Direita aprova Orçamento do Estado para 2005

«Uns são filhos e outros enteados»

Aprovado faz hoje oito dias, na generalidade, apenas com os votos da maioria PSD/CDS-PP (todos os partidos da oposição votaram contra), o Orçamento do Estado para 2005 está agora na Comissão de Economia e Finanças para apreciação na especialidade.

Este é o or­ça­mento da con­ti­nui­dade da po­lí­tica de di­reita

São nulas as expectativas de que neste curso, antes da sua votação final global, em 7 de Dezembro, possam ocorrer melhorias que alterem um documento mortalmente ferido pela falta de transparência e pela falta de credibilidade, incapaz de responder às necessidades do País, concebido para perpetuar uma injusta distribuição da riqueza.
Durante os dois dias em que se prolongou o debate na passada semana foi isso que as bancadas da oposição, em particular o PCP, trataram de demonstrar, pondo sobretudo em evidência o completo desfasamento entre as palavras do Governo (que substituiu num passe de mágica o discurso da austeridade pelo da confiança) e a realidade concreta que, infelizmente, continuará a marcar o quotidiano da vida da generalidade dos portugueses, designadamente dos trabalhadores e dos estratos sociais mais desfavorecidos.

Pre­vi­sões fan­ta­si­osas

Disse o primeiro-ministro que este era o Orçamento que traduz a passagem do nosso País de um ciclo de austeridade para um «novo ciclo de crescimento», prometendo não abandonar o «rigor das contas públicas».
Aumentos dos salários da função pública e das pensões, descida do IRS, foram algumas das medidas anunciadas por Pedro Santana Lopes, pelo ministro das Finanças, Bagão Félix, e pela maioria PSD/CDS-PP.
Promessas, metas e previsões, entre outras, que, porém, como foi sublinhado pelo PCP, não passam de fantasias para vender ilusões e esconder o que verdadeiramente significa este Orçamento: a manutenção dos baixos salários para os trabalhadores, das baixas pensões para os reformados e do baixo investimento para o País.
Por isso este foi, ainda, um Orçamento classificado de «ficção», incapaz de vencer a crise, segundo o Secretário-Geral do PCP, Carlos Carvalhas (ver nesta página), que respondia às afirmações do primeiro-ministro proferidas no discurso de abertura do debate.
Contrariamente ao anunciado fim dos sacrifícios, como observou o líder parlamentar comunista, o que os portugueses vão sentir é a sua continuação, não havendo truques ou habilidades que as minimizem.
«Em 2005 o desemprego vai manter-se, quem trabalha vai continuar a ver aumentar a precariedade do seu emprego e a ver reduzidos os seus direitos mais elementares, como acontece com o acesso ao subsídio de doença e ao subsídio de desemprego», denunciou Bernardino Soares, que alertou para o facto de o País no próximo ano continuar a divergir da média europeia e de continuarmos a ter «uma economia cada vez mais subcontratada» a par de uma «quebra das nossas capacidades produtivas».

Des­prezo pelas áreas so­ciais

Aspecto muito criticado pelos deputados comunistas foi, por outro lado, o desinvestimento nos sectores sociais, de que é exemplo chocante a diminuição em dez por cento do investimento do Ministério da Educação.
O mesmo sucede na saúde onde se verifica uma «previsão orçamental destinada a proteger os grandes grupos económicos que querem operar no sector», no quadro das «privatizações na área dos direitos sociais», como denunciou Odete Santos, lembrando a verba de mais de 7.400 milhões de euros que o orçamento do Estado e os doentes vão ter de suportar entre 2005 e 2037 pelas parcerias público-privadas com vista à construção de dez novos hospitais SA.
«Negócio mau para os utentes dos hospitais, que correm graves riscos de continuarem a ver degradar-se os cuidados de saúde», alertou ainda a parlamentar do PCP, antes de chamar a atenção para a circunstância de «os objectivos meramente economicistas dos grupos privados» fazerem prever, com grande probabilidade, «o aumento dos lucros com redução dos custos», por exemplo, em medicamentos ou nos meios complementares de diagnóstico.
O cenário macroeconómico projectado pelo Governo foi outra das questões introduzidas no debate pela bancada do PCP, com o deputado Honório Novo (ver caixa) a afirmar não acreditar nele, designadamente na previsão de uma taxa de inflação na ordem dos dois por cento.

Só pro­messas...

A reter deste Orçamento, para além das várias artimanhas que o suportam, descredibilizando-o sem apelo nem agravo, fica ainda um conjunto vasto de promessas inserido numa operação de propaganda destinada a servir a estratégia eleitoral dos partidos do Governo.
«Foi uma catadupa de promessas sem tradução real no orçamento e de promessas para o futuro sem qualquer sustentação», assinalou Bernardino Soares, dando, entre outros exemplos, a limitação das benesses fiscais, sobretudo ao sector financeiro - «a realidade fica muito aquém do anunciado e a anos-luz do necessário», frisou - , bem como a tão falada baixa de IRS que, afinal, em nada vai assemelhar-se ao que o primeiro-ministro prometeu em mensagem ao País, repetindo o que antes dissera num comício eleitoral.
O anúncio da convergência da pensão mínima com o salário mínimo para 2006 foi outra das promessas eleitorais que rechearam o discurso governativo neste debate do Orçamento. Sucede, porém, que esta convergência só será a cem por cento nas carreiras contributivas com mais de 30 anos, ou seja, não abrange todos os reformados, para além de não se perceber muito bem como é possível concretizar tal convergência daqui a dois anos com um aumento tão insuficiente em 2005.
Razões estas que, no seu conjunto, em suma, levaram Bernardino Soares a concluir– numa alusão à analogia recorrente do primeiro-ministro e do ministro das Finanças de que o OE é comparável ao orçamento de uma família – que, em matéria das opções governativas quanto às contas do Estado, «uns são filhos e outros enteados». O mesmo é dizer, «os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos estão cada vez mais ricos».

