«Um Filme Falado»
O mestre não necessita de apresentações: trata-se de Manoel de Oliveira, o realizador de cinema com mais anos de actividade na Europa, senão em todo o mundo. Começou aos 28 anos com «Douro, Faina Fluvial», data a partir da qual podemos falar dum cinema moderno português. Depois nunca mais parou, quase que mantendo o ritmo de um filme por ano. Polivalente, não se estreitou ao campo da realização, passando por outras funções como a escrita cinematográfica ou a fotografia. Agora, aos 95 anos, apresentou a sua última obra, um filme assente na narrativa oral: um filme falado.
É um filme onde domina a mulher. Neste firmamento feminino brilham Leonor Silveira, Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli, Irene Papas e a pequena Filipa de Almeida. A história é simples e muito pedagógica: Leonor e a sua filha embarcam num cruzeiro rumo a Bombaim, com interregnos (por esta ordem) em Marselha, Nápoles, Atenas, Istambul e Cairo. Em todas estas cidades, marcos na História das Civilizações, Leonor, que é professora universitária de História em Lisboa, explica à sua jovem filha, Filipa, a história atrás dos monumentos, a história dos povos que nos deixaram estes monumentos. Oliveira privilegia, como o título indicava já, a descrição oral, enquadrando poucas vezes o monumento em questão. É a transmissão oral o suporte nesta comunicação entre gerações. A palavra falada como meio descritivo numa arte fortemente visual como é o cinema. Estará o velho Oliveira a querer ensinar-nos alguma coisa?
Outro pormenor interessante: Leonor protege-se sempre das investidas, sempre demasiado subtis, dos personagens masculinos do filme. Diz sempre que é casada, que vai ter com o seu marido, piloto da aviação civil, a Bombaim, para depois partir de férias. Talvez reminiscências do seu papel em «Vale Abrãao» onde interpretava uma Madame Bovary portuguesa ou uma vontade de provar a sua inocência e fidelidade à sua pequena filha. O filme é rico e o seu fim imprevisível, provando (como se fosse ainda necessário) que a criatividade e a mensagem de Manoel de Oliveira ainda não se esgotaram. Um sinal de vitalidade que nos fortalece e nos revigora, ao mesmo tempo que nos deixa entrever, quiçá, uma aprendizagem sempre constante, uma vida sempre pronta a ser descoberta. Mas perco-me.
Civilização
Em todas as cidades onde o barco pára, Leonor explica um pouco os sinais de certas civilizações: em Marselha mergulhamos na origem da cidade, em Nápoles entristecemo-nos com Pompeia e as suas ruínas, em Atenas maravilhamo-nos com os templos gregos, em Istambul a bela mesquita e antiga igreja surpreende-nos, e no Cairo admiramos o esforço da construção das grandes pirâmides. Bem estruturado, em todos os locais acompanham-nos personagens novos que ajudam, a nós espectadores e à pequena Filipa, ao envolvimento com a paisagem e os seus traços característicos. É toda a história da bacia mediterrânica que nos é contada através das obras deixados pelas civilizações, mas que também não nos deixa fugir do facto de que todas essas civilizações eram imperfeitas e, por isso, foram destruídas pelo correr dos tempos, seja através de intervenções humanas, seja através de catástrofes naturais (Pompeia), mesmo que estas últimas tenham sido contextualizadas na decadência de uma época.
Depois de Cairo, uma conversa à mesa do comandante do barco reúne as três divas de Oliveira, uma cantora grega, uma actriz italiana e uma mulher de negócios francesa, como que três símbolos. Numa conversa a quatro línguas (o comandante fala inglês), uma pequena síntese crítica de toda a viagem surge à tona, destacando-se o abismo cada vez mais significativo entre o Norte e o Sul, entre os ricos e os pobres, entre o capital e os trabalhadores E, dizemos nós, entre a verdadeira esquerda e a única direita, politicamente falando. A conversa é rematada com uma canção tradicional grega cantada por Irene Papas. Depois, o fim surge com um clarão. E um plano fixo enquadra a face do comandante iluminada pelo fogo e o fim da canção grega ressurge: o vento do Norte sopra mais fraco. Leonor e Filipa morreram. Deixaremos também nós morrer a Inocência?
