Comentário

Por detrás do gasóleo

Pedro Carvalho
Na última sessão plenária do Parlamento Europeu (PE) foi votado o relatório Kauppi sobre a proposta de directiva com vista a criar um regime fiscal especial no que respeita ao gasóleo utilizado como combustível para fins profissionais e a aproximar os impostos especiais deste combustível aos da gasolina. Esta iniciativa da Comissão complementa outras no domínio fiscal, com objectivos políticos mais latos e consequências económicas que importa avaliar, até tendo em conta a insistência da Comissão face às reservas do Conselho e à rejeição do PE.
A proposta apresentada pela Comissão pretende a harmonização gradual, a um preço mais elevado, da fiscalidade do gasóleo profissional e a separação dos regimes de tributação para fins profissionais e privados. A Comissão afirma querer resolver as distorções de concorrência no mercado interno (o famigerado «turismo» fiscal) e proteger o ambiente, na base do princípio poluidor-pagador.
Esta proposta enquadra-se na estratégia apresentada no Livro Branco «A Política Europeia de Transportes no Horizonte 2010» onde se pretende redistribuir a carga fiscal entre «contribuintes» e «utentes», reflectindo sobre estes os custos «reais» do transporte. Para isso, de acordo com a Comissão, é necessário «uma tributação progressiva do uso das infra-estruturas de transportes e o reforço da coerência do sistema fiscal». O objectivo é que daqui a dez anos exista um sistema fiscal a nível europeu que inclua os impostos harmonizados de registo e circulação automóvel, um sistema «inteligente» de tarifação das infra-estruturas (na óptica de que quem utiliza paga) e a harmonização da tributação sobre os combustíveis. A proposta de directiva fixa assim em 360 de euros por cada mil litros a taxa mínima de imposto especial para a gasolina sem chumbo e uma taxa central 350 euros por cada mil litros para o gasóleo profissional, a partir de 1 de Janeiro de 2003, com uma margem inicial de flutuação de 100 euros a extinguir completamente até 2010, altura em que se aplicará, de facto, uma taxa única.

As questões

Esta proposta levanta desde logo reservas quanto à sua proporcionalidade face à pequena magnitude do «turismo fiscal», não existindo igualmente uma avaliação sobre o seu impacto no desenvolvimento da tecnologia diesel, onde os fabricantes europeus mantêm uma vantagem competitiva. O sistema proposto peca ainda por ser permeável à fraude.
Mas estas reservas, apesar de importantes, não são as questões principais. Desde logo, temos de combater a ideia subjacente de harmonização fiscal, ou seja, uma taxa única, um sistema fiscal único. As actuais taxas mínimas representam já um nível de harmonização suficiente para garantir uma base geral de imposição, dando ao mesmo tempo aos Estados-membros a possibilidade definir as suas próprias taxas, de acordo com as suas opções políticas e necessidades de desenvolvimento económico.
Esta dita «concorrência» fiscal, a que eu chamo soberania, é mais «saudável» do ponto de vista económico, mesmo no contexto do mercado interno. Coordenar é uma coisa, harmonizar corresponde a uma visão federalista e centralista da União Europeia.
Temos depois o argumento ambiental que, sem nunca questionar a lógica de mercado e o primado da concorrência, se limita a defender o princípio do poluidor-pagador (que também significa que quem pode poluir, polui), com vista a incluir os impactos ambientais no preço das mercadorias, nas taxas de utilização e nos impostos. Este argumento surge muitas vezes associado à redução da carga fiscal sobre o trabalho, omitindo-se sempre que existem outros factores de imposição, como o capital.
A questão não é poder pagar para poluir, é ter uma política coerente de desenvolvimento sustentável, que passa por coisas como: um quadro regulamentar adequado, uma maior localização da produção, circuitos curtos de comercialização, a promoção do transporte ferroviário e fluvial, infra-estruturas eficazes de transporte público, melhoria dos motores e dos combustíveis, apoios à investigação no domínio de fontes de combustível alternativas, entre muitas outras.
Importa ainda fazer a avaliação do impacto deste aumento dos impostos sobre o sector dos transportes e as consequências económicas e sociais daí decorrentes, tendo em conta que os combustíveis representam entre 10 a 20 por cento dos custos de exploração das empresas de transporte rodoviário. Mas também o impacto sobre os veículos de passageiros equipados com motor diesel, que atingiam os 22% do parque automóvel em 2001.
Finalmente, temos de avaliar o impacto desta medida para um país da periferia e de fraco desenvolvimento económico, como Portugal. O imposto especial sobre o consumo de gasóleo é hoje de 272 euros por cada mil litros, valor muito abaixo da taxa central agora proposta.
É caso para dizer que por detrás do gasóleo, se esconde muita coisa.


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