Nós, os povos das Nações Unidas...

Ângelo Alves

A democratização da ONU passa obrigatoriamente pela alteração da correlação de forças no mundo

O vazio de decisões resultante da Assembleia Geral da ONU e as declarações sobre a situação no Iraque feitas, quer na referida Assembleia, quer à margem desta, são elucidativas da situação de impasse que se vive hoje no seio da organização e da clara situação de crise internacional cujo sinal mais nítido é o modo como evolui a situação no Médio Oriente.
É por demais evidente que a resistência no Iraque e as derrotas aí infligidas ao imperialismo são hoje um dos mais importantes acontecimentos a nível mundial. Daí, a grande importância estratégica e política dos desenvolvimentos que aí decorrem, e o valor das derrotas do imperialismo que não se apagam com as contradições, oportunismos e mesmo crimes que inevitavelmente surgiriam associados a uma situação de guerra.

Para analisar seriamente a questão do Iraque é necessário começar por compreender que existe no povo iraquiano uma genuína vontade popular de “correr” desde já com as forças ocupantes. É igualmente necessário recordar que a ocupação do Iraque se desenrolou à margem do direito internacional, pôs em causa a própria ONU e foi levada a cabo com base em mentiras, tentando-se esconder as reais razões da guerra: o petróleo e as posições geo-estratégicas do imperialismo. É por fim imperioso recordar o direito inalienável dos povos à defesa da sua soberania e não esquecer os crimes que os EUA cometeram e cometem para tentar submeter o povo do Iraque. Se assim se proceder é fácil concluir que o chamado processo político do Iraque é uma farsa conduzida pela administração norte-americana e seus colaboradores internos, e que nenhum processo político sério poderá ter sucesso sem a retirada imediata das tropas de ocupação. Caso contrário comete-se um tremendo erro político que só poderá contribuir para a eternização do “inferno” no Iraque e a negação sine die do direito do povo iraquiano à sua autodeterminação, tal como assistimos na Palestina.

Infelizmente foi a isso que assistimos na Assembleia Geral da ONU.
Apesar das surpreendentes declarações de Kofi Annan - que depois do branqueamento da ocupação no Conselho de Segurança (para o qual contribuiu activamente) afirma agora a invasão como ilegal - não houve nenhuma mudança na atitude das Nações Unidas!
Em vez de se retirar lições da guerra, os discursos, ou foram apelos para mais alguns se juntarem ao “pântano”, ou foram vazios, amedrontados ou de “deixa ver o que dão as eleições nos EUA” (deixando aqui de lado o discurso caricato de Santana Lopes que numa situação de claras divisões no campo imperialista tenta agradar a gregos e troianos!) tentando-se mais uma vez deslocar a questão da guerra para o campo do suposto combate ao terrorismo. Mas mesmo aqui também não se conseguiu ir a lado algum.

A frase do Presidente do Sri Lanka, Chandra Bandanaraika, em declarações a um semanário português é altamente elucidativa: “Ninguém ousa dizê-lo em público, eu não posso dizê-lo, necessitamos do apoio americano, mas em privado muitos sentem que a abordagem americana só está a piorar as coisas”. Ora é aqui que reside a questão central de que muitos falaram e sobre a qual nada se decidiu. As pressões, chantagens e hegemonia dos EUA são tais que mesmo aqueles que, apesar de seus aliados conjunturais, e percebendo que a actual política norte-americana está a arrastar todos para o caos, não se sentem “autorizados” a discordar, não encontram na ONU a segurança para poderem expressar livremente as suas opiniões, o que põe efectivamente a necessidade de se reflectir sobre a democratização e reforma da ONU. Uma democratização que passa obrigatoriamente pela alteração da correlação de forças no mundo e pela valorização do papel da Assembleia Geral, e não pela rearrumação de forças que alguns oportunisticamente ou ingenuamente defenderam em Nova Iorque, e que a acontecer, somente poderia ser traduzida na conhecida frase: “Baralhar e dar de novo”.
A Assembleia Geral demonstrou que a luta dos povos é a mais importante arma para alcançar uma nova ordem mundial mais justa e respeitadora dos direitos dos povos e uma organização que possa dizer com realidade: “Nós os povos das Nações Unidas”.


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