Homenagem ao rigor
Tive um Professor de Electrotecnia no Instituto Superior Técnico - no «Técnico» -, o Professor Moncada, muito apreciado e, na altura - estava-se então na segunda metade dos falados anos 60 -, já não muito longe da sua Jubilação/Aposentação. Este Professor, por ocasião da sua última lição - a nós - deixou-nos, como que em testamento, a preocupação do rigor. E posso sem dificuldade imaginar que seria seu o hábito de actuar sempre desse modo - na defesa da prática do rigor - no final de cada ano. Assim mesmo, para com os estudantes que iam deixar a sua cadeira.
Antes de continuar com o tema do rigor e a razão pela qual ele é chamado aqui à colação, quero destacar a pouco comum posição cívica assumida então pelo Professor Moncada perante os estudantes quando o então Ministro da Educação Hermano Saraiva mandou encerrar o Técnico no ano lectivo 68-69. Os estudantes e a direcção do seu movimento, até pelas circunstâncias que se viviam, tinham focado as suas reivindicações em questões muito concretas, aliás descritas com grande clareza sob a forma de reivindicações. O Professor, ao receber a comissão de estudantes que o aproximou a propósito da situação - a generalidade dos professores recebeu igual tratamento -, indagou se a luta em curso não se preocupava também com questões mais latas que as contempladas pelas reivindicações. Queria ele referir-se, procurando talvez alguma cumplicidade, à oposição política. Palpite, o dele, que foi confirmado por quem o tinha procurado.
Fechado o parêntesis sobre a solidariedade assumida por um Professor de tanto prestígio - também para o situar, por razões de devida memória -, a qual não obstante a discrição com que foi expressa foi assumida com a clareza suficiente, voltemos então à questão do rigor.
Esta questão do rigor foi-me recordada agora por um texto que escrevi há pouco e no qual o rigor foi um pouco deixado de lado numa conclusão algo apressada - a qual estou inclinado a intuir que estará correcta, mas necessita de mais demonstração apoiada em dados mais detalhados. Ninguém me chamou ainda à atenção, até porque o texto não tinha ainda sido publicado na altura em que escrevo este texto. Mas, mais do que alterá-lo pareceu-me adequado - do ponto de vista da comunicação - mantê-lo como tal e criticá-lo!
Estou a referir-me à rapidez com que, a partir de um estudo de Eugénio Rosa que mostra terem os jovens empresários portugueses um índice de qualificação escolar e profissional muito baixo - o que é rigoroso afirmar -, para além de mostrar parecerem, os mesmos jovens patrões, que reconhecem a necessidade de possuir uma mais elevada qualificação (com efeito, aparecem num ápice quase todos como quadros superiores quando passam a patrões) - o que também é rigoroso afirmar -, à rapidez, dizia, com que daí terei conduzido a exposição para a conclusão de que «os mesmos» não reconhecem as habilitações dos seus trabalhadores - o que já não é rigoroso afirmar.
Com efeito, é rigoroso dizer-se, a partir dos dados do referido estudo, que os patrões portugueses em geral - e isto, analisando os quadros dos empregados das suas empresas - não reconhecem as habilitações dos seus trabalhadores. O que não será rigoroso é, dos mesmos dados, inferir-se que os jovens patrões também não as não reconhecem. Haveria que autonomizar os respectivos números. E então poderíamos concluir se os jovens patrões seguem neste particular a generalidade dos patrões ou se têm algum novo comportamento.
Caso os novos patrões seguissem uma nova via, a de reconhecerem as habilitações dos profissionais que empregam, concordo que seria um bom sinal. Quer dizer, reconhecendo esta necessidade estariam em consonância com o facto de a terem também «reconhecido» para si próprios, se bem que, como se disse, é no mínimo estranho como grande parte deles, num ápice, ganham galões de habilitações que não possuíam, em particular as de quadro superior!
No caso de manterem o padrão antigo, isto é, o de não reconhecerem as reais habilitações dos seus colaboradores - colaboradores, como agora se usa dizer -, então impõe-se a minha estranheza, expressa no tal texto passado, perante o facto de, em simultâneo, quererem mostrar as «suas» habilitações e não reconhecerem as dos que eles empregam!
