Prioridade à banca
Depois de 18 anos de espera pelos salários em atraso e as indemnizações, o tribunal do Seixal, em vez de compensar primeiro os trabalhadores, decidiu antes dar os créditos à banca.
Os trabalhadores não vão baixar os braços
O caso vai seguir para o Tribunal de Relação o que equivale a, pelo menos, mais ano e meio de espera, numa altura em que a paciência e as vidas de quem trabalhou estão esgotadas.
A indignação e o sentimento de revolta dos trabalhadores tornaram pesado o ambiente do plenário, no passado dia 17, na Sociedade Filarmónica Timbre Seixalense, convocado pelo Sindicato do Sector Corticeiro do Sul e a Comissão de Luta dos ex-trabalhadores da Mundet que representam, neste processo, 440 ex-operários e operárias.
Algumas dezenas dos que sacrificaram o seu sangue e suor para ganhar o sustento na Mundet, morreram se verem um tostão – ou cêntimo – do que têm direito.
O plenário contou com a presença do advogado do sindicato, para esclarecer sobre a decisão tomada no Tribunal do Comércio do Seixal, por um juíz sorteado da Comarca de Almada.
Luís Guerreiro, presidente do Sindicato, salientou a visita recente de uma delegação sindical e da Comissão de Luta à Assembleia da República, com o objectivo de alertar os vários grupos parlamentares para a situação que já se arrasta há quase duas décadas.
Foi o próprio a sublinhar ao Avante! que foram recebidos apenas pelo grupo parlamentar do PCP.
Consequentemente, a bancada comunista apresentou um requerimento ao Governo e ao Ministério da Justiça para saber os motivos do atraso do processo e comprometeu-se a interceder também junto do Supremo Tribunal.
O sindicato e a Comissão de Luta atribuem as culpas pela demora do processo e por os trabalhadores não terem, até à data, recebido os salários, subsídios, prémios e indemnizações, a «todos os governos e governantes desde o 25 de Abril que só não resolveram nem resolvem a situação porque não querem», disse Luís Guerreiro.
O desabafo pelo desprezo a que estes trabalhadores têm sido votados pelo poder político foi a tónica da intervenção daquele dirigente sindical.
Vítor Moreira, da Comissão de Luta dos ex-trabalhadores da Mundet, considera que a decisão agora tomada «é um verdadeiro crime, um atentado à dignidade humana destes trabalhadores que deram muitos anos, alguns a vida inteira a esta empresa», motivo pelo qual considera que «os trabalhadores não vão baixar os braços» e decidirão, proximamente, novas formas de luta para alertar o poder político para esta «escandalosa» situação.
A Mundet tinha três unidades de produção: o pólo principal do Seixal, a unidade no Montijo e ainda uma em Mora, no Alentejo, e são as hipotecas desse património que a banca exige.
O presidente do sindicato deu exemplos de casos semelhantes onde o tribunal privilegiou – como costuma ser natural – os trabalhadores. É o caso da empresa de porcelanas Sado Internacional, no Barreiro. Nesta última, a Segurança Social avançou com um recurso mas a Relação voltou a dar razão aos trabalhadores.
A responsabilidade jurídica
O advogado Ferreira Bastos foi ao plenário esclarecer quais foram os procedimentos legais encetados e como decorreu o processo jurídico.
«Foi uma decisão que me surpreendeu e que foi contra o que esperávamos», começou por dizer. Ferreira Bastos fez notar que a decisão agora tomada «é discutível», uma vez que é uma opinião jurídica, motivo pelo qual apresentou recurso para o Tribunal de Relação.
Quando se deu o reconhecimento dos créditos da empresa – em 1997, a venda do património rendeu cerca de um milhão de contos – os trabalhadores foram informados de que iria seguir-se a fase de «graduação de créditos».
Esperava-se que os salários dos trabalhadores fossem qualificados em primeiro lugar, na ordem de prioridades de pagamento, mas, afinal, não foi isso que aconteceu.
O recurso foi imediatamente apresentado e agora o processo segue para a Relação.
Ferreira Bastos confessou ter sido a primeira vez na sua vida que viu um juíz graduar os trabalhadores depois de outros credores, motivo pelo qual se manifestou «espantado».
Fez ainda saber que, «mesmo no actual Código do Trabalho, as garantias dos trabalhadores nestas situações estão reforçadamente contempladas», afirmou.
O arrastamento do processo agrava-se com as idades avançadas de quem já está à espera há quase 20 anos.
