Ministros de classe
Desde a tomada de posse de Durão Barroso e seus primeiros pares, notou-se que este Governo tinha muitos membros ligados a interesses de grupos económicos. Não é ilegal, não senhor, e muitos desses laços são exibidos nos currículos oficiais dos ministros e secretários de Estado. Há alguns mais discretos, é verdade, mas são todos governantes com classe – ou melhor, de classe.
Não é ilegal, podem dizer-nos. Mas, para quem vê a política como acção em prol de interesses do País e da generalidade dos portugueses, sabendo que esta generalidade é feita de uma pequena parte exploradora e uma explorada grande parte, não deixa de ser preocupante que as decisões da economia, da saúde, da Segurança Social, do trabalho, das finanças, do turismo – enfim, a governação da coisa pública esteja a ser assegurada por quem, antes das actuais funções provisórias no Governo, trabalhou anos e anos para que alguns grupos privados fizessem melhores negócios.
Vamos olhar mais detalhadamente... E fiquemo-nos apenas pelos currículos divulgados oficialmente (neste caso, a consulta foi feita no sítio Internet do Governo, em www.portugal.gov.pt).
Extremos
O que logo salta à vista é que alguns governantes fazem questão de nos mostrar muitos detalhes das suas vidas, tanto profissionais como da política, enquanto outros são exageradamente discretos.
Paulo Portas, por exemplo, deve ser o que menos encontrou para escrever sobre si mesmo: nasceu, licenciou-se na Católica, fez-se deputado e presidente do CDS/PP. Também diz que a sua profissão é jornalista, mas não tem carteira profissional válida.
Bagão Félix destaca-se como aquele que mais decidiu contar-nos. O currículo do ministro até refere a participação no filme «Tráfico», prefácios em vários livros e a sua mais recente tentativa de aproximação à literatura. Indica igualmente que começou nos seguros, em 1973, n’ «A Mundial», passando desde então pelo Banco de Comércio e Indústria e o Banco de Portugal, até chegar ao Banco Comercial Português,em 1994, como director-geral; aqui, chega depois aos lugares de topo do grupo BCP, com altas responsabilidades em seguros (na holding e nas companhias Ocidental, Bonança e Império-Bonança) e seguros de saúde (Médis), em fundos de pensões e junto da administração (consultor desde 2001).
Do BCP veio também a secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, Rosário Ventura, que antes esteve na Universidade Lusíada, no Banco Mello (ainda desde a Sociedade Financeira Portugesa, que veio a dar origem ao banco de José de Mello, em 2000 integrado no BCP) e, em representação do BM, na Lisnave. Agora, tutela os interesses do Estado na Gestenave e nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.
Mas o melhor representante do grupo Mello neste Governo deve ser, muito provavelmente, o ministro da Saúde. Luís Filipe Pereira refere que foi director na Sovena, entre 1973 e 1979; esteve na Quimigal pública, até 1986 (era, então, director-geral adjunto). Passou depois três anos no Governo (secretário de Estado da Segurança Social, com Cavaco Silva) e voltou em 1991, para quatro anos na Energia. Em 1996 foi para a Quimigal Adubos, depois preside à Adubos de Portugal, até 2002. Sempre com José de Mello, assumiu até 2000 um cargo não executivo na administração do Banco. Enquanto esteve com a secretaria da Energia, foi vice-presidente da EDP, a cuja administração voltou em 2002. A EDP junta na Oni os interesses de José de Mello (através da Brisa) e do BCP. Note-se ainda que o actual ministro presidiu, de 1996 a 2001, à Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Eléctrica. E recorde-se também que a saúde é uma das fortes áreas de negócio do grupo José de Mello e do seu aliado BCP.
O secretário de Estado do Tesouro e Finanças, que já ocupou essas pastas de 1993 a 1995, foi também um quadro da CUF, na reorganização de 1971-73. Ficou na direcção financeira da Fisipe de 1973 a 1982. Depois foi para o Banco de Fomento Exterior e o Banco Borges e Irmão (até 1993). De 1995 até Maio de 2002 foi director central do grupo BPI. Mas o currículo de Francisco Esteves de Carvalho foi eliminado, há pouco mais de um mês, quando o «portal do Governo» sofreu uma remodelação.
