Política económica e social sob fogo cerrado em interpelação do PCP

Raízes da crise estão no Governo

O País, em termos económicos e sociais, continua a marcar passo. O PCP voltou a demonstrá-lo com factos e números, num debate em que pôs simultaneamente em evidência não só a necessidade de uma nova política como os principais eixos que a devem nortear.

Governo nomeou 5 956 boys para o aparelho de Estado

Foi na interpelação ao Governo que, por iniciativa da bancada comunista, na passada semana, dominou os trabalhos parlamentares.
Traçado pela bancada comunista foi um diagnóstico demolidor para o actual Governo PSD-CDS/PP, não deixando quaisquer dúvidas quanto à sua responsabilidade pela grave crise que afecta a economia, o aparelho produtivo e a vida dos portugueses.
Na sua intervenção inicial (ver nesta página), o Secretário-Geral do PCP, Carlos Carvalhas, deteve-se a analisar um por um o que considerou serem os «sete pecados mortais» de que enferma a acção governativa. São estes, em sua opinião, que explicam não só a recessão em que o País se encontra como o seu afastamento da média europeia em todos os indicadores de desenvolvimento, para além da contínua degradação do nível e qualidade de vida dos trabalhadores e de amplos sectores da população, sobretudo dos estratos sociais mais desfavorecidos.
Da política de «leilão de empresas e serviços públicos» até ao modelo de desenvolvimento «assente nos baixos salários e nas baixas qualificações», passando pela liquidação de direitos e pelas contra-reformas nos domínios laboral, da saúde, do ensino e da segurança social, foi um desfiar de testemunhos que comprovam como a crise da economia, tal como o aumento do desemprego e da pobreza, são uma resultante directa das orientações e opções do Governo.
Infelizmente, como vai sendo hábito, o Governo fugiu às questões concretas formuladas pela bancada comunista. Como foi, por exemplo, lembrada por Carlos Carvalhas, a acusação de que o Executivo, por altura do seu segundo ano em funções, já nomeara nada mais nada menos do que 5 956 boys para o aparelho de Estado, dos quais 1095 na qualidade de membros dos gabinetes ministeriais. Sobre tal assunto, nem do ministro da Economia, Carlos Tavares (que se esforçou, sobretudo, por justificar e desdramatizar o aumento dos combustíveis), nem da boca de Marques Mendes, ministro dos Assuntos Parlamentares, se ouviu uma palavra.
Não menos sintomático foi, aliás, que este último, à falta de argumentos, tivesse optado na sua intervenção por desenvolver uma avaliação ao desempenho das oposições, como se fosse esse o seu papel, recorrendo quase à ofensa e ao insulto. «Sectarismo, mesquinhez e
perversidade» foram algumas das expressões por si utilizadas para caracterizar a actuação dos partidos da oposição, o que motivou pedidos de defesa da honra por parte dos líderes parlamentares do PCP, BE e PS.
Bernardino Soares, depois de fazer notar «não competir a um ministro dos Assuntos Parlamentares a avaliação da oposição», lembrou-lhe que todas as questões concretas colocadas pelo PCP ao longo da interpelação, essas, tinham ficado sem qualquer resposta por parte
do Governo.

Pelo aumento do salário mínimo

O aumento intercalar do salário mínimo nacional, tal como o Avante! anunciou na passada semana, foi uma das propostas apresentadas pelo PCP no decurso da interpelação ao Governo.
Para os comunistas este é não apenas um imperativo de justiça social como um factor dinamizador da economia, na medida em que favorece um maior nível de consumo.
Na nota preambular do seu diploma a bancada comunista recorda que Portugal continua a ser o País da União Europeia com mais baixos salários e onde as desigualdades salariais e sociais mais se têm acentuado.
O aumento proposto, a determinar pelo Governo, terá em conta as perdas reais de poder de compra e os ganhos de produtividade, não podendo ser inferior «ao limite máximo da previsão do Banco de Portugal para o índoice dos preços no consumidor, acrescido de três pontos percentuais».

Caridadezinha e falta de ética

A deputada comunista Odete Santos acusou o Governo de se comportar como se as desigualdades fossem inevitáveis, na esteira do mais puro neoliberalismo que não reconhece direitos sociais mas apenas a caridadezinha de medidas assistencialistas.
Presente em vários domínios da acção governativa, esta postura é particularmente visível na área do direito de trabalho, segundo a deputada do PCP, que, a propósito, deu como exemplos mais recentes a redução dos subsídios de doença e do subsídio de desemprego.
Estas prestações sociais, com as alterações introduzidas, perderam a característica de um direito para se tornarem em medidas de boa-vontade do Governo, denunciou a deputada do PCP, para quem, noutro plano, há razões para o Governo ser duplamente censurado: num caso, pelos «estragos e mazelas» causados ao tecido produtivo em todo o País, com o seu rasto de empresas encerradas e despedimentos; no outro, pela «total ausência de ética na política», traduzida «no apadrinhamento dos grandes interesses económicos».

