XIX Marcha da Rota

Vozes de paz contra as bases da guerra

Gustavo Carneiro
No ano em se cumprem 50 anos do acordo entre a Espanha franquista e os Estados Unidos – que perpetuaria o ditador espanhol no poder até 1975 e deixaria como legado as bases estrangeiras em Espanha –, milhares de pessoas voltaram à pequena localidade andaluza de Rota para exigir o fim da presença militar norte-americana em Espanha e na Península Ibérica. Entre estes, cerca de centena e meia de portugueses, em representação de várias organizações, entre as quais o PCP.
A Marcha da Rota é já uma tradição na Andaluzia. Desde há dezanove anos que milhares de pessoas, integrando diferentes organizações políticas, sindicais e sociais, acorrem à pequena localidade da Província de Cádiz para exigir o fim da presença militar norte-americana em Espanha. É nesta pequena povoação que se localiza uma das duas bases que a NATO tem em Espanha, desde 1954. A outra é a de Morón, perto de Madrid. Ambas resultam do acordo assinado entre a Espanha fascista de Franco e os Estados Unidos, que resultou, terminada a Segunda Guerra Mundial e derrotadas as forças do eixo nazi-fascista, na reabilitação da ditadura espanhola, apoiante de Hitler e Mussolini. As bases foram a moeda de troca.
Ao contrário dos anos anteriores, na edição deste ano – que se realizou no passado domingo – a Base estava bem ao alcance do olhar. Uma alteração de percurso levou os manifestantes a percorrer seis quilómetros de uma estrada paralela à rede da base e a concentrar-se a poucos metros da entrada, sob forte aparato policial.
Para lá da rede tripla, com arame farpado, situa-se uma autêntica cidade. Incontáveis hectares de terreno albergam pistas de aviação, portos e radares, mas também apartamentos e estradas, aliás muito frequentadas por automóveis e carrinhas. Lá dentro vivem mais de 3 mil militares. Ao longo de todo o perímetro da Base da Rota, câmaras de vigilância e placas com o aviso «proibido passar, zona militar», desmotivam quaisquer curiosidades mais afoitas. A poucos metros, a pequena localidade andaluza de Rota vivia mais um tranquilo domingo de Primavera, habituada que está à presença constante da «Base da Morte» (como lhe chamam os manifestantes). Tranquilidade que apenas a manifestação perturba, pois o constante levantar e aterrar dos aviões de combate já entrou no quotidiano.

NATO não,
Bases fora


No caso da marcha anual à Base da Rota, como em muitas outras jornadas de luta que, por esse mundo fora, se travam, tradição não rima com repetição. De ano para ano, somam-se novas exigências à exigência maior da Marcha: o fim da presença militar norte-americana em Espanha.
No manifesto das organizações promotoras, lido no final, afirma-se que as bases estrangeiras «só servem para fazer as guerras dos interesses predadores do imperialismo norte-americano e para matar milhares de seres inocentes no mundo. Umas bases que nos fizeram objectivo daqueles a quem temos atacado e que fizeram do nosso país inimigo de lugares de que fomos amigos».
Para os organizadores, «sem a presença das bases no nosso território e no resto da Europa, seria matemática e materialmente impossível levar a cabo guerras em boa parte do mundo». No Iraque, por exemplo. Apesar de ter decidido retirar as tropas do Iraque, o governo espanhol não se livrou de críticas na 19.ª edição da Marcha da Rota. «Zapatero, onde estás?», foi uma das palavras de ordem ouvidas durante a caminhada.
As organizações promotoras rejeitam ainda que a Espanha se mantenha na NATO e que as bases permaneçam no território do país. E para ficar, segundo dão a entender as obras que decorrem no interior da Base da Rota. Sobre isto, aliás, o novo primeiro-ministro nada disse até ao momento.
Os manifestantes não se ficam pela exigência do fim das bases em Espanha. Além da presença constante e solidária de portugueses na Marcha, que aumenta o âmbito geográfico do protesto, estendendo-o à Base das Lajes, os manifestantes defendem o fim das bases estrangeiras no mundo, num contagiante grito internacionalista, bem expresso numa canção cantada por jovens militantes comunistas espanhóis: «Fora de Cuba, fora da Argentina, yankees fora da América Latina; fora de Rota, fora de Morón, NATO fora do Estado Espanhol.»

Uma pre­sença so­li­dária

Como já vem sendo habitual na Marcha da Rota, os portugueses marcaram uma presença solidária. Vindos dos distritos de Lisboa e Setúbal, cerca de cento e cinquenta portugueses integraram a manifestação fazendo suas as causas da Marcha: «Não à ocupação – Contra a guerra imperialista» era a mensagem do PCP, enquanto que o CPPC assumia que «Bases estrangeiras é imperialismo». Para além destas duas organizações, viajaram ainda de Portugal militantes da JCP e activistas da Paz de vários concelhos dos dois distritos. Na delegação do PCP, seguiam os membros do Comité Central Valdemar Santos, Manuel Gouveia e Pedro Guerreiro, igualmente candidato da CDU às eleições europeias de 13 de Junho.
No final da Marcha, Carlos Mateus, do núcleo do CPPC do Seixal, exigiu aos microfones o fim da ocupação do Iraque e a retirada das tropas portuguesas. Falando perante milhares de pessoas que empunhavam bandeiras vermelhas de partidos e sindicatos, verdes da Andaluzia ou de movimentos ecologistas ou tricolores da República Espanhola – destruída à bomba pelos fascistas de Franco, Hitler e Mussolini –, Carlos Mateus apelou ainda à solução pacífica dos conflitos e ao desarmamento e desmilitarização.
Relativamente ao futuro, há poucas certezas, mas as que existem são firmes. A luta contra a guerra e o imperialismo continuará. Na Rota e em muitos outros locais. Até que deixe de ser preciso.


Mais artigos de: Temas

Muitos são os perigos que espreitam o governo de Lula

O Brasil vive uma experiência inédita na sua história política, de um governo democrata que estabelece uma ampla aliança com forças de esquerda e sectores empresariais. O PCdoB participa no governo e desdobra-se na defesa dos passos governamentais, que nem sempre coincidem com os seus princípios revolucionários mas são reconhecidos como possíveis na actual conjuntura. Não é a primeira vez, nem será a última que, na defesa de um processo revolucionário, os comunistas enfrentam os impasses gerados por alianças democráticas contraditórias nos seus objectivos finais, mas unidas em determinadas circunstâncias históricas.