Tru­ques não dis­farçam re­a­li­dade
Poder de compra segue em queda

Coube ao deputado comunista Honório Novo desmontar o as «habilidades e truques» nas previsões macro-económicas a que recorreu o Governo PSD-CDS/PP com o fito, acusou, de «tentar enganar os portugueses».
«Antes de mais, as habilidades contabilísticas para “vender” um défice inferior a três por cento. O problema é que não são apenas as receitas extraordinárias cuja
origem o Governo se recusa a identificar (...). A questão é que o Governo se recusa a identificar o património que quer vender, por quanto quer vender e a informar sobre o
destino futuro», sublinhou o deputado do PCP.
Acresce, por outro lado, observou, que «ninguém entende como é possível diminuir o IRS e ao mesmo tempo anunciar um aumento de cinco por cento nas suas receitas».
«Outra habilidade orçamental desta proposta de Orçamento tem a ver com o investimento público. A realidade vai ficar bem longe dos valores que o Governo tem anunciado», acusou Honório Novo, considerando que apesar da «fantasia e dos truques», o poder de compra dos portugueses vai continuar a degradar-se.
«A proposta do Orçamento de Estado para 2005 não serve o país, não defende a sua capacidade produtiva, não aposta num crescimento rápido, não promove a inovação tecnológica, não investe na formação e na qualificação, não dignifica os trabalhadores, não combate o desemprego, não garante os direitos sociais», denunciou Honório Novo.

Lei de Bases da Se­gu­rança So­cial
Abrir ca­minho à pri­va­ti­zação

Aspecto a merecer acesa crítica da bancada comunista foi também o que se refere à Lei de Bases da Segurança Social, que, em sua opinião, está a ser «escandalosamente violada».
O orçamento neste capítulo é, aliás, para a deputada comunista Odete Santos, revelador da forma como o Governo tem em conta «os interesses dos trabalhadores numa segurança social pública forte, capaz de cumprir o que constitucionalmente se lhe exige, ou seja, a realização de direitos sociais».
Com efeito, o Executivo PSD-CDS/PP não cumpre a lei da segurança social que a maioria fez aprovar em 2002 ao não transferir para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, como é sua obrigação, os dois pontos percentuais das contribuições dos trabalhadores.
E não colhe a justificação dada pelo Governo – a adversidade da conjuntura económica – para o incumprimento da lei. É que, como observou Odete Santos, tal justificação contraria as previsões optimistas do Governo relativamente à economia, quando é o próprio a dizer que haverá crescimento económico de 2,4 por cento e que os tempo da austeridade acabou.
Por isso este episódio, do ponto de vista do PCP, sublinhado por Bernardino Soares, mais não é do que um novo epiodio do processo de descapitaluização em curso, que visa abrir caminho para a privatização da segurança social».

Carlos Car­va­lhas
«Não se vence a crise com um or­ça­mento de ficção»

No fase inicial do debate, interpelando directamente Santana Lopes, o Secretário-Geral do PCP, Carlos Carvalhas, contestou a afirmação por aquele feita de que a crise económica está ultrapassada e que terminou a austeridade para os portugueses. Na réplica, o Primeiro-Ministro fez a apologia do discurso optimista como via para o investimento, mas acabou por reconhecer que a austeridade continuará para a grande maioria dos portugueses.
«O primeiro-ministro não falta à verdade quando diz que a austeridade acabou para os banqueiros, para os grandes senhores do dinheiro, para as empresas que têm uma taxa de lucro oito vezes superior à inflação ou para as empresas do PSI- 20, para os assessores ministeriais que ganham
mais que o Presidente da República, para os gestores das empresas públicas com cartão laranja», afirmou, ironicamente, Carlos Carvalhas.
«Para esses o fim da austeridade não se coloca porque nunca houve início da austeridade», prosseguiu o dirigente comunista, antes de desafiar o chefe do Governo a esclarecer se está mesmo convencido que a austeridade, com este Orçamento, «vai acabar para os cerca de 500 mil desempregados, para os milhares de reformados que têm pensões de miséria, para os trabalhadores que ganham o salário mínimo, para os trabalhadores da Sorefame a quem o PSD e o CDS-PP prometeram resolver o problema e até agora não deram qualquer resposta, para as centenas de milhar de trabalhadores da função pública com um aumento balizado por uma taxa de inflação de ficção».
Carvalhas lembrou ainda ao Primeiro-Ministro que não se vence a crise com orçamentos de ficção» e fez notar que Portugal não é «uma quinta de celebridades quer da dita, de uma estação televisiva, quer a que se realizou num barco da marinha com as celebridades ministeriais de bonés com pala».

Ci­ta­ções

«Este é o orçamento da continuidade da política de direita dos governos PSD-CDS/PP a que os portugueses já demonstraram querer pôr fim. É o orçamento da instabilidade na vida dos portugueses. É o orçamento de um governo e de uma maioria em plena instabilidade e crise»
Ber­nar­dino So­ares

«Hoje já está generalizada a convicção de que a nova lei [arrendamento urbano] causará um terramoto social ao tratar como mercadoria um direito social, o direito à habitação, promovendo despejos para que os prédios fiquem devolutos para o grande capital».
Odete Santos

«É no desemprego que se fará sentir a consequência social mais dramática deste orçamento. O Governo do PSD/CDS-PP já bateu todos os recordes de desemprego. Foi pela sua mão que Portugal se tornou no país da União Europeia com maior aumento de desemprego».
Ho­nório Novo




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