos antidesportivos interesses. Ou não fosse Herculano Pimentel um adversário de respeito!
Mas o mestre Pimentel ficava sempre embaraçado quando queríamos que nos explicasse melhor a lição deste episódio - mesmo quanto aos factos era bem parco de palavras! E nós, «tenrinhos», não tendo ainda entendido a falácia de um amadorismo apenas possível para os de posses, como era o do conceito de Coubertin, e os resultados o mostravam, tivemos que ir fazendo o caminho até à sua cabal compreensão.
Treinador no CDUL, Herculano Pimentel não deixou de cumprir tal tarefa mesmo quando o clube não lhe podia pagar. Com efeito, em 1969, com a maré da Revolução Democrática a encher, as associações de estudantes decidiram fazer cumprir o seu direito e obrigação legal de eleger para os corpos gerentes do CDUL uma lista delas representativa e dos atletas federados. E fizeram-no. O Estado fascista, na esteira da sua lógica, vingou-se em termos financeiros.
Herculano Pimentel, um democrata, acolheu com alegria e esperança o 25 de Abril. E, durante as idas e voltas do processo posterior, não abandonou o seu lado da trincheira.