O mais económico dos gestos

José Casanova

Em entrevista ao Diário de Notícias, o Presidente da Associação Industrial do Minho, comentando dados divulgados pela União de Sindicatos de Braga sobre o desemprego no Distrito – que apontam um aumento de 61,4% em quatro anos – sobrevoou assim a questão: «Não é um drama, significa tão-somente que as empresas estão a modernizar-se, a mudar a sua estratégia, a adaptar-se às novas realidades». E, sempre didáctico, ensinou do jeito que se segue: «Eu lembro que a modernização das empresas tem que significar a redução de postos de trabalho. As empresas ao modernizarem-se estão a criar soluções alternativas para reduzir custos (pelo que) o caminho do desemprego não parou de crescer e não vai parar tão cedo mas não parece catastrófico». Depois, perante uma referência do entrevistador à «solidariedade para com os mais fracos» e a questões «de consciência e de humanidade», o Presidente foi magnânimo de solidariedade, consciência e humanidade: «Acho que devemos ser solidários, os empresários gostam dos seus trabalhadores, porque sem trabalhadores não há empresas, mas há toda uma interacção dos diversos actores que é preciso atender» - não sei se me faço entender, quer dizer, parece que não estão a perceber – e traduziu-se: «O Governo tem que usar parte dos nossos impostos para responder às situações críticas – o desemprego e a fome – e continuar o caminho da modernização».
São, como se lê, palavras, ideias, conceitos a abarrotar de modernidade, facto que lhes confere desde logo absoluta incontestabilidade. Pergunto: quem há aí que se atreva a negar as múltiplas vantagens do desemprego e do seu crescimento inevitável?; quem há aí que ouse preferir à luminosa modernização o sombrio, velho, caduco direito ao trabalho?; quem há aí que ponha em dúvida o acrisolado amor dos empresários aos seus trabalhadores?; quem há aí, enfim, que tenha o desplante de não aplaudir com entusiasmo as sábias, generosas, tranquilizadoras e, sobretudo, modernas palavras do Presidente? Ninguém, é claro. Corrijo-me: o Alexandre O’Neill teve esse desplante. Dizem-me que foi depois de ter lido esta entrevista, corria então o ano de 1960, que o O´Neill, a versos tantos do seu poema Saber Viver é Vender a Alma ao Diabo, escreveu:
      «Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do trabalho.
      Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
      o mais económico dos gestos!»


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