O equilíbrio

Natacha Amaro
Na sessão plenária da Convenção da semana passada, foi entregue um documento subscrito pelos representantes de vários Estados (seis membros e dez candidatos à União Europeia) com o título: «Reforma das Instituições: Princípios e postulados». Denominado pela imprensa como o «Documento dos 16», esta proposta assume-se como um conjunto de orientações gerais comuns sobre os princípios básicos e premissas que deverão estar subjacentes à reforma das instituições da União Europeia. O Estado português, pela mão e, segundo se fez saber, com a forte influência do seu representante, foi um dos subscritores deste documento que pretende ser um ponto de equilíbrio entre os chamados «Estados grandes» e «Estados pequenos» da União. Na verdade, ao analisar brevemente o contributo entregue, rapidamente se fica com a sensação de que este não é mais do que um grito desesperado (e, talvez, tardio) de um grupo de países que se vê atropelado pelos seus grandes parceiros comunitários.
O Documento dos 16 estabelece uma série de princípios-chave gerais em que se destacam: a preservação do equilíbrio institucional entre Conselho, Comissão e PE, a não criação de novas instituições, a igualdade entre os Estados Membros e a abertura e transparência entre as instituições. No entanto, os pontos que levantaram um maior alvoroço prendem-se com o reforço do papel da Comissão e a manutenção da rotatividade das presidências, contrariando abertamente as intenções e propostas dos países ditos “grandes” que pretendem um reforço do Conselho e a eleição de um Presidente da União Europeia.

A Convenção

Da Convenção já se falou sobejamente, em anteriores artigos. Mais do que uma vez se repetiu a total discordância relativamente à forma escolhida para o debate (o plenário «democrático» onde não estão representadas todas as forças políticas com assento em cada parlamento nacional nem todas as componentes políticas eleitas para o Parlamento Europeu), o carácter das próprias questões colocadas em cima da mesa (o amplo destaque dado à defesa, à acção externa da União ou à governação económica em detrimento das assimetrias regionais, da coesão económica e social, da inclusão social, entre outras) ou ainda as metas mais ou menos claramente estabelecidas (uma Constituição para a União Europeia, um Estado Federal, a supremacia do direito europeu ao direito constitucional nacional).
Os membros da Convenção de nacionalidade portuguesa resumem-se ao representante do Estado português, dois representantes da Assembleia da República e um eurodeputado português em representação do grupo a que pertence, havendo ainda membros suplentes. Participam também nos trabalhos António Vitorino, representante da Comissão Europeia, e João Cravinho, como observador. Esta é uma amostra da apregoada representatividade da Convenção, não só em termos nacionais como também das instituições representadas, quando se discute e aponta o que deverá ser o futuro da Europa.
Assim, é no mínimo curioso quando nos deparamos, no dito Documento dos 16, com recomendações sobre o reforço da participação dos parlamentos nacionais nos assuntos europeus, quando todo o processo da Convenção assenta na ultrapassagem das competências desses mesmos parlamentos e dos governos dos Estados membros na definição e prossecução do processo de integração europeia. Também é de apontar a exigência da rotatividade das presidências quando se perfila no horizonte a possibilidade de uma Constituição para a União Europeia, a que se submetem os Estados Membros e respectivas constituições, e um Estado federal único.
Que igualdade se pretenderá nesta União, quando existem «pequenos» e «grandes» Estados, e em que os primeiros se têm que fazer ouvir por meio de contributos escritos e recolha de assinaturas de apoio? Qual o equilíbrio possível entre Estados que, independentemente do seu tamanho, não se conseguem concertar e agem unilateralmente, como foi o caso de Portugal, relativamente a uma questão tão sensível como a guerra no Iraque? Na proposta apresentada, e apesar de conter questões importantes e de alguma forma positivas não fossem as contradições subjacentes à actuação do governo português, não se vislumbra qualquer intenção de auscultação dos destinatários das políticas que tão fervorosamente defendem: os povos. A tentativa da defesa dos seus direitos como Estados deveria passar, obrigatoriamente, por ouvir a voz dos povos da Europa, por saber qual a sua opinião relativamente a um texto que indubitavelmente condicionará a sua vida futura. Aí, sim, encontrar-se-ia um equilíbrio.


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