Também a Valfrio e a Mecânica Setubalense estão com problemas semelhantes. Na Mecânica o caso arrasta-se há 19 anos e foi o ministro do Trabalho que recorreu ao Tribunal de Relação de Évora, após a primeira instância ter dado razão aos trabalhadores. Na Valfrio, o processo está parado no Tribunal de Comércio, à espera que se apurem os quantitativos em dívida.
O processo da vergonha
O tempo foi passando desde o encerramento da empresa, em 1993.
Já nessa altura fazia oito anos que os trabalhadores tinham salários em atraso, flagelo que teve início após o Governo PS de Mário Soares ter recusado a proposta de transformar a Mundet numa empresa de capitais públicos, optando antes por a devolver aos patrões de antes do 25 de Abril.
Criada em 1865, a Mundet sempre foi rentável e demonstrou uma grande capacidade de trabalho, apesar das deficiências administrativas.
Com a Revolução dos cravos, surgem as dificuldades financeiras com a queda das vendas e o não pagamento a fornecedores, banca, seguros e agentes. Os trabalhadores tomaram então a decisão de gerirem eles a empresa, na tentativa de evitar a falência.
No Verão de 1975, o 4.º Governo Provisório empossa uma comissão administrativa e decide a intervenção do Estado na empresa.
Com o sacrifício dos trabalhadores – chegaram mesmo a dispensar economias suas – em Junho de 1976 tinham conseguido reduzir a dívida em cerca de 12 mil contos e o montante das encomendas, neste período, subiu para seis vezes mais do que antes da intervenção estatal.
No entanto, em 1977, o Governo de Mário Soares e do PS recusa a transformação da Mundet em empresa de capitais públicos e devolve-a aos antigos patrões, apesar da oposição demonstrada pelos trabalhadores, desde a primeira hora.
Chegam então os «processos de viabilização» que se foram arrastaram e, em 1983, levaram os trabalhadores a sair à rua para exigir um contrato de viabilização que garantisse o futuro da empresa.
Neste ano chegam, pela primeira vez, os salários em atraso. Em Outubro de 1983, a dívida em salários chegava aos 45 mil contos.
Em Maio de 1988, estavam contabilizados 120 mil contos em dívida aos 800 trabalhadores. Por pagar estavam também as quotizações sindicais, na altura 2700 contos, verba que atinge hoje mais de nove mil contos.
Em 1985 deixam também de ser pagos os subsídios de Natal e de férias.
Em 1993 é declarada a falência da Mundet. Os 440 processos accionados pelo sindicato atingem uma dívida aos trabalhadores de 882 mil contos.
Em 1997, é vendido o património da empresa que rendeu cerca de um milhão de contos.
Com quem trabalha
Fernando Morais, membro da Comissão Concelhia do PCP no Seixal, acompanha a luta dos ex-trabalhadores da Mundet e veio prestar, através da sua presença, a solidariedade activa que, desde a primeira hora, sempre os comunistas demonstraram a estes trabalhadores.
É com «enorme preocupação» que o PCP viu a decisão do Tribunal do Comércio do Seixal, motivo pelo qual manifesta a sua total disponibilidade para apoiar, de todas as formas ao seu alcance, as justas lutas que estes trabalhadores decidam realizar.
Perante esta nova realidade, os representantes dos trabalhadores vão aguardar pela resposta ao requerimento do PCP e prometem não baixar os braços até ao dia em que os trabalhadores recebam o que lhes é devido.
Fábrica do Mindelo
No início de Novembro, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que uma instituição bancária, detentora de uma hipoteca, deveria ocupar o primeiro lugar na lista de credores a serem ressarcido com o esperado resultado da venda dos terrenos e instalações da antiga Fábrica do Mindelo, em Vila do Conde.
Assim, contrariando decisões anteriores do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia e do Tribunal da Relação do Porto, os cerca de 450 trabalhadores viram-se ultrapassados e em risco de acabarem por não receber os seus 5 milhões de euros (um milhão de contos) de salários e indemnizações.
Seguiu-se o recurso para o Tribunal Constitucional e o caso pode ainda ser levado ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
A dívida aos trabalhadores da têxtil «Sociedade Industrial do Mindelo» vem desde 1994, embora a falência tenha ocorrido apenas seis anos depois do fecho da fábrica. Esta chegou a ocupar 1200 trabalhadores, começando a surgir os primeiros sintomas de dificuldades graves ainda nos anos oitenta. Na altura da falência, as dívidas acumuladas atingiam os onze milhões de contos (55 milhões de euros).
