Das crianças que não nascem

Como se saberá, a RTPN é um canal distribuído por cabo de que a Radiotelevisão Portuguesa E.P. tomou conta há uns tempos. Antes disso, havia sido a tentativa de um canal TV para a área de Lisboa e, em fase seguinte, para o Norte. Agora não se sabe ao certo o que é, quer dizer, não o sabe o público e parece não o saber o própria RTP. Contudo, uma coisa sei eu: prefiro muitas vezes a programação da RTPN, frágil mas isenta de vário lixo, que a programação da própria RTP 1, rechonchuda mas muito conspurcada. Na RTPN tenho visto, em repetição ou até em primeira mão, alguns momentos interessantes que na RTP não aconteceram ou passaram diluídos no caudal de uma programação de mérito escasso. E foi na RTPN, no quadro de uma habitual revista da imprensa acompanhada em estúdio por um jornalista convidado, que vi ser abordado um grave problema nacional que, no mínimo, anda um bocado esquecido: a queda demográfica do País provocada pela baixa taxa de natalidade. De onde, é claro, consequências várias e todas elas indesejáveis, entre as quais a perigosa pressão sobre as reformas as Segurança Social, cuja ruptura é periodicamente prevista pela direita em geral e os governos em especial, e sobre o Serviço Nacional de Saúde, pois bem se sabe que o envelhecimento implica o aparecimento de doenças. Aliás, é bem sabido que a existência de muitos velhos em Portugal é frequentemente apontada, em tom de arrelia, por muitos responsáveis políticos ou por técnicos de vários ramos. A questão, bem se sabe, é a persistência de muitos cidadãos em continuarem vivos para lá de certa idade e, para mais, o seu incómodo desejo de serem tratados das doenças que os acometem. Contudo, bem vistas as coisas não será tão certo que haja velhos de mais em Portugal, antes acontecendo, isso sim, que há jovens de menos. Porque já há algumas décadas que os jovens casais têm poucos ou nenhuns filhos.

Um mar de tormentas

Ora, o que eu vi na RTPN foi uma conversa, infelizmente curta, como não podia deixar de ser dado o programa em que se inscrevia, em que foram identificados alguns dos motivos que estão na raiz do insuficiente número de nascimento de jovens portugueses. Não constituem mistério nenhum, afinal toda a gente os conhece, mas são pouco falados nos media em geral e designadamente na televisão, que é a grande indutora de reflexão ou irreflexão dos portugueses acerca do seu próprio País e de si mesmos. A questão é que os jovens casais quase estão proibidos de ter filhos. Não têm empregos estáveis que lhes assegurem cobertura financeira bastante para o dispendioso investimento a longo prazo que é ter um filho. Não têm acesso a uma casa suficientemente ampla que lhes permita ter vários filhos sem resvalarem para a promiscuidade. Não existe uma rede de acolhimento infantil e de ensino pré-escolar a preços compatíveis com a média de remunerações nacionais. Os ordenados e salários pagos em Portugal impõem, de resto, que ambos os progenitores estejam empregados, e os part-time para um deles (em princípio preferentemente para mãe) ou até para ambos são raros e miseravelmente retribuídos. Ao invés de ser protegida, a gravidez é pessimamente vista pelo patronato e muitas vezes é causa de despedimento ou, no mínimo, de discriminação negativa nos empregos. O ensino escolar obrigatório, supostamente gratuito, compensa a gratuitidade das matrículas com pesados encargos com livros e material escolar cuja produção e comercialização, recentemente falada, não foi suficientemente investigada. O recurso aos serviços de saúde públicos, quando necessários, são difíceis e penosos, provocando não raramente alguma tensão dos pais com a empresa onde trabalham. A crescente acção deseducadora da TV, muitas vezes «baby sitter» da infância e companheira da primeira juventude, e o «boom» de entretenimentos electrónicos por vezes quase corruptores, não ajudam à esperança de que ter filhos resulte num futuro gratificante para os pais. E esta enumeração já longa apenas alinha alguns dos escolhos que abundam no autêntico mar de tormentas que hoje espera quem em Portugal queira ter filhos. Quanto a tudo isto, e como aliás se ouviu no tal momento da RTPN que motivou esta nota, os poderes não se interessam, nada fazem, fingem que não vêem. E, enquanto o País definha populacionalmente e não só, o governo, aparentemente inspirado pelo que aconteceu com o «Titanic», manda a sua orquestra tocar música: a valsa tonta da retoma que aí vem.


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