Uma tremenda trapaça (1)

Os «jovens turcos»

Recentemente decorreu em Lisboa uma iniciativa formalmente encabeçada por um grupo de empresários, gestores e agentes económicos em geral, em cuja bandeira se inscreve a divisa COMPROMISSO PORTUGAL. Cabe aos analistas da política e da economia examinarem as verdadeiras ambições que animam este grupo e o poderão ligar, em rede (como agora se diz), a movimentações paralelas que um pouco por toda a parte estão a ser lançadas. O fundo desta questão é complexo. Há uma nova geração patronal que ascende ao poder. Formados em escolas altamente especializadas, os «jovens turcos» capitalistas descrevem-se a si próprios como dinamizadores de uma sociedade civil que cultiva a ruptura com o antigo regime (capitalista). Trata-se de uma facção apoiada em poderosos recursos que considera não ser de admitir a lentidão com que o Estado (executivo/legislativo/presidencial) vai executando as ordens das centrais do capital monopolista. As leis devem respeitar os interesses superiores das elites. Com celeridade e eficiência. Se a Constituição e a legislação em vigor constituírem empecilho, então rasgam-se as leis e vai-se em frente. Depois se verá. É esta filosofia política do facto consumado (um subproduto ideológico) que anima os grandes empresários e os especialistas do capital financeiro. A forma de fazer as coisas levanta, porém, algumas resistências entre as alas conservadoras, laicas e de confissão. Há unidade, em relação aos objectivos políticos e económicos a atingir. Mas também diferenças, quanto ao estilo da acção.
Neste espaço reservado às religiões convirá, naturalmente, privilegiar os aspectos que põem em evidência o que há de comum entre a organização económica e financeira do bloco empresarial católico e as imposições que a fase terminal do imperialismo coloca. Os Cruzados do Beato podem oferecer vasto campo de reflexão. São revolucionários, em relação ao universo fechado do grande capital. Contra-revolucionários que procuram assumir-se como vanguarda jovem do imperialismo. Nacionalistas que entregam a nação aos estrangeiros.
O aspecto inicial que mais denuncia a presença da igreja nesta proposta de acção denuncia-se na relação sistemática entre a linha familiar/empresarial dos principais protagonistas destas movimentações e o posicionamento de liderança que ocupam nas elites da nova vaga iuppie. A estrutura de direcção do movimento nascido no Beato procura dar às ambições do poder político, do poder económico e da igreja do Vaticano, uma só chefia e um único eixo principal de ataque. Agora e para já. Percebe-se isto claramente no enunciado dos objectivos e na plástica do discurso. Traço comum a todos os parágrafos é a referência à sociedade civil, como ponto de partida e base do futuro desenvolvimento da ofensiva capitalista. Os grupos económicos tradicionais com origem familiar (os Mellos, os Espírito Santo, os Champalimaud, etc.) continuam bem presentes, mas aprenderam a ocultar-se atrás de intrincadas redes de lobbies mutantes onde se cruzam, descruzam, se fundem ou desfazem, interesses financeiros monumentais. Têm, porém, dificuldades em renunciarem ao seu protagonismo em benefício de incertos projectos de globalização. Por outro lado, as hierarquias religiosas olham com despeito a necessidade de se subordinarem à melhor preparação para a vida revelada pelas elites tecnológicas. Tudo é agora planeado pela informática e pelo controlo das bolsas de valores. E é à igreja que cumprirá em grande parte alimentar os fluxos da revolução tecnológica permanente, as bases do ensino e da saúde, da educação pré-escolar e, sobretudo, a modorra das massas sociais. São estes os ingredientes que se combinam, em quantidades q.b. nos documentos finais desta arrancada do Compromisso Portugal. Há ali de tudo um pouco. Do golpe de misericórdia no sector empresarial do Estado, às bases de privatização da Administração Pública ou à clara alusão à necessidade de corporativização das empresas públicas. De como destruir o Serviço Nacional de Saúde. Ou como regressar ao fascismo através dos códigos democráticos.
«Agora que uma nova geração de políticos chega ao poder é importante que uma nova geração de empresários, gestores e académicos da área económica assuma as suas responsabilidades.»


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