Foi noticiado que teria sido recusada a venda da fábrica por cerca de milhão e meio de contos. A hipoteca a favor do banco que o STJ considerou credor prioritário ascende a 750 mil contos. Além deste valor, à massa falida serão retirados custos judiciais e despesas de administração, o que justifica a conclusão de que pouco ou nada restaria para pagar aos trabalhadores.
A indignação e o sentimento de revolta dos trabalhadores tornaram pesado o ambiente do plenário, no passado dia 17, na Sociedade Filarmónica Timbre Seixalense, convocado pelo Sindicato do Sector Corticeiro do Sul e a Comissão de Luta dos ex-trabalhadores da Mundet que representam, neste processo, 440 ex-operários e operárias.
Algumas dezenas dos que sacrificaram o seu sangue e suor para ganhar o sustento na Mundet, morreram se verem um tostão – ou cêntimo – do que têm direito.
O plenário contou com a presença do advogado do sindicato, para esclarecer sobre a decisão tomada no Tribunal do Comércio do Seixal, por um juíz sorteado da Comarca de Almada.
Luís Guerreiro, presidente do Sindicato, salientou a visita recente de uma delegação sindical e da Comissão de Luta à Assembleia da República, com o objectivo de alertar os vários grupos parlamentares para a situação que já se arrasta há quase duas décadas.
Foi o próprio a sublinhar ao Avante! que foram recebidos apenas pelo grupo parlamentar do PCP.
Consequentemente, a bancada comunista apresentou um requerimento ao Governo e ao Ministério da Justiça para saber os motivos do atraso do processo e comprometeu-se a interceder também junto do Supremo Tribunal.
O sindicato e a Comissão de Luta atribuem as culpas pela demora do processo e por os trabalhadores não terem, até à data, recebido os salários, subsídios, prémios e indemnizações, a «todos os governos e governantes desde o 25 de Abril que só não resolveram nem resolvem a situação porque não querem», disse Luís Guerreiro.
O desabafo pelo desprezo a que estes trabalhadores têm sido votados pelo poder político foi a tónica da intervenção daquele dirigente sindical.
Vítor Moreira, da Comissão de Luta dos ex-trabalhadores da Mundet, considera que a decisão agora tomada «é um verdadeiro crime, um atentado à dignidade humana destes trabalhadores que deram muitos anos, alguns a vida inteira a esta empresa», motivo pelo qual considera que «os trabalhadores não vão baixar os braços» e decidirão, proximamente, novas formas de luta para alertar o poder político para esta «escandalosa» situação.
A Mundet tinha três unidades de produção: o pólo principal do Seixal, a unidade no Montijo e ainda uma em Mora, no Alentejo, e são as hipotecas desse património que a banca exige.
O presidente do sindicato deu exemplos de casos semelhantes onde o tribunal privilegiou – como costuma ser natural – os trabalhadores. É o caso da empresa de porcelanas Sado Internacional, no Barreiro. Nesta última, a Segurança Social avançou com um recurso mas a Relação voltou a dar razão aos trabalhadores.
A responsabilidade jurídica
O advogado Ferreira Bastos foi ao plenário esclarecer quais foram os procedimentos legais encetados e como decorreu o processo jurídico.
«Foi uma decisão que me surpreendeu e que foi contra o que esperávamos», começou por dizer. Ferreira Bastos fez notar que a decisão agora tomada «é discutível», uma vez que é uma opinião jurídica, motivo pelo qual apresentou recurso para o Tribunal de Relação.
Quando se deu o reconhecimento dos créditos da empresa – em 1997, a venda do património rendeu cerca de um milhão de contos – os trabalhadores foram informados de que iria seguir-se a fase de «graduação de créditos».
Esperava-se que os salários dos trabalhadores fossem qualificados em primeiro lugar, na ordem de prioridades de pagamento, mas, afinal, não foi isso que aconteceu.
O recurso foi imediatamente apresentado e agora o processo segue para a Relação.
Ferreira Bastos confessou ter sido a primeira vez na sua vida que viu um juíz graduar os trabalhadores depois de outros credores, motivo pelo qual se manifestou «espantado».
Fez ainda saber que, «mesmo no actual Código do Trabalho, as garantias dos trabalhadores nestas situações estão reforçadamente contempladas», afirmou.
O arrastamento do processo agrava-se com as idades avançadas de quem já está à espera há quase 20 anos.
Também a Valfrio e a Mecânica Setubalense estão com problemas semelhantes. Na Mecânica o caso arrasta-se há 19 anos e foi o ministro do Trabalho que recorreu ao Tribunal de Relação de Évora, após a primeira instância ter dado razão aos trabalhadores. Na Valfrio, o processo está parado no Tribunal de Comércio, à espera que se apurem os quantitativos em dívida.
