Ai, a semântica!

Francisco Silva
É um facto conhecido que o significado de muitos termos por nós utilizados pode conhecer grandes variações de acordo com os contextos em que são empregues. Assim acontece com o uso de termos – e tantas vezes o podemos percepcionar também como um abuso – como, por exemplo, o de sociedade da informação ou, em tempos mais recentes, o de sociedade do conhecimento.
E o certo é, desde que existem sociedades, estas funcionarem por haver informação e conhecimento e, já agora, também existir saber fazer. Então, sendo as coisas assim, por que razão só agora, à medida que vamos ficando mais e mais saturados de informação que nos é fornecida por toda a artilharia tecnológica actual, por que razão só agora, dizia, passou a ser referido um pouco por toda a parte que se está a construir a sociedade da informação? Ou a sociedade do conhecimento?
Talvez a resposta mais fácil seja a de que pretendem fazer-nos crer numa nova ordem utópica, ao mesmo tempo que iríamos abandonando a esperança na sociedade socialista. Uma crença utópica faz sempre jeito. Levar-nos a crer que a mudada sociedade capitalista seria a da informação, a do conhecimento. Algo até a cheirar mesmo a emancipação final. Exploração do homem pelo homem, luta de classes, conceitos que seriam obsoletos. Só estaria aí o perigo da fractura digital, da info-exclusão, mas a esta só não escapariam os que não quisessem adaptar-se aos tempos novos.
É claro que o perigo de estas manobras de diversão e de manipulação atingirem os seus fins e a necessidade do combate para o conjurar são questões a dever estar sempre presentes nas nossas preocupações. Contudo, não deverão estas mais que legítimas preocupações obnubilar a nossa visão para a importância das novas realidades trazidas no seu bojo pelo rompante inovador das tecnologias da informação e comunicação. E com que ainda não experimentada rapidez! Por favor, não subestimeis os seus efeitos, quer ao nível de desenvolvimento das forças produtivas, varridas em toda a sua extensão – de ponta a ponta, de sector a sector, incluindo agricultura, industria, serviços –, quer na forma como estamos a ficar imersos na situação comunicacional resultante do império dos meios de comunicação eléctricos (electrónicos), como se lhes referiu McLuhan – e chamou assim, ainda a história da televisão percorria as suas primeiras etapas…
E por que vêm agora ao de cima as expressões sociedade da informação e sociedade do conhecimento? - tornemos então à nossa pergunta, sem, no entanto, termos de esquecer a primeira resposta já dada. Por que não aceitar a explicação pela via dos impactos das tecnologias das tecnologias da informação e comunicação?
É porque, ao falar de impactos – e fazendo agora também o autor deste escrito alguma autocrítica1 –, parece estarmos a considerar a tecnologia (e a ciência) como algo exterior às sociedades em que vivemos? Isto, quando, na realidade – afinal –, a «ciência» e a tecnologia e a ciência são «produtos» endógenos dessas sociedades, próprios do seu viver, incluindo o viver dos indivíduos que as compõem. Já alguma vez se imaginou como teria sido possível o constituir do género humano, e da nossa espécie, se a tecnologia – a da pedra, a do fogo, a dos metais, a roda, as da informação e da comunicação (fumos, tantans, meios de comunicação electrónicos), etc. –, se o seu próprio princípio não viesse já com o seu berço?

Reacertado o caminho, vamos por aqui

Pois, ela aí está por toda a parte, a informação mediada pelas actuais tecnologias da informação e comunicação, a informação que nos vem por elas. É ela a informação que existe e circula nos sistemas dos processos de produção, que a utilizam em tantos casos sem necessidade de intervenção do operador humano. É ela também, e sobretudo, a informação que nos traz – às pessoas - sinais directos sobre as realidades que observamos, ou a informação que nos simula a realidade como um mapa, ou ainda a informação que se constitui em objecto reproduzido do objecto ou acontecimento que a originou (o futebolista a morrer outra e outra vez).
Sabido é também toda esta presença conduzir a falar em sociedade da informação. Mas é ainda o ir enquadrando a informação na nossa experiência, é o ela ir contribuindo para o construir e reconstruir do conhecimento que utilizamos na acção – numa acção querida cada vez mais eficaz e eficiente – que vai empurrando para a referência a uma sociedade do conhecimento.

1) Com efeito o seu livro «Fronteiras do Futuro» (Caminho, 1994) tem como assunto os impactos da revolução científica e tecnológica.


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