Imigrantes: defender e aplicar direitos

Rui Fernandes
Terminou no passado dia 14 de Junho o período de regularização resultante da Lei da Imigração 34/2003. Três grandes aspectos ressaltam desde já deste processo.
O primeiro, a enorme diferença entre os cálculos adiantados por membros do Governo quanto ao número de interessados na regularização – no máximo chegaram aos 20 mil, e a realidade que é já superior a 40 mil.
O segundo, a manutenção de uma linha de mistificação e confusionismo chamando de processo de legalização àquilo que foi um processo de regularização.
O terceiro, a evidência de que – se este processo se circunscrevia aos, digamos assim para simplificar, entrados em Portugal até Março de 2003 e tivessem no mínimo 90 dias de descontos para o sistema fiscal e segurança social e foi atingido este significativo número – muitos outros existirão fora das condições impostas para este processo e continuarão clandestinos, sujeitos a todas as tropelias.
Aliás, muitos destes mais de 40 mil inscritos não verão satisfeita a sua pretensão. É que a forma como este processo surgiu na opinião pública, conduziu muitos imigrantes não abrangidos a inscreverem-se. Repare-se, por exemplo, que para muitos este processo foi para os entrados em Portugal antes de Março de 2003. Ora, a verdade é que esse quesito há que somar o dos descontos – 90 dias. Portanto, não bastou entrar em Portugal antes de Março.
Aspectos como este, por falta de esclarecimento, certamente que conduziram muitos imigrantes a inscreverem-se e a verem um destes dias recusados os seus intentos. Isto para não falar nos patrões que não fizeram os descontos que deveriam ter feito impossibilitando agora os trabalhadores de provar os dias de desconto, etc.. E se tudo não é mais grave e complicado, é porque o movimento associativo imigrante vai naturalmente ajudando no esclarecimento e encaminhamento de muitos imigrantes. Claro que os imigrantes que se inscreveram e não encaixam nos quesitos ficarão numa situação passível de expulsão ou, porque entretanto perceberam o engano, pura e simplesmente não aparecerão.
Como o PCP desde o início tornou claro, o processo de regularização não foi/é dissociável da Lei de Imigração e da negativa matriz que a enforma, uma matriz de classe.
Se o que se globaliza é a pobreza, o ataque aos direitos sociais, a guerra e os conflitos, o fosso entre ricos e pobres, então os fenómenos migratórios terão tendência a prosseguirem.

Contra a política de direita

Hoje calcula-se que existam no Mundo 180 milhões de pessoas a viverem fora do país onde nasceram e prevê-se que em 2050 esse número supere os 250 milhões.
Em Portugal saem em média 30 mil portugueses por ano, ou seja, durante a década de 90 saíram de Portugal 300 mil portugueses, muitos para trabalharem em países da União Europeia, nas mais diversas situações de precariedade e indignidade, como dão conta as noticias sobre as condições degradantes de trabalho na Inglaterra e na Holanda, mas também fora da UE, como na Austrália, e só para exemplificar com os últimos casos mais referidos na comunicação social.
O Governo PSD/CDS-PP e as políticas de direita prosseguidas ao longo dos anos, não só maltratam (veja-se a política de encerramento de postos consulares, de desinvestimento no ensino, o caso da negação do direito no acesso à saúde para ex-emigrantes na Suíça no qual o Governo foi derrotado, etc.) o património nacional que significa os muitos anos de emigração portuguesa e a sua relevância como vector estratégico de desenvolvimento e afirmação nacional, como pretendem erguer um muro à imigração, mas um muro especial. Um muro que permita a exploração, a precariedade, o «use e deite fora».
É também por isso que o Governo português nem quer ouvir falar em ratificar a Convenção Internacional de Protecção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias.
Quer-se com isto dizer que aprovando tal convenção tudo estaria resolvido? Não! Mas como o PCP, aliás, já fez questão de afirmar, a sua aprovação dotaria os imigrantes de maiores e melhores instrumentos de afirmação de direitos e dotaria Portugal de uma outra autoridade na defesa dos seus emigrantes.
Ora, dotar os trabalhadores, os povos, de mais direitos é algo que anda ao arrepio da política de direita, do desenvolvimento capitalista.
É por isso justo e oportuno que digamos: imigrantes – defender e aplicar direitos.


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