O processo da vergonha
O tempo foi passando desde o encerramento da empresa, em 1993.
Já nessa altura fazia oito anos que os trabalhadores tinham salários em atraso, flagelo que teve início após o Governo PS de Mário Soares ter recusado a proposta de transformar a Mundet numa empresa de capitais públicos, optando antes por a devolver aos patrões de antes do 25 de Abril.
Criada em 1865, a Mundet sempre foi rentável e demonstrou uma grande capacidade de trabalho, apesar das deficiências administrativas.
Com a Revolução dos cravos, surgem as dificuldades financeiras com a queda das vendas e o não pagamento a fornecedores, banca, seguros e agentes. Os trabalhadores tomaram então a decisão de gerirem eles a empresa, na tentativa de evitar a falência.
No Verão de 1975, o 4.º Governo Provisório empossa uma comissão administrativa e decide a intervenção do Estado na empresa.
Com o sacrifício dos trabalhadores – chegaram mesmo a dispensar economias suas – em Junho de 1976 tinham conseguido reduzir a dívida em cerca de 12 mil contos e o montante das encomendas, neste período, subiu para seis vezes mais do que antes da intervenção estatal.
No entanto, em 1977, o Governo de Mário Soares e do PS recusa a transformação da Mundet em empresa de capitais públicos e devolve-a aos antigos patrões, apesar da oposição demonstrada pelos trabalhadores, desde a primeira hora.
Chegam então os «processos de viabilização» que se foram arrastaram e, em 1983, levaram os trabalhadores a sair à rua para exigir um contrato de viabilização que garantisse o futuro da empresa.
Neste ano chegam, pela primeira vez, os salários em atraso. Em Outubro de 1983, a dívida em salários chegava aos 45 mil contos.
Em Maio de 1988, estavam contabilizados 120 mil contos em dívida aos 800 trabalhadores. Por pagar estavam também as quotizações sindicais, na altura 2700 contos, verba que atinge hoje mais de nove mil contos.
Em 1985 deixam também de ser pagos os subsídios de Natal e de férias.
Em 1993 é declarada a falência da Mundet. Os 440 processos accionados pelo sindicato atingem uma dívida aos trabalhadores de 882 mil contos.
Em 1997, é vendido o património da empresa que rendeu cerca de um milhão de contos.
Com quem trabalha
Fernando Morais, membro da Comissão Concelhia do PCP no Seixal, acompanha a luta dos ex-trabalhadores da Mundet e veio prestar, através da sua presença, a solidariedade activa que, desde a primeira hora, sempre os comunistas demonstraram a estes trabalhadores.
É com «enorme preocupação» que o PCP viu a decisão do Tribunal do Comércio do Seixal, motivo pelo qual manifesta a sua total disponibilidade para apoiar, de todas as formas ao seu alcance, as justas lutas que estes trabalhadores decidam realizar.
Perante esta nova realidade, os representantes dos trabalhadores vão aguardar pela resposta ao requerimento do PCP e prometem não baixar os braços até ao dia em que os trabalhadores recebam o que lhes é devido.
Fábrica do Mindelo
No início de Novembro, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que uma instituição bancária, detentora de uma hipoteca, deveria ocupar o primeiro lugar na lista de credores a serem ressarcido com o esperado resultado da venda dos terrenos e instalações da antiga Fábrica do Mindelo, em Vila do Conde.
Assim, contrariando decisões anteriores do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia e do Tribunal da Relação do Porto, os cerca de 450 trabalhadores viram-se ultrapassados e em risco de acabarem por não receber os seus 5 milhões de euros (um milhão de contos) de salários e indemnizações.
Seguiu-se o recurso para o Tribunal Constitucional e o caso pode ainda ser levado ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
A dívida aos trabalhadores da têxtil «Sociedade Industrial do Mindelo» vem desde 1994, embora a falência tenha ocorrido apenas seis anos depois do fecho da fábrica. Esta chegou a ocupar 1200 trabalhadores, começando a surgir os primeiros sintomas de dificuldades graves ainda nos anos oitenta. Na altura da falência, as dívidas acumuladas atingiam os onze milhões de contos (55 milhões de euros).
Foi noticiado que teria sido recusada a venda da fábrica por cerca de milhão e meio de contos. A hipoteca a favor do banco que o STJ considerou credor prioritário ascende a 750 mil contos. Além deste valor, à massa falida serão retirados custos judiciais e despesas de administração, o que justifica a conclusão de que pouco ou nada restaria para pagar aos trabalhadores.