O Treino

Correia da Fonseca
Leio no «Expresso», o semanário que muito sabe destas e de muitas outras coisas, que os ministros do governo Santana/Portas vão ter «media training», designação anglo-americana (mas mais americana que anglo) para o treino de comunicação pelos media. A notícia não é de espantar: lembremo-nos de que já há muitos, muitos anos, o então novel primeiro-ministro Cavaco teve com uma conhecida actriz lições de dicção. Passado todo o tempo que decorreu desde então, é de crer que as sabedorias que os actuais ministros e seus anexos vão aprender serão muito mais sofisticadas, mas é claro que se mantém a motivação inicial: a esclarecida convicção de que comunicar, e comunicar eficazmente, é preciso. Aliás, é bem sabido que quer Santana quer Paulo Portas são criaturas claramente vocacionadas para essa eficácia. Compreende-se assim que desejem tornar tanto quanto possível os seus talentos extensivos àqueles a quem o Dr. Cavaco no seu tempo chamava «ajudantes» e a generalidade dos cidadãos designa por ministros. Não, é claro, porque o domínio da Arte de Cavalgar Toda a Treta (como poderia dizer-se parafraseando um pouco el-rei D. Duarte) beneficie a qualidade da governação, mas porque pode disfarçar o seu verdadeiro sentido, fazendo passar por interesse público o que de facto é interesse muito privado. Ora, é para tornar fácil e convincente essa tão desejável metamorfose que servirá o «media training». É que a Direita não é parva, sabe lindamente o que está a fazer à esmagadora maioria dos portugueses, e por isso percebe que não pode deixar essa questão da comunicação com o País entregue à capacidade de improvisação e ao descuido de cada qual, digamos que ao deus-dará. Ou por outras palavras: a Direita no poder sabe que não tem razão e que por isso é preciso enganar. Pelo que chama especialistas, manda ministros para a aprendizagem. Deste modo se vê como, com imediato fundamento ou não, a notícia do “Expresso” faz sentido.

“O que a cepa dá”

Mas convém dizer mais qualquer coisa: a notícia não apenas faz sentido como involuntariamente marca um contraste: com a Esquerda, a que o é verdadeiramente e não a de faz-de-conta, que constantemente dá sinais de não querer saber para nada dessas coisas da eficácia na comunicação pelos media. Julgo perceber por que é assim: a Esquerda sabe que tem razão, que não precisa de mentir porque as verdades são suas aliadas, e por isso acha que basta enunciá-las de qualquer modo e logo elas serão reconhecidas como autênticas. Trata-se, pois, de um convencimento bonito que emerge da boa-fé, mas também infelizmente de uma cega confiança no discernimento das gentes. A Esquerda parece supor, e talvez o suponha mesmo, que uma verdade dita atabalhoadamente, a gaguejar, com voz sumida e hesitante, tem maior poder de atracção que uma impostura desenvolta e lançada com voz firme. É, porém, um equívoco funesto. A verdade é que as estratégias da mentira se multiplicaram, que há excelentes e muito bem pagos especialistas nessa arte e sua ensinança, e que verdades que têm a ver com os mais graves e decisivos problemas que hoje se suscitam não podem ser deixadas à mercê da ingénua convicção de que basta ter razão para que toda a gente o reconheça. Bem basta que, como avanço antecipadamente ganho pela Direita, o acesso aos grandes meios de comunicação lhe esteja hoje completamente franqueado, designadamente no caso da televisão, que é o que mais importa a esta coluna.
Que as raras ocasiões em que a Esquerda aí pode estar presente sejam deixadas a «o que a cepa dá» e a uma cega confiança nos quase miraculosos poderes de verdades como punhos é, de facto, uma espécie de leviandade em que a Direita nunca incorreria, e a notícia acerca do «media training» é mais uma prova disso. Acresce, de resto, que o treino para a optimizada utilização dos media não esgota as necessidades imperiosas a que a Esquerda precisa de estar atenta na área da comunicação: num tempo em que a batalha ideológica assume uma importância porventura sem precedentes e decorre, naturalmente, nos terrenos da comunicação, não pode a Esquerda limitar-se a confiar na sua razão e a louvar-se na sua sinceridade: precisa de mobilizar-se e de fazê-lo muito a sério. Neste quadro, a notícia do «Expresso» é um aviso e um exemplo: a Direita propõe-se intensificar e refinar o seu já anterior adestramento. Tem boas razões para isso: prepara-se decerto para novas agressões contra os direitos dos cidadãos, novos avanços no caminho de uma sociedade iníqua. São outras as razões da Esquerda, e são melhores. Resta que esteja à altura delas, e mobilize.


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