Opiniões de um comunista sobre o «combate à pobreza» (1)
Vários índices recentemente divulgados pela União Europeia chamaram a atenção da opinião pública para a degradação sistemática da pobreza em Portugal. 23% da população (2 milhões e trezentos mil cidadãos) dispõem de recursos inferiores a 60% do rendimento médio nacional, isto é, recebem mensalmente cerca de 275 euros ou até 50 contos antigos. Inversamente, cresceram os lucros dos capitais especulativos. O fosso que separa a pobreza e a riqueza não cessa de aumentar. Portugal passou a ocupar a nada invejável posição de primeiro entre os países europeus com maiores níveis de pobreza e de exclusão social. O ranking estatístico publicado pela UE nem sequer foi contestado, ainda que num ou noutro aspecto se pudessem questionar critérios de classificação nele utilizados. Como é o caso da quantificação genérica da pobreza. Afirmava, já lá vão 11 anos, o economista Sérgio Ribeiro (Sábado, 11.6.92): «A pobreza vai muito além das situações de miserabilidade (pobreza absoluta), assumindo formas diferentes que se desenvolvem dentro de determinados níveis de vida (pobreza relativa). Para se medir a pobreza absoluta, tem-se como critério o rendimento ou despesa dos agregados familiares, enquanto que para se definir a pobreza relativa utiliza-se como referência um padrão de rendimento médio da sociedade que pode oscilar, para mais ou para menos, 50% daquele montante. São muito complexas as questões relativas ao nível de vida. Não parece existir uma definição que seja universalmente aceite porque, aliás, as disparidades são muitas. Ainda se discute, actualmente, se o critério de referência deve ser a disponibilidade de recursos económicos ou a satisfação das necessidades.»
Por aqui se vê como são flutuantes - mesmo quando mais dramáticas as circunstâncias se revelam- os critérios de medida da pobreza. Em termos estatísticos, Portugal lidera os pobres da Europa. Mas em valores reais somando aos que recebem pouco os que nada recebem e vivem da caridade alheia, os níveis de pobreza, de miséria e de exclusão social que é possível detectar, como simples índices do nosso país real, são apenas parcelas de uma muito mais dolorosa adição colectiva. Pensemos simplesmente nos imigrantes clandestinos, nos desempregados oficialmente não inscritos, nos trabalhadores que ora têm colocação como a não têm, nos velhos, nos deficientes, nos analfabetos, nas famílias monoparentais, nos explorados com baixos salários, nos moradores em casas degradadas, nos alunos das escolas sem condições de ensino, nos doentes a quem falta assistência clínica e medicamentosa, nos acamados ou nos habitantes do interior do país privados de estradas, de saneamento ou de transportes. Todos eles pouco ou nada pesam na estatística. O poder ignora-os. Mas não deixam de integrar a vasta comunidade portuguesa dos pobres.
É evidente que a avaliação desta terrível realidade tem de apoiar-se em números aproximados, friamente interpretados. Mas não é menos certo que a ineficácia da luta contra a pobreza e a exclusão social resulta dos retrocessos políticos e dos compromissos aberrantes que o poder dominante sistematicamente oculta. É aquilo a que beatificamente se chama falta de vontade política e se esconde sob a capa das boas intenções. Como esquecer que o lugar de liderança negativa que Portugal ocupa na Europa dos Pobres ocorre trinta anos passados sobre uma Revolução que prometia, a todos os portugueses, o pão e a paz? E que sentido faz falar-se em luta contra a pobreza como se esta fosse uma entidade em si mesma e não a consequência catastrófica das políticas e dos conceitos que importa combater e eliminar? Merecerá a pena abordar-se a questão do combate à pobreza, a partir de sucessivas tentativas de descodificação dos mitos que disfarçam as suas raízes profundas. Marx referia, a propósito da forma característica da acumulação capitalista: «A pauperização é (...) uma condição de existência da riqueza capitalista. Conta-se entre os falsos encargos da produção capitalista, encargos que, aliás, na sua esmagadora maioria, o capital sabe como descarregar sobre as costas da classe operária e da classe média baixa... há uma correlação fatal entre a acumulação da riqueza e a miséria.» (O Capital, Sétima Secção, Cap. XXV.)
Por aqui se vê como são flutuantes - mesmo quando mais dramáticas as circunstâncias se revelam- os critérios de medida da pobreza. Em termos estatísticos, Portugal lidera os pobres da Europa. Mas em valores reais somando aos que recebem pouco os que nada recebem e vivem da caridade alheia, os níveis de pobreza, de miséria e de exclusão social que é possível detectar, como simples índices do nosso país real, são apenas parcelas de uma muito mais dolorosa adição colectiva. Pensemos simplesmente nos imigrantes clandestinos, nos desempregados oficialmente não inscritos, nos trabalhadores que ora têm colocação como a não têm, nos velhos, nos deficientes, nos analfabetos, nas famílias monoparentais, nos explorados com baixos salários, nos moradores em casas degradadas, nos alunos das escolas sem condições de ensino, nos doentes a quem falta assistência clínica e medicamentosa, nos acamados ou nos habitantes do interior do país privados de estradas, de saneamento ou de transportes. Todos eles pouco ou nada pesam na estatística. O poder ignora-os. Mas não deixam de integrar a vasta comunidade portuguesa dos pobres.
É evidente que a avaliação desta terrível realidade tem de apoiar-se em números aproximados, friamente interpretados. Mas não é menos certo que a ineficácia da luta contra a pobreza e a exclusão social resulta dos retrocessos políticos e dos compromissos aberrantes que o poder dominante sistematicamente oculta. É aquilo a que beatificamente se chama falta de vontade política e se esconde sob a capa das boas intenções. Como esquecer que o lugar de liderança negativa que Portugal ocupa na Europa dos Pobres ocorre trinta anos passados sobre uma Revolução que prometia, a todos os portugueses, o pão e a paz? E que sentido faz falar-se em luta contra a pobreza como se esta fosse uma entidade em si mesma e não a consequência catastrófica das políticas e dos conceitos que importa combater e eliminar? Merecerá a pena abordar-se a questão do combate à pobreza, a partir de sucessivas tentativas de descodificação dos mitos que disfarçam as suas raízes profundas. Marx referia, a propósito da forma característica da acumulação capitalista: «A pauperização é (...) uma condição de existência da riqueza capitalista. Conta-se entre os falsos encargos da produção capitalista, encargos que, aliás, na sua esmagadora maioria, o capital sabe como descarregar sobre as costas da classe operária e da classe média baixa... há uma correlação fatal entre a acumulação da riqueza e a miséria.» (O Capital, Sétima Secção, Cap. XXV.)