O maior de todos os crimes

José Casanova
Blair, sempre mais bushista que Bush, garantiu há dias possuir provas da existência, no Iraque, das tais «armas de destruição maciça». O gauleiter Bremer disse que é mentira – e afirmou, até, que quem tal diz está a servir os interesses dos inimigos da «coligação». Confrontado com o facto de Blair ter sido o autor de tais mentiras, Bremer, embaraçado, enrolou-se num novelo de explicações esfarrapadas e rematou assim: «Armas de destruição maciça ou não, é importante ter algum recuo aqui e considerar o que nós realizámos do ponto de vista histórico» (Público, 28.12.03). Vamos a isso, então, mesmo que resumidamente (e recorrendo ao site resistir.info.).
Em 1958, um golpe militar dirigido pelo general Abd el-Karim Kassem derrubou a velha monarquia iraquiana. O novo regime levou por diante uma série de medidas que desagradaram aos EUA - nomeadamente a retirada do Iraque do Pacto de Bagdade (aliança anti-soviética apoiada pelos EUA no Médio Oriente) e, mais tarde, a nacionalização de parte da concessão da Iraq Petroleum Company, controlada pelos britânicos. Em 1959, Kassem é alvo de uma tentativa falhada de assassinato perpetrada, entre outros, por um tal Saddam Hussein, então com 22 anos e que, vencido e ferido, foge do país e, a dada altura, se refugia no Cairo, onde é visita frequente da Embaixada dos EUA. Entretanto, no Iraque, a subida dos comunistas ao poder parece estar iminente. A CIA estabelece um plano para derrubar Kassem. Chefiado pelo general Ahmed Hassan el-Bakr, o golpe que derrubou Kassem, em 1963, foi preparado ao pormenor sob a direcção de William Lakeland, adido militar do EUA em Bagdade e a CIA desempenhou um papel decisivo na carnificina que se lhe seguiu. Calcula-se que terão sido assassinadas cinco mil pessoas na base de listas («com nomes e endereços dos comunistas, de modo a que pudessem ser capturados e executados») fornecidas pela CIA - a mais completa das quais foi produzida por William McHale, agente da CIA disfarçado de correspondente da Time - e elaboradas com a ajuda de iraquianos, entre eles Saddam Hussein que, aliás, participará pessoalmente na tortura de muitos prisioneiros.
E é pela mão dos EUA que Saddam chegará, mais tarde, à presidência do Iraque, numa sangrenta caminhada democraticamente aplaudida pelos vários governos norte-americanos. Até que cometeu o maior de todos os crimes: passou a ser criminoso por conta própria. E foi preso.


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