Carlos Carvalhas
Os sete pecados mortais

O Secretário-Geral do PCP acusou o Primeiro Ministro e o seu governo de serem os responsáveis por «sete pecados capitais» que conduziram o País à recessão. É esse retrato fiel dos aspectos centrais que têm marcado a acção governativa que é possível fixar das ideias expostas por Carlos Carvalhas na abertura da interpelação, discurso de doze páginas de que publicamos excertos e no qual o dirigente comunista elenca com detalhe aqueles que são na perspectiva do PCP os principais eixos de uma política alternativa.
(...) O primeiro pecado capital verificou-se desde logo com o discurso da “tanga” visando preparar a opinião pública para a política neoliberal pura e dura, para a escandalosa política de concentração da riqueza, para as contra-reformas o que conjuntamente com uma política cega de travagem do défice criou o clima psicológico e as condições objectivas para a quebra do investimento privado, a retracção da procura, o pessimismo e a recessão.
Recessão e estagnação prolongadas com efeitos extremamente graves no aparelho produtivo, que está hoje cada vez mais fragilizado, dependente e subcontratado. A inversão da situação, isto é, a retoma, o crescimento sustentado e o investimento, apesar dos discursos optimistas (...) não se está a verificar, com todos os indicadores estruturais a mostrarem que a economia continua em apatia. (...)
O segundo pecado capital tem-se traduzido na política de leilão de empresas e serviços públicos abrindo a porta e entregando alavancas fundamentais da economia nacional ao estrangeiro e aos privados com o consequente aumento de preços, deterioração das infraestruturas, como é o caso da EDP, e até com o encerramento das actividades produtivas, como é o caso da Bombardier, caso em que o Sr. Primeiro-ministro objectivamente, mantém uma displicente indiferença perante o drama de tantas famílias. Outras que também não são preocupação do CDS/PP!
Leiloar, vender, privatizar, eis o lema deste Governo. Vão-se os anéis, os dedos e o país! Agora até anunciaram a privatização da água! Ainda não descobriram como hão-de privatizar o ar! Mas consta que o Ministro da Economia e Morais Sarmento já nomearam uma comissão de sábios, todos pertencentes aos partidos da maioria , tal como para a GALP, para verem como o podem fazer! A Dr. Manuela Ferreira Leite também já terá dito que o “ar” da Serra da Estrela e do Gerês terão de pagar IVA acrescido pois ar despoluido é cada vez mais raro! (...)
O terceiro pecado capital é o do agravamento da situação social, com a liquidação de direitos e a sua substituição pelas mezinhas caritativas tanto ao gosto da hipocrisia reinante e aos jeito do seráfico ministro dos Assuntos Sociais.
Os baixos salários e as baixas reformas, o rápido crescimento do desemprego e da pobreza, as deslocalizações, e o encerramento de empresas aí estão como marcas emblemáticas do quadro de honra da política do Governo. Diminuição dos salários reais de milhares de trabalhadores pelo terceiro ano consecutivo. Como já ganhavam muito trata-se de uma pequena coisa! Os baixos salários de hoje são as baixas reformas de amanhã e uns e outros são as principais fontes de pobreza.
(...)
Como estamos longe das promessas do Dr. Durão Barroso, de que com ele no governo o nível de vida dos portugueses aproximar-se-ia da média europeia e o crescimento económico estaria sempre dois pontos acima da referida média! O PIB «per capita» português, medido em paridades do poder de compra, correspondeu no ano passado a 68,8% da média da União Europeia. Recuámos para os níveis de 1997!
E não é também o mesmo Dr. Durão Barroso que agora como Primeiro-Ministro nos diz que os sacrifícios são para todos!
É de facto o que se vê com os benefícios fiscais, com os boys do PSD e do CDS/PP na Administração Pública.
É o que se vê com as mordomias de assessores de gabinetes ministeriais! Quando o Governo fez dois anos, já tinha nomeado 5 656 boys dos quais 1095 membros dos gabinetes.
É o que se vê também com a banca, com o crescimento dos lucros no 1º trimestre de mais de 15% em relação a período homólogo e com o pagamento do IRC com taxas de 5 a 20% !
(...) O quarto pecado capital está nas contra-reformas e no retrocesso social que se verifica no Código Laboral, na saúde, no ensino e na segurança social. Um Código que visa enfraquecer a defesa dos trabalhadores e retirar direitos justamente conquistados. Um Código que nada vai resolver antes pelo contrário, vai agravar a conflitualidade social. Uma dita reforma do SNS que mostra, como a prática revela que o acesso à saúde se agravou nos últimos 18 meses atingindo sobretudo os mais carenciados, aqueles que mais dependem do SNS para concretizar o seu direito à saúde. Hoje há mais portugueses do que há um ano e meio atrás em lista de espera para a realização de cirurgias. Quanto ao ensino basta ouvir professores, alunos e pais ou olhar para o orçamento de Estado e para o insucesso escolar, para se ver a crescente degradação do sistema e a crescente desvalorização da escola pública. E o combate ao abandono escolar com a acentuação das desigualdades e o agravamento das condições sociais de milhões de portugueses é coisa que não dá Sr. Primeiro Ministro.
O quinto pecado capital está na liquidação das nossas pescas e da nossa agricultura, parentes pobres deste Governo. Os pescadores e agricultores são cada vez menos, não dão votos, ao contrário do capital financeiro que tem dinheiro, posições em muitos sectores inclusivamente nos principais meios de comunicação social. (...)
O sexto pecado capital reside no facto de o Governo ter acentuado o modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e nas baixas qualificações, quando a produtividade do aparelho produtivo e a competitividade da economia portuguesa exigem precisamente o contrário.
(...) O sétimo pecado capital, corolário de toda a política deste Governo está na submissão. Submissão ao Pacto de Estabilidade. Submissão à Reforma da PAC. Submissão em relação à Política das Pescas. Submissão em relação à dita “Constituição Europeia”. Submissão a Bush na vergonhosa guerra do Iraque...
Ainda a 13 deste mês, a França e a Alemanha voltaram a criticar a ortodoxia do Pacto de Estabilidade. No entanto, o Governo teima em endeusar o “Pacto” e em levar o País para o abismo. (...)

