Independência
Na nossa recente visita ao Parlamento escocês, em Edimburgo, verificámos que os debates na Câmara, em Milne´s Court, se acaloravam perante o escândalo do financiamento das obras do novo edifício do Parlamento. Na verdade, as obras tinham sido orçamentadas em 65 milhões de Euros, mas os custos reais já atingem a soma abismal de 675 milhões. Esta importância está a ser financiada pelo Orçamento central do governo britânico, mas surgem dúvidas quanto ao que terá originado uma tão larga discrepância. Apontam-se nomes. Fala-se em corrupção.
Os problemas do povo escocês não são poucos. O endividamento das famílias face às múltiplas tentações que o capitalismo sugere, o encerramento das grandes indústrias que garantiam trabalho, o medo, o medo de um descalabro geral do sistema que leve a mais desemprego, a falta de confiança no amanhã, dadas as realidades presentes, são apenas três ou quatro desses problemas. Alguns cidadãos mais revoltados não deixavam de revelar-nos o seu estado de espírito: «Este país não pode continuar assim. Parece que toda a gente está satisfeita em ver a Escócia em lugares secundários. No futebol, por exemplo, quando se conseguem segundas posições as pessoas ficam satisfeitas. Os adeptos escoceses, quando em visitas ao estrangeiro, são sempre os melhor comportados, não dão lugar a confrontos. A Escócia, assim, adquire um estatuto que, historicamente, não é o seu. Andamos a servir de criados dos ingleses, dos americanos, dos europeus, dos japoneses ...». Resolvemos, assim, pedir uma entrevista a um membro do grupo parlamentar do «Scottish National Party». Para tal, este partido, o único que luta pela recuperação da independência, designou Nicola Sturgeon, deputada pelo círculo de Glasgow, uma jovem advogada, porta-voz do partido para os assuntos europeus e das relações externas.
Nicola, acolheu-nos no salão de visitas do Parlamento com uma revelação surpreendente: «Oh, conheço bem o “Avante!”. Só lamento não conhecer suficientemente a língua portuguesa para poder ler o vosso jornal. Mas há um membro do nosso partido, aqui em Edimburgo, que vos admira profundamente. O vosso jornal tem a fama gloriosa de haver lutado contra a ditadura nas condições negras da clandestinidade. Isso, todos nós sabemos ...».
Mas este enviado-especial do “Avante !”, apesar de orgulhoso do passado do seu jornal, queria a realidade. «Falemos da realidade escocesa, Nicola, a vossa realidade de nação absorvida na Grã-Bretanha e, indirectamente, na Europa». A resposta surgiu, quase implacável:
«O povo escocês anda com medo. Tem medo de falhar. Lutar pela independência, comprometer-se e, depois, não ter condições para enfrentar os interesses de poderosos países como a Inglaterra e os Estados Unidos. O povo, nas condições do momento, parece preferir situar-se no conjunto britânico, não deseja aventuras. Mas o meu partido, o Partido Nacional Escocês, ultrapassou esse medo e propõe ao país um futuro diferente. Também temos a consciência de que não podemos culpar os ingleses de todos os nossos problemas. De qualquer maneira, a entrada em funções do nosso Parlamento, em Julho de 1999, já foi um bom princípio para os que desejam a recuperação da independência nacional. Temos muitas esperanças em que a Escócia comece uma nova trajectória, mas integrada por direito próprio na nova Europa, numa Europa onde, actualmente, não temos voz».
Prosseguiu: «Tal como acontece em Portugal, a nossa indústria pesqueira tem sido dizimada sem que tenhamos tido a possibilidade de fazer ouvir os nossos protestos. O governo de Londres aceita as ideias da Comissão Europeia com toda a facilidade. Ninguém se lembra de ouvir a opinião dos escoceses. O mesmo tem acontecido com as indústrias que, de há vinte anos para cá, têm, verdadeiramente desaparecido do mapa. Falo da construção naval, da indústria automóvel, das grandes fábricas de aço que foram encerradas de forma brutal. O papel do meu partido, neste momento, consiste em convencer a população de que nada tem a temer no dia em que chegarmos ao governo de uma Escócia livre e independente».
O petróleo do Mar do Norte será objecto de negociações
Os mais ardorosos partidários da Escócia independente afirmam que o país dispõe de recursos amplos que lhe permitiria sobreviver. Por exemplo, a indústria do petróleo do Mar do Norte, implantada em território marítimo escocês, realizaria receitas mais do que suficientes para fazer frente às despesas do país, particularmente no sector social. A população, em gradual envelhecimento, teme pela continuidade do pagamento das suas pensões. Teme uma catastrófica ruptura das condições em vigor... Nicola Sturgeon, tinha resposta para estes problemas:
«Não seremos hostis aos ingleses que começaram a exploração dos poços de petróleo no Mar do Norte, nem aos americanos que o adquirem. Negociaremos com todos para que a Escócia consiga mais rendimento dos seus recursos sem dar lugar a conflitos». Salientámos que os americanos, se vissem os seus interesses em perigo, não hesitariam, provavelmente, em deslocar uma ou duas esquadras navais, com alguns porta-aviões, para as águas territoriais escocesas. Os ingleses fariam o mesmo. Tratariam a Escócia livre como estão a tratar o Iraque. Mas a nossa entrevistada resistiu a este apocalíptico cenário:
«Não temos problemas com o sistema da livre empresa mesmo se se desse o colapso geral do capitalismo. Como lhe disse, negociaremos com as companhias americanas e britânicas. Nunca poderíamos ir além disso. O mesmo quanto aos grandes bancos que, como sabe, dominam a conjuntura económico-financeira. Não nacionalizaríamos os bancos. Mas, evidentemente, sujeitá-los-íamos a um sistema fiscal rigoroso de modo a que o povo escocês se considerasse liberto das grilhetas que o sacrificam, actualmente. Mas a livre empresa privada seria tolerada e protegida. Isto não significa que estejamos, em tudo, ao lado daquilo que os comunistas designam como o imperialismo. A nossa posição quanto à guerra no Iraque é bem clara. Somos, totalmente, contrários à agressão feita aos iraquianos e já manifestámos o nosso desejo de que as tropas britânicas e americanas saiam daquele país o mais depressa possível».
Monarquia ou República?
Outra grave questão que preocupa o povo escocês é a do futuro da monarquia no país. Como se sabe, a suprema figura do Estado britânico, que incorpora a Escócia segundo o Tratado de 1707, é a rainha Isabel II. A casa real escocesa desapareceu e dos Stuarts já não se encontram vestígios. Que regime adoptaria uma Escócia independente ?
«Se a minha opinião pessoal contasse, adoptaríamos o regime republicano, sem quaisquer dúvidas. