Os casamentos de interesses
Pio XI morreu em 1939, pouco antes do eclodir da II Guerra Mundial.
No termo do conflito, após seis anos de destruições maciças, o panorama era confrangedor. Podia sintetizar-se desta maneira: uma Europa social e economicamente destroçada; e duas potências mundiais – os EUA e o Vaticano - em plena prosperidade.
Nos Estados Unidos vivia-se uma abastança só possível por não ter sido o país atingido pelas devastações da guerra; por beneficiar dos caudais de conhecimentos trazidos pelas elites de cientistas formados na Europa; por ter acesso a matérias-primas pagas a baixos custos; e por constituir um santuário financeiro procurado pelas fortunas em fuga de quatro continentes.
O Vaticano prosperava por idênticas razões: fora sistematicamente poupado pelos beligerantes e o Banco do Santo Espírito recebia torrentes de dinheiro alimentadas pelo oiro nazi roubado nos países ocupados; pelo oiro judeu fugido ao saque nazi; pelo oiro espanhol expatriado durante a guerra civil; e pelo oiro que de todo a parte (dos países convulsionados pelas lutas de classes, dos investimentos a que as descolonizações e as nacionalizações aterrorizavam ou dos lucros inimagináveis gerados pelos mercados negros e que era preciso branquear) procuravam nos cofres eclesiásticos santuários seguros.
É certo que entre os dois pólos do poder capitalista se tinham revelado alguns desentendimentos. Era preciso equilibrar tendências. Cedo, também, essas arestas foram limadas. Esmagaram-se os focos de resistência da esquerda (intervenção armada na Grécia, exclusão dos partidos comunistas, macartismo, etc.). A Guerra Fria – a mais gigantesca montagem de guerra arquitectada pelo homem – motivou a corrida aos armamentos, a asfixia tecnológica e económica dos estados não capitalistas e os efeitos demolidores da propaganda e da corrupção. As revoltas populares tornaram-se, para o poder capitalista, meros casos de polícia. Movimentos, como os da Teologia da Libertação ou dos Camponeses sem Terra, foram asfixiados. Os povos do Terceiro Mundo viram-se abandonados à sua sorte pela nova ordem nascente.
Vaticano e capitalismo
Para cá do muro de Berlim, todas as estruturas de direcção caíam, sistematicamente, sob o controlo das forças da Democracia Cristã ou dos partidos neoliberais cuja ascensão meteórica se afirmava, sobretudo nos EUA. Grandes áreas do Estado foram entregues aos grandes monopólios, aos fundamentalismos religiosos e aos «lobbies» da especulação financeira; adensou-se a nuvem das palavras tóxicas, vazias de sentido real, como liberdade, democracia, igualdade, reconciliação, compaixão, fraternidade, sociedade civi; e expandiu-se a economia de mercado. O Opus Dei era já então um berço da globalização.
Do outro lado do Atlântico, crescia um novo mito. Contava-se que o império nazi fora derrotado, não pelos povos europeus mas pela generosa e irresistível intervenção norte-americana. Os soldados dos EUA - tal como a nação americana - tinham sido formados através de uma fusão de ideais gerados no mesmo cadinho (o melting pot), numa pátria que era fonte das liberdades, do sucesso, da paz, da riqueza, dos direitos - e líder natural da humanidade futura. Promovia-se, assim, a identidade de imagem entre o messianismo judaico-católico (a tese do povo separado) e o ultra-nacionalismo norte-americano (a nação predestinada). O casamento de interesses estreitou-se rapidamente. Tinha comparsas naturais bem definidos: o Papa (socializado em termos de valores humanos) e o presidente dos Estados Unidos da América do Norte (divinizado como condutor dos povos). Quando, na segunda metade dos anos 80 e na sequência da falência fraudulenta do Banco Ambrosiano, o Vaticano privatizou a gestão dos seus recursos financeiros e a entregou a uma comissão recrutada entre a alta esfera monopolista mundial, tudo ficou finalmente consumado. Vaticano e capitalismo passaram a ser um só. Afinadas as estratégias, coordenadas as forças disponíveis, aproveitadas as operações já lançadas (Solidariedade, Perestroika, Reunificação alemã), a união de facto alcançou enormes sucessos. O Papa ascendeu a herói da pacificação cristã e dos direitos humanos. Os EUA puderam expandir, livremente, o seu imperalismo e as suas políticas da globalização.