Carlos Tavares, ministro da Economia, fez carreira na banca – pública e privada: CGD (e o antigo BNU), BPA (integrado no BCP), Chemical, BPSM e Totta (ex-Champalimaud) e Santander (grupo onde agora se integra o Totta).
O actual secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia também passou pelo BPA, em 1987. Mas Franquelim Garcia Alves apresenta como credenciais mais fortes as actividades na Lusomundo, onde foi administrador financeiro de 2000 a 2002 e onde já tinha estado em 1992. No ano passado era consultor da holding pessoal do tenente-coronel Luís Silva (que ficou «accionista de referência» do grupo PT, depois de este ter adquirido a Lusomundo).
Haverá opção mais natural do que colocar na Secretaria de Estado do Turismo um administrador da Aparbelas, a empresa que juntou os Hotéis D. Pedro e a empresa do Belas Clube de Campo? Além do mais, Luís Correia da Silva apresenta também no currículo o cargo de administrador executivo da Lusotur e do grupo empresarial de André Jordan.
Da mesma forma, o secretário de Estado das Florestas (que foi director-geral das Florestas entre 1988 e 1990) chegou ao Governo vindo da Portucel Soporcel, onde se cruzam acções do Estado e da Sonae na indústria da celulose. João Manuel Soares conta-nos que foi dirigente da Confederação Europeia da Indústria Papeleira, entre 1999 e 2003.
Quem quiser, pode defender que as ligações de ministros e secretários de Estado a grupos económicos não têm necessariamente que se reflectir na acção do Governo. Mas é igualmente verdade que, ao analisar a política do executivo PSD/PP não podemos deixar de ter presentes estas ligações – tal como devemos ter em conta que muitos antigos governantes, passada a experiência de bem servir a causa pública, foram muito bem acolhidos nos quadros dos maiores grupos económicos.
São todos governantes – de classe, pois claro.
O «eliminado»
Em Novembro, ainda se pôde ler o currículo do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças. Como actualmente já não está disponível no sítio Internet do Governo, disponibilizamo-lo aqui aos nossos leitores.
Francisco Adelino Gusmão Esteves de Carvalho
Nascido em Manteigas, Guarda, em 14 de Novembro de 1942
Casado, com 2 filhos
Habilitações Académicas
• Licenciado em Finanças, no ISCEF (1966/1967)
• MBA na School of Management, University of Rochester, EUA (1975/1976)
Actividade Profissional
• Técnico economista do Serviço de Prevenção e Fiscalização Tributária, Direcção Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças (1967/1968)
• Assistente do ISCEF (1969 a 1975)
• Quadro da CUF - Companhia União Fabril, pertencente à Direcção de Planeamento e Controle, integrado em várias equipas constituídas por elementos de uma firma de consultores internacionais (Mckinsey & Company, Inc.) que procederam à reorganização da Companhia (1971 a 1973)
• Director Financeiro da FISIPE – Fibras Sintéticas de Portugal, SARL (1973 a 1982)
• Administrador do Banco de Fomento e Exterior e, por inerência, vogal da Comissão Executiva do Fundo EFTA (1982 a 1993)
• Administrador do Banco Borges & Irmão (1992 a 1993)
• Funções desempenhadas em representação do Banco de Fomento e Exterior:
• Administrador não executivo do IPE – Investimento e Participações Empresariais, S.A.
• Administrador da Promoindústria – Sociedade Portuguesa de Capital de Risco, S.A.
• Vice-Presidente do Conselho de Administração da SEFIS – Sociedade Europeia de Financiamentos e Serviços, S.A.
• Presidente do Conselho de Administração da EUROLEASING – Sociedade Portuguesa de Locação Financeira, S.A.
• Administrador da EUROLOCAÇÃO – Aluguer de Automóveis, S.A.
