O Código do Trabalho está a ser usado para destruir direitos

Pingo Doce amarga horários

A administração quer alargar o intervalo de refeição de uma para duas horas. As trabalhadoras, em jornada de protesto, recolheram num abaixo-assinado mais de 3500 assinaturas.

Menos salário pelo mesmo trabalho

Elisabete Santos, Isabel Fernandes, Marta Leonor e Paula Libório, dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, CESP, e trabalhadoras da cadeia de supermercados Pingo Doce, contaram ao Avante! como, desde o passado dia 11 de Novembro, a administração passou a impor às trabalhadoras dos Concelhos de Lisboa e Cascais o alargamento de uma para duas horas no intervalo para refeições.
A medida vem prejudicar gravemente as suas vidas que ficam com ainda menos tempo para estar com a família.
Ao todo, a cadeia Pingo Doce- do Grupo Jerónimo Martins Retalho - tem cerca de 8600 trabalhadores, na sua maioria mulheres, sujeitas a condições e tratamentos que violam impunemente o Contrato Colectivo de Trabalho do sector.
A empresa justificou a medida como forma de concentrar mais trabalhadores no fim do dia quando aparecem mais clientes, salientando que ia aplicar a alteração a todas as lojas mas apenas onde era necessário. Passado um mês, a empresa já veio dizer que a medida ia ser aplicada a todos, uma vez que aquele alargamento já era realidade nas lojas no Norte do País.
Marta Leonor salientou que o quadro do Pingo Doce na capital é composto maioritariamente por mulheres, com filhos para criar, e a esmagadora maioria vive fora de Lisboa, levando a perdas de tempo consideráveis nos trajectos casa-trabalho e vice-versa.
Todos serão afectados uma vez que, se antes passavam nove horas diárias no trabalho, agora passam a ficar dez horas.
Segundo Isabel Fernandes, a consequência é verem-se a ter que cumprir horários diários de dez horas no local de trabalho.
Entretanto, a empresa já anunciou a intenção de abrir muitas das lojas da cadeia com novos horários, a partir de Janeiro.
As trabalhadoras realizaram, na passada semana, uma recolha de assinaturas em protesto contra o alargamento do horário de almoço e reuniram 3500 assinaturas que foram entregues ontem à tarde.

Para toda a obra

Com salários que vão do mínimo – 356 euros – até ao topo de carreira – 528 euros –, não é pelo montante que auferem que estas milhares de trabalhadoras têm algum tipo de incentivo. Não recebem diuturnidades e os prémios, quando existem, «são apenas para as chefias e para as secretárias de direcção que chegam a receber dois a três salários de uma vez», denunciou Isabel Fernandes.
Não há qualquer tipo de subsídio, além do salário, e «é a empresa que mais mal paga em todo o sector e não cumpre com o Contrato Colectivo de Trabalho, no que respeita às funções», salientou.
Segundo Elizabete Santos, também muitas das horas extra não são pagas, mas antes compensadas com horas de descanso a serem gozadas quando a empresa decide e autoriza.
Quem se recuse a fazer as horas sofre todo o tipo de ameaças e represálias por parte das chefias que, «a qualquer hora e sem aviso prévio chegam a obrigar os trabalhadores a alargar o seu período de trabalho, desregulando totalmente a organização das vidas pessoais e familiares», afirmou Elizabete Santos.
«Os trabalhadores sabem a que horas entram mas só por sorte saem à hora prevista», desabafou Isabel Fernandes.
Têm dois dias de folga semanais mas, em vez de serem gozados em dias preferencialmente consecutivos são-no alternadamente, numa clara violação das regras contratuais.
Cerca de metade dos trabalhadores do quadro são efectivos mas os restantes - de 1500 a 2 mil trabalhadores - assinam três contratos de sete meses, respectivamente, sujeitando-se à vontade das chefias, sob pena de não verem os contratos renovados.
«Estão já a aproveitar a entrada em vigor do Código do Trabalho para alterarem para pior as nossas condições de trabalho e de vida», denunciou Marta Leonor.
Segundo esta dirigente sindical, acresce o facto de a empresa usar os trabalhadores para funções de chefia, embora não os reconheça com a respectiva categoria, pagando-lhes, consequentemente, menos do que estão obrigados a fazer por Lei.
Paula Libório revelou que esta situação passa-se em muitas lojas e que até agora a empresa não demonstrou qualquer disponibilidade para a resolver.
A cadeia Feira Nova pertence ao mesmo grupo empresarial do Pingo Doce mas, para as mesmas tarefas, os salários não são os mesmos.
Segundo Marta Leonor, logo de início, os trabalhadores do Feira Nova auferem mais 50 euros do que no Pingo Doce e a diferença aumenta ainda mais nas restantes categorias.
As funções são exactamente as mesmas mas no Feira Nova os salários de início rondam os 450 euros, valor manifestamente superior ao auferido no Pingo Doce pela mesma função e onde existem trabalhadores com décadas de serviço.
Segundo a mesma sindicalista, «no Feira Nova não há um desfasamento tão grande entre as funções e categorias».


Falta higiene e segurança

A falta de um plano de higiene e segurança no trabalho num sector que lida com produtos alimentares é, no mínimo, preocupante.
No princípio do mês de Agosto passado, o CESP enviou uma carta ao administrador Pedro Soares dos Santos onde revelava que alguns gerentes e responsáveis de zona estavam a tapar quebras de resultados «através da venda continuada de produtos deteriorados».
Era também denunciado o levantamento «em série» de processos disciplinares justificados com incumprimentos nas áreas de higiene e segurança, «sem ter havido preocupação de informar e de dar formação» nesta área.
O mesmo documento denuncia situações de falta de condições de higiene e segurança no Feira Nova da Amadora e Faro, bem como a obrigação imposta em Aveiro de os trabalhadores envergarem no peito e nas costas, placas a dizer «saldos», situação atentatória «da imagem e dignidade destas trabalhadoras». A mesma situação está a ocorrer neste momento com adereços de Natal.
As dirigentes sindicais salientaram que a falta de higiene é facilmente comprovável em várias lojas e armazéns onde proliferam ratos, baratas e outros parasitas.
O CESP acusa na mesma carta, a segurança do Hiper da Bela Vista de obrigar as precárias nas caixas a registar como venda paga em dinheiro, produtos roubados na loja. Acusa ainda a segurança de fazer escutas e gravações ilegais.
A desregulação horária e o desrespeito pelos tempos de descanso são também fortemente criticadas.
Até ao momento, o CESP não obteve qualquer resposta à carta que fazia um apelo para que a administração reflectisse seriamente sobre estas realidades, «antes de se radicalizarem mais as posições».
Caso se efective o alargamento do período de refeição, os trabalhadores vão assumir novas formas de luta.


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