No termo do conflito, após seis anos de destruições maciças, o panorama era confrangedor. Podia sintetizar-se desta maneira: uma Europa social e economicamente destroçada; e duas potências mundiais – os EUA e o Vaticano - em plena prosperidade.
Nos Estados Unidos vivia-se uma abastança só possível por não ter sido o país atingido pelas devastações da guerra; por beneficiar dos caudais de conhecimentos trazidos pelas elites de cientistas formados na Europa; por ter acesso a matérias-primas pagas a baixos custos; e por constituir um santuário financeiro procurado pelas fortunas em fuga de quatro continentes.
O Vaticano prosperava por idênticas razões: fora sistematicamente poupado pelos beligerantes e o Banco do Santo Espírito recebia torrentes de dinheiro alimentadas pelo oiro nazi roubado nos países ocupados; pelo oiro judeu fugido ao saque nazi; pelo oiro espanhol expatriado durante a guerra civil; e pelo oiro que de todo a parte (dos países convulsionados pelas lutas de classes, dos investimentos a que as descolonizações e as nacionalizações aterrorizavam ou dos lucros inimagináveis gerados pelos mercados negros e que era preciso branquear) procuravam nos cofres eclesiásticos santuários seguros.
É certo que entre os dois pólos do poder capitalista se tinham revelado alguns desentendimentos. Era preciso equilibrar tendências. Cedo, também, essas arestas foram limadas. Esmagaram-se os focos de resistência da esquerda (intervenção armada na Grécia, exclusão dos partidos comunistas, macartismo, etc.). A Guerra Fria – a mais gigantesca montagem de guerra arquitectada pelo homem – motivou a corrida aos armamentos, a asfixia tecnológica e económica dos estados não capitalistas e os efeitos demolidores da propaganda e da corrupção. As revoltas populares tornaram-se, para o poder capitalista, meros casos de polícia. Movimentos, como os da Teologia da Libertação ou dos Camponeses sem Terra, foram asfixiados. Os povos do Terceiro Mundo viram-se abandonados à sua sorte pela nova ordem nascente.
Vaticano e capitalismo
Para cá do muro de Berlim, todas as estruturas de direcção caíam, sistematicamente, sob o controlo das forças da Democracia Cristã ou dos partidos neoliberais cuja ascensão meteórica se afirmava, sobretudo nos EUA. Grandes áreas do Estado foram entregues aos grandes monopólios, aos fundamentalismos religiosos e aos «lobbies» da especulação financeira; adensou-se a nuvem das palavras tóxicas, vazias de sentido real, como liberdade, democracia, igualdade, reconciliação, compaixão, fraternidade, sociedade civi; e expandiu-se a economia de mercado. O Opus Dei era já então um berço da globalização.
Do outro lado do Atlântico, crescia um novo mito. Contava-se que o império nazi fora derrotado, não pelos povos europeus mas pela generosa e irresistível intervenção norte-americana. Os soldados dos EUA - tal como a nação americana - tinham sido formados através de uma fusão de ideais gerados no mesmo cadinho (o melting pot), numa pátria que era fonte das liberdades, do sucesso, da paz, da riqueza, dos direitos - e líder natural da humanidade futura. Promovia-se, assim, a identidade de imagem entre o messianismo judaico-católico (a tese do povo separado) e o ultra-nacionalismo norte-americano (a nação predestinada). O casamento de interesses estreitou-se rapidamente. Tinha comparsas naturais bem definidos: o Papa (socializado em termos de valores humanos) e o presidente dos Estados Unidos da América do Norte (divinizado como condutor dos povos). Quando, na segunda metade dos anos 80 e na sequência da falência fraudulenta do Banco Ambrosiano, o Vaticano privatizou a gestão dos seus recursos financeiros e a entregou a uma comissão recrutada entre a alta esfera monopolista mundial, tudo ficou finalmente consumado. Vaticano e capitalismo passaram a ser um só. Afinadas as estratégias, coordenadas as forças disponíveis, aproveitadas as operações já lançadas (Solidariedade, Perestroika, Reunificação alemã), a união de facto alcançou enormes sucessos. O Papa ascendeu a herói da pacificação cristã e dos direitos humanos. Os EUA puderam expandir, livremente, o seu imperalismo e as suas políticas da globalização.