• Administrador da UNICRE
• Administrador da SIBS
• Secretário de Estado do Tesouro e Secretário de Estado das Finanças (1993 a Outubro de 1995)
• Director Central do Grupo BPI (Outubro de 1995 a Maio de 2002)
• Presidente do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Habitação (desde Maio de 2002)
Funções governamentais exercidas:
Desde 2003-04-08: Secretário de Estado do Tesouro e Finanças do XV Governo Constitucional
De 1994-07-08 até 1995-10-28: Secretário de Estado das Finanças do XII Governo Constitucional
De 1993-12-07 até 1994-07-08: Secretário de Estado do Tesouro do XII Governo Constitucional
Vamos olhar mais detalhadamente... E fiquemo-nos apenas pelos currículos divulgados oficialmente (neste caso, a consulta foi feita no sítio Internet do Governo, em www.portugal.gov.pt).
Extremos
O que logo salta à vista é que alguns governantes fazem questão de nos mostrar muitos detalhes das suas vidas, tanto profissionais como da política, enquanto outros são exageradamente discretos.
Paulo Portas, por exemplo, deve ser o que menos encontrou para escrever sobre si mesmo: nasceu, licenciou-se na Católica, fez-se deputado e presidente do CDS/PP. Também diz que a sua profissão é jornalista, mas não tem carteira profissional válida.
Bagão Félix destaca-se como aquele que mais decidiu contar-nos. O currículo do ministro até refere a participação no filme «Tráfico», prefácios em vários livros e a sua mais recente tentativa de aproximação à literatura. Indica igualmente que começou nos seguros, em 1973, n’ «A Mundial», passando desde então pelo Banco de Comércio e Indústria e o Banco de Portugal, até chegar ao Banco Comercial Português,em 1994, como director-geral; aqui, chega depois aos lugares de topo do grupo BCP, com altas responsabilidades em seguros (na holding e nas companhias Ocidental, Bonança e Império-Bonança) e seguros de saúde (Médis), em fundos de pensões e junto da administração (consultor desde 2001).
Do BCP veio também a secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, Rosário Ventura, que antes esteve na Universidade Lusíada, no Banco Mello (ainda desde a Sociedade Financeira Portugesa, que veio a dar origem ao banco de José de Mello, em 2000 integrado no BCP) e, em representação do BM, na Lisnave. Agora, tutela os interesses do Estado na Gestenave e nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.
Mas o melhor representante do grupo Mello neste Governo deve ser, muito provavelmente, o ministro da Saúde. Luís Filipe Pereira refere que foi director na Sovena, entre 1973 e 1979; esteve na Quimigal pública, até 1986 (era, então, director-geral adjunto). Passou depois três anos no Governo (secretário de Estado da Segurança Social, com Cavaco Silva) e voltou em 1991, para quatro anos na Energia. Em 1996 foi para a Quimigal Adubos, depois preside à Adubos de Portugal, até 2002. Sempre com José de Mello, assumiu até 2000 um cargo não executivo na administração do Banco. Enquanto esteve com a secretaria da Energia, foi vice-presidente da EDP, a cuja administração voltou em 2002. A EDP junta na Oni os interesses de José de Mello (através da Brisa) e do BCP. Note-se ainda que o actual ministro presidiu, de 1996 a 2001, à Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Eléctrica. E recorde-se também que a saúde é uma das fortes áreas de negócio do grupo José de Mello e do seu aliado BCP.
O secretário de Estado do Tesouro e Finanças, que já ocupou essas pastas de 1993 a 1995, foi também um quadro da CUF, na reorganização de 1971-73. Ficou na direcção financeira da Fisipe de 1973 a 1982. Depois foi para o Banco de Fomento Exterior e o Banco Borges e Irmão (até 1993). De 1995 até Maio de 2002 foi director central do grupo BPI. Mas o currículo de Francisco Esteves de Carvalho foi eliminado, há pouco mais de um mês, quando o «portal do Governo» sofreu uma remodelação.
Carlos Tavares, ministro da Economia, fez carreira na banca – pública e privada: CGD (e o antigo BNU), BPA (integrado no BCP), Chemical, BPSM e Totta (ex-Champalimaud) e Santander (grupo onde agora se integra o Totta).
