Carlos Chaparro, da DORL

Capital financeiro é o principal interessado na lei

A primeira consequência da Lei das Rendas será a expulsão das camadas populares de Lisboa, cidade muito apetecida pelo capital financeiro, como explica Carlos Chaparro, dirigente da Organização Regional do PCP.
«Na base da Lei do Arrendamento está um negócio de muitos milhões em que o capital está interessado, mas não as populações. Os interesses de uns colidem com os interesses dos outros», sustenta Carlos Chaparro, dirigente da Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP.
Para o responsável pela cidade de Lisboa, é preciso reabilitar o parque habitacional, mas a reabilitação deve ser feita «para as pessoas e não contra as pessoas». «Há muitas casas sem condições, sem cozinhas, sem casas de banho, sem condições para viver. Mas as pessoas não querem sair, porque é ali que fizeram a sua vida, que têm os seus amigos e vizinhos e não estão disponíveis para ir para torres de 12 andares onde não conhecem ninguém. Isso é matá-las», afirma.
Carlos Chaparro defende que a Lei das Rendas e a Lei da Reabilitação Urbana não são separáveis. «No fundo, são duas peças do mesmo puzzle. A Lei da Reabilitação Urbana visa reabilitar o casco velho da cidade e quando a lei saiu os proprietários disseram logo que era necessário a lei das rendas, o que mostra como são complementares», afirma.
A primeira consequência é a expulsão das camadas populares e a sua substituição pela classe média-alta, como aconteceu em Paris, Madrid ou Barcelona. A área de várias casas pequenas será ocupada apenas por uma casa, bem maior. «Onde está hoje um T0 ficará um T4, completamente remodelado, com perfeitas condições de habitabilidade, para poder ser comprado pela burguesia e por estrangeiros, interessados em viver nestas zonas, com localizações excepcionais, áreas nobres com boas vistas para o Tejo. Uma grande parte destes bairros estão degradados, mas onde houve recuperação os ganhos são tremendos», garante o dirigente comunista.
Chaparro afirma que o capital financeiro, sobretudo a banca, é o principal interessado nestas modificações legislativas. Ao integrar-se nas sociedades de reabilitação, perspectiva milhões de lucro. «Até os pequenos senhorios vão ser postos em causa. Se tiver uma casa num quarteirão que vai ser reabilitado e não tiver dinheiro para avançar com as obras, a sociedade pode expropriá-lo. E vai fazê-lo», avisa. «O capital chegou à conclusão de que praticamente não é preciso construir mais casas para vender, excepto em zonas muito específicas. Daí partir para a reabilitação e para o arrendamento.»

O fim da cidade popular

A Lisboa que hoje existe, a cidade popular que existe há séculos, desaparecerá se a Lei das Rendas for aprovada. «Os bairros transformam-se em algo completamente diferente. Uma coisa é termos vizinhos próximos e conhecidos, outra coisa é uma cidade sem essa vivência. E em zonas de camadas média-alta isso desaparece, de facto: cada um vive fechado sobre si próprio e não há a vivência comunitária que estrutura a vida nestes bairros. O próprio movimento associativo – um importante elemento de agregação das freguesias – é inclusivamente posto em causa», adianta Carlos Chaparro.
As zonas mais apetecíveis e, portanto, mais visadas são as históricas e ribeirinhas, dos Olivais à Ajuda, passando por Marvila, Alfama, Anjos, Alcântara e Belém. Os edifícios não classificados podem ser destruídos e, no seu lugar, serão construídos prédios altos. «Com a Lei das Rendas isso vai ser perfeitamente possível, porque ao fim de três anos o senhorio pode não ter nenhum dos cinco ou seis inquilinos».
Freguesias longe do centro podem também estar na mira do lucro, como é o caso do Bairro da Liberdade. Situado numa encosta de Monsanto, torna-se só por isso apetecível. «Aquele bairro tem uma vivência muito própria. As casas não são boas, mas, do ponto de vista do ambiente, há qualidade de vida. Por isso as pessoas não querem sair dali, querem é ter as casas arranjadas. Nem a política da CM nem estas leis garantem isso. Para qualquer capitalista seria muito interessante reabilitar o bairro ou construir uma coisa nova naquele sítio», comenta Chaparro.
Os habitantes que não conseguirem suportar as novas rendas poderão ser empurrados para bairros sociais em locais limítrofes, porque «pode ser mais interessante ao capital financeiro construir um bairro em Chelas ou na Ameixoeira para realojar a população do casco velho, quando ainda por cima a lei prevê que parte desses fogos serão feitos com fundos públicos. Poderemos assistir ao aumento dos bairros sociais.»

A morte de Lisboa

Lisboa já está a mudar. Em Marvila, por exemplo, por cada cinco novos casais, três vão viver para fora da cidade. Este número é equivalente em toda a Lisboa. «Os casais jovens não têm condições de continuar a viver aqui, porque a habitação é muito cara, e vão para outros concelhos da Área Metropolitana, onde as casas são mais baratas. A população mais jovem está a sair da cidade», constata Carlos Chaparro.
«Há zonas em que não se vê ninguém ao domingo ou depois das oito da noite. A Baixa está completamente desertificada. Só estão habitados os quintos e sextos andares», acrescenta o dirigente, alertando ainda para as consequências no pequeno comércio, que actualmente já subsiste com grandes dificuldades.
«Muita gente sonha com a possibilidade de trespasse e com esta lei isso acaba. Corre-se até o risco das pessoas investirem grandes quantias em lojas e não terem sequer tempo de fazer a amortização desse capital. Podem gastar 15 ou 20 mil contos em máquinas que se amortizam ao fim de 10 anos. Se o contrato só dura cinco anos, não há tempo para a amortização», exemplifica.


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