A grandeza do desporto ou o desporto como necessidade

Francisco Silva
Ao desporto são apontadas múltiplas e relevantes funções e qualidades. O desporto – a actividade gimnodesportiva em geral – é dado como bom para a saúde, para o manter de uma boa condição física, se praticado de acordo com as capacidades de cada um, capacidades essas que variam ao longo da vida. O desporto é dado também como uma das mais importantes actividades de lazer, em particular para a juventude – e no caso da juventude, o desporto será uma actividade de lazer predestinada a um eficaz combate de vícios como o da droga, o do tabaco ou o do alcoolismo. O desporto é ainda considerado – no contexto da sociedade da informação – como um produto principal – «conteúdo» –, em articulação com a publicidade, da actividade mediática e, portanto, para o seu modelo de negócio.
Contudo, para além destas funções e qualidades do desporto, tanto da ordem da correcção do bem fazer – e digo isto, meio com sinceridade e meio com cinismo – como da ordem da eficácia económica, a sua grandeza, a inultrapassável grandeza do seu papel, vem-lhe mesmo é da sua essência – isto é, o desporto enquanto actividade de expressão do ser humano por meio da sua superação em acto. Superação individual que, no caso dos desportos colectivos, pressupõe como critério principal a maximização da integração eficiente nas equipas em que se participa. Superação a alcançar «em acto» durante as situações para tal preparadas com o rigor necessário, um pouco à maneira do que se faz com as experiências laboratoriais nas actividades Investigação & Desenvolvimento. Superação que pode ser procurada isoladamente, tanto em termos individuais como colectivos; superação que é conseguida por norma em cooperação competitiva («coopetição») com outros – indivíduos, equipas –, durante a participação em eventos desportivos (jogos, torneios, campeonatos, etc).

Dois casos

Quando os objectivos de superação são alcançados, e em particular quando a sua ambição é do nível mais elevado, como é o caso dos Jogos Olímpicos, com a sua cadência quadrienal, com a sua carga mítica, então os atletas que o conseguem podem viver os seus sucessos com uma imensa – incalculável – alegria (ou se falham, vivem o insucesso com uma imensa - também incalculável – tristeza). Paradigmáticas – parece-me ser este o termo adequado – destas emoções, vividas com tal intensidade, foram os casos de duas atletas participantes na maratona feminina dos últimos Jogos Olímpicos de Atenas. O caso visto maior do insucesso: uma atleta do Reino Unido que era dada, e se dava a ela própria, com alguma razão, como uma quase antecipada vencedora, com melhores tempos mundiais, em forma plena, etc – e foi dramático o acontecido e o visto; esgotada ao km 36 (de um total ultrapassando os 42 km), ela, a parar, a procurar continuar, a chorar a impotência e a imensa tristeza – todos pudemos estar mais que presentes, quase nela. Mas a maratona tem destas coisas, muito imprevisível e não perdoa aprendizagens de feitiçaria. Mesmo que, praticada pelas massas, a maratona possa parecer a muitos que, afinal, não será tão difícil assim. E, pelo outro lado, o caso visto do maior sucesso nesta maratona (para mim, claro): o de uma atleta dos EUA que acabou em terceiro lugar. De maior sucesso não porque não pudesse, à partida, ser primeira classificada, pois várias atletas o poderiam; mas, acima de tudo, pela forma como construiu o seu êxito durante a corrida – resguardando-se de início, com toda a necessária paciência, e, vindo de trás para diante, quase sem se fazer notar, verificando a superação de si própria momento a momento, muito medida em comparação com as colegas que ultrapassava, quais marcos miliários, mantendo um ritmo forte até final, entrando com calma [olímpica] no estádio, e terminando a corrida, enquanto explodia numa imensa alegria, expressando-se sob um sereno vendaval de lágrimas, quase todas por nós apenas vislumbráveis por detrás das mãos colocadas de forma a tapar as suas faces, só por breves instantes delas afastadas para acenar ao público que a aplaudia.
Falar-se-á de dinheiros envolvidos, dinheiros que transformam os estímulos de superação e paixão desportiva para estímulos de carreirismo profissional ou mesmo de enriquecimento rápido; também da sentida necessidade de promoção social, e dos indispensáveis reflexos mediáticos. Porém, sem paixão, sem uma continuada necessidade da superação desportiva, do «sair de si mesmo», não frutificarão outros estímulos para além da mexerucação dos valores desportivos …


Mais artigos de: Argumentos

A (foto)novela continua

Pelos motivos mais preocupantes a Casa da Música voltou a ser notícia. Anunciada que tinha sido a sua inauguração para 14 de Abril de 2005 e depois de Pedro Burmester ter sido afastado pela actual administração, que o demitiu desse órgão de gestão e o nomeou consultor para a área da programação musical, pelouro que...

Os vendedores de cérebros

Patrick Le Lay, cavalheiro distinto e de verbo desassombrado, é o presidente da TF1, o mais importante canal francês de televisão. O jornalista Marc Jézégabel caracterizou-o nas páginas de «Télérama» como «um dos homens mais intocáveis de França», e não espanta que essa sua condição lhe favoreça a natural predisposição...