É um filme onde domina a mulher. Neste firmamento feminino brilham Leonor Silveira, Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli, Irene Papas e a pequena Filipa de Almeida. A história é simples e muito pedagógica: Leonor e a sua filha embarcam num cruzeiro rumo a Bombaim, com interregnos (por esta ordem) em Marselha, Nápoles, Atenas, Istambul e Cairo. Em todas estas cidades, marcos na História das Civilizações, Leonor, que é professora universitária de História em Lisboa, explica à sua jovem filha, Filipa, a história atrás dos monumentos, a história dos povos que nos deixaram estes monumentos. Oliveira privilegia, como o título indicava já, a descrição oral, enquadrando poucas vezes o monumento em questão. É a transmissão oral o suporte nesta comunicação entre gerações. A palavra falada como meio descritivo numa arte fortemente visual como é o cinema. Estará o velho Oliveira a querer ensinar-nos alguma coisa?
Outro pormenor interessante: Leonor protege-se sempre das investidas, sempre demasiado subtis, dos personagens masculinos do filme. Diz sempre que é casada, que vai ter com o seu marido, piloto da aviação civil, a Bombaim, para depois partir de férias. Talvez reminiscências do seu papel em «Vale Abrãao» onde interpretava uma Madame Bovary portuguesa ou uma vontade de provar a sua inocência e fidelidade à sua pequena filha. O filme é rico e o seu fim imprevisível, provando (como se fosse ainda necessário) que a criatividade e a mensagem de Manoel de Oliveira ainda não se esgotaram. Um sinal de vitalidade que nos fortalece e nos revigora, ao mesmo tempo que nos deixa entrever, quiçá, uma aprendizagem sempre constante, uma vida sempre pronta a ser descoberta. Mas perco-me.
Civilização
Em todas as cidades onde o barco pára, Leonor explica um pouco os sinais de certas civilizações: em Marselha mergulhamos na origem da cidade, em Nápoles entristecemo-nos com Pompeia e as suas ruínas, em Atenas maravilhamo-nos com os templos gregos, em Istambul a bela mesquita e antiga igreja surpreende-nos, e no Cairo admiramos o esforço da construção das grandes pirâmides. Bem estruturado, em todos os locais acompanham-nos personagens novos que ajudam, a nós espectadores e à pequena Filipa, ao envolvimento com a paisagem e os seus traços característicos. É toda a história da bacia mediterrânica que nos é contada através das obras deixados pelas civilizações, mas que também não nos deixa fugir do facto de que todas essas civilizações eram imperfeitas e, por isso, foram destruídas pelo correr dos tempos, seja através de intervenções humanas, seja através de catástrofes naturais (Pompeia), mesmo que estas últimas tenham sido contextualizadas na decadência de uma época.
Depois de Cairo, uma conversa à mesa do comandante do barco reúne as três divas de Oliveira, uma cantora grega, uma actriz italiana e uma mulher de negócios francesa, como que três símbolos. Numa conversa a quatro línguas (o comandante fala inglês), uma pequena síntese crítica de toda a viagem surge à tona, destacando-se o abismo cada vez mais significativo entre o Norte e o Sul, entre os ricos e os pobres, entre o capital e os trabalhadores E, dizemos nós, entre a verdadeira esquerda e a única direita, politicamente falando. A conversa é rematada com uma canção tradicional grega cantada por Irene Papas. Depois, o fim surge com um clarão. E um plano fixo enquadra a face do comandante iluminada pelo fogo e o fim da canção grega ressurge: o vento do Norte sopra mais fraco. Leonor e Filipa morreram. Deixaremos também nós morrer a Inocência?