E não há ser mais rigoroso ou menos rigoroso. Por outro lado, acontece muitas vezes, confundir-se rigor com precisão, é certo. O que, em si, já será uma falta de rigor. Mas isso são outros contos. Quanto ao ser rigoroso parece-me: ou se procura sê-lo, ou não. E só tenho a agradecer ao Professor Moncada o ter-nos, e ter-me, incutido tal preocupação.
Antes de continuar com o tema do rigor e a razão pela qual ele é chamado aqui à colação, quero destacar a pouco comum posição cívica assumida então pelo Professor Moncada perante os estudantes quando o então Ministro da Educação Hermano Saraiva mandou encerrar o Técnico no ano lectivo 68-69. Os estudantes e a direcção do seu movimento, até pelas circunstâncias que se viviam, tinham focado as suas reivindicações em questões muito concretas, aliás descritas com grande clareza sob a forma de reivindicações. O Professor, ao receber a comissão de estudantes que o aproximou a propósito da situação - a generalidade dos professores recebeu igual tratamento -, indagou se a luta em curso não se preocupava também com questões mais latas que as contempladas pelas reivindicações. Queria ele referir-se, procurando talvez alguma cumplicidade, à oposição política. Palpite, o dele, que foi confirmado por quem o tinha procurado.
Fechado o parêntesis sobre a solidariedade assumida por um Professor de tanto prestígio - também para o situar, por razões de devida memória -, a qual não obstante a discrição com que foi expressa foi assumida com a clareza suficiente, voltemos então à questão do rigor.
Esta questão do rigor foi-me recordada agora por um texto que escrevi há pouco e no qual o rigor foi um pouco deixado de lado numa conclusão algo apressada - a qual estou inclinado a intuir que estará correcta, mas necessita de mais demonstração apoiada em dados mais detalhados. Ninguém me chamou ainda à atenção, até porque o texto não tinha ainda sido publicado na altura em que escrevo este texto. Mas, mais do que alterá-lo pareceu-me adequado - do ponto de vista da comunicação - mantê-lo como tal e criticá-lo!
Estou a referir-me à rapidez com que, a partir de um estudo de Eugénio Rosa que mostra terem os jovens empresários portugueses um índice de qualificação escolar e profissional muito baixo - o que é rigoroso afirmar -, para além de mostrar parecerem, os mesmos jovens patrões, que reconhecem a necessidade de possuir uma mais elevada qualificação (com efeito, aparecem num ápice quase todos como quadros superiores quando passam a patrões) - o que também é rigoroso afirmar -, à rapidez, dizia, com que daí terei conduzido a exposição para a conclusão de que «os mesmos» não reconhecem as habilitações dos seus trabalhadores - o que já não é rigoroso afirmar.
Com efeito, é rigoroso dizer-se, a partir dos dados do referido estudo, que os patrões portugueses em geral - e isto, analisando os quadros dos empregados das suas empresas - não reconhecem as habilitações dos seus trabalhadores. O que não será rigoroso é, dos mesmos dados, inferir-se que os jovens patrões também não as não reconhecem. Haveria que autonomizar os respectivos números. E então poderíamos concluir se os jovens patrões seguem neste particular a generalidade dos patrões ou se têm algum novo comportamento.
Caso os novos patrões seguissem uma nova via, a de reconhecerem as habilitações dos profissionais que empregam, concordo que seria um bom sinal. Quer dizer, reconhecendo esta necessidade estariam em consonância com o facto de a terem também «reconhecido» para si próprios, se bem que, como se disse, é no mínimo estranho como grande parte deles, num ápice, ganham galões de habilitações que não possuíam, em particular as de quadro superior!
No caso de manterem o padrão antigo, isto é, o de não reconhecerem as reais habilitações dos seus colaboradores - colaboradores, como agora se usa dizer -, então impõe-se a minha estranheza, expressa no tal texto passado, perante o facto de, em simultâneo, quererem mostrar as «suas» habilitações e não reconhecerem as dos que eles empregam!
E não há ser mais rigoroso ou menos rigoroso. Por outro lado, acontece muitas vezes, confundir-se rigor com precisão, é certo. O que, em si, já será uma falta de rigor. Mas isso são outros contos. Quanto ao ser rigoroso parece-me: ou se procura sê-lo, ou não. E só tenho a agradecer ao Professor Moncada o ter-nos, e ter-me, incutido tal preocupação.