Por uma outra política

(...) Uma política que promova um crescimento económico acelerado e sustentado, liberto de submissão ao Pacto de Estabilidade e outras imposições externas, na base de um tecido económico de perfil produtivo valorizado, regionalmente equilibrado, e fazendo um uso racional da energia e dos recursos naturais. Uma política que defenda a produção nacional e que, recusando a continuação da privatização e liberalização de serviços, empresas e mercados públicos, a preservação pública de alavancas fundamentais da economia e serviços públicos de qualidade, e assegure a manutenção de centros de decisão e de soberania económica nacionais.
Uma política de justiça fiscal e uma política orçamental ao serviço do desenvolvimento.
A injustiça fiscal é o nó górdio do problema das finanças públicas.
Em primeiro lugar, a injustiça decorrente da enorme imoralidade que campeia no âmbito da tributação do património. (...) Um imposto geral sobre o património mobiliário e imobiliário, é elemento central de um qualquer sistema que pretenda tributar segundo a capacidade contributiva de cada um. Porque, directamente possibilita a tributação da capacidade de pagar inerente à titularidade de activos patrimoniais e, indirectamente, contribui para a melhoria do controlo na determinação da matéria colectável dos impostos sobre o rendimento.
Será esta, talvez, a área da injustiça fiscal em que é mais patente o efeito dos poderosos lobbies que se movem na nossa sociedade e que minam, em benefício próprio, a autoridade do Estado democrático.
Em segundo lugar, a injustiça que releva do privilégio dado à tributação da despesa em detrimento da tributação do rendimento.(...)
Em terceiro lugar, a injustiça que decorre da panóplia de benefícios fiscais vigente. (...)
Em quarto lugar a injustiça que resulta da incomensurável fraude e evasão fiscais que grassam no nosso país. (...)
Quanto ao défice orçamental é necessário que se diga que o alegado excesso do peso relativo da despesa pública é um sofisma. Portugal apresenta um nível global de despesa inferior à média dos doze países da área euro e, de longe, muito inferior à registada nos três países nórdicos da UE.
Do que se trata, pois, é de uma opção política. E de uma opção errada já que, por ela, este Governo tem feito tudo ao contrário do que seria necessário para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas.
Face ao nosso estádio de desenvolvimento económico e social, a sustentabilidade das finanças públicas deve ser procurada no quadro da necessidade de um elevado esforço de investimento em infraestruturas físicas, em capital humano (educação e formação profissional) e em áreas sociais como a saúde e a protecção social. (...)
Uma política de combate ao desemprego, de valorização do trabalho com direitos e de promoção do emprego de qualidade. Uma política de revalorização dos salários, em particular dos mais degradados, com um crescimento dos salários reais que garanta o aumento do peso da massa salarial no rendimento nacional e com um aumento intercalar do salário mínimo o que só por si valorizava outras prestações sociais.
Uma política de educação, cultura e ciência como objectivos centrais da sociedade portuguesa.
Uma política educativa que tenha como principais orientações, em todos os níveis de ensino, a defesa e aperfeiçoamento de uma escola pública e gratuita. Escola democratizada no acesso, frequência, sucesso e saídas profissionais. Uma escola pública de qualidade e para todos.




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