O actual secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia também passou pelo BPA, em 1987. Mas Franquelim Garcia Alves apresenta como credenciais mais fortes as actividades na Lusomundo, onde foi administrador financeiro de 2000 a 2002 e onde já tinha estado em 1992. No ano passado era consultor da holding pessoal do tenente-coronel Luís Silva (que ficou «accionista de referência» do grupo PT, depois de este ter adquirido a Lusomundo).
Haverá opção mais natural do que colocar na Secretaria de Estado do Turismo um administrador da Aparbelas, a empresa que juntou os Hotéis D. Pedro e a empresa do Belas Clube de Campo? Além do mais, Luís Correia da Silva apresenta também no currículo o cargo de administrador executivo da Lusotur e do grupo empresarial de André Jordan.
Da mesma forma, o secretário de Estado das Florestas (que foi director-geral das Florestas entre 1988 e 1990) chegou ao Governo vindo da Portucel Soporcel, onde se cruzam acções do Estado e da Sonae na indústria da celulose. João Manuel Soares conta-nos que foi dirigente da Confederação Europeia da Indústria Papeleira, entre 1999 e 2003.
Quem quiser, pode defender que as ligações de ministros e secretários de Estado a grupos económicos não têm necessariamente que se reflectir na acção do Governo. Mas é igualmente verdade que, ao analisar a política do executivo PSD/PP não podemos deixar de ter presentes estas ligações – tal como devemos ter em conta que muitos antigos governantes, passada a experiência de bem servir a causa pública, foram muito bem acolhidos nos quadros dos maiores grupos económicos.
São todos governantes – de classe, pois claro.
O «eliminado»
Em Novembro, ainda se pôde ler o currículo do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças. Como actualmente já não está disponível no sítio Internet do Governo, disponibilizamo-lo aqui aos nossos leitores.
Francisco Adelino Gusmão Esteves de Carvalho
Nascido em Manteigas, Guarda, em 14 de Novembro de 1942
Casado, com 2 filhos
Habilitações Académicas
• Licenciado em Finanças, no ISCEF (1966/1967)
• MBA na School of Management, University of Rochester, EUA (1975/1976)
Actividade Profissional
• Técnico economista do Serviço de Prevenção e Fiscalização Tributária, Direcção Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças (1967/1968)
• Assistente do ISCEF (1969 a 1975)
• Quadro da CUF - Companhia União Fabril, pertencente à Direcção de Planeamento e Controle, integrado em várias equipas constituídas por elementos de uma firma de consultores internacionais (Mckinsey & Company, Inc.) que procederam à reorganização da Companhia (1971 a 1973)
• Director Financeiro da FISIPE – Fibras Sintéticas de Portugal, SARL (1973 a 1982)
• Administrador do Banco de Fomento e Exterior e, por inerência, vogal da Comissão Executiva do Fundo EFTA (1982 a 1993)
• Administrador do Banco Borges & Irmão (1992 a 1993)
• Funções desempenhadas em representação do Banco de Fomento e Exterior:
• Administrador não executivo do IPE – Investimento e Participações Empresariais, S.A.
• Administrador da Promoindústria – Sociedade Portuguesa de Capital de Risco, S.A.
• Vice-Presidente do Conselho de Administração da SEFIS – Sociedade Europeia de Financiamentos e Serviços, S.A.
• Presidente do Conselho de Administração da EUROLEASING – Sociedade Portuguesa de Locação Financeira, S.A.
• Administrador da EUROLOCAÇÃO – Aluguer de Automóveis, S.A.
• Administrador da UNICRE
• Administrador da SIBS
• Secretário de Estado do Tesouro e Secretário de Estado das Finanças (1993 a Outubro de 1995)
• Director Central do Grupo BPI (Outubro de 1995 a Maio de 2002)
• Presidente do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Habitação (desde Maio de 2002)
Funções governamentais exercidas:
Desde 2003-04-08: Secretário de Estado do Tesouro e Finanças do XV Governo Constitucional
De 1994-07-08 até 1995-10-28: Secretário de Estado das Finanças do XII Governo Constitucional
De 1993-12-07 até 1994-07-08: Secretário de Estado do Tesouro do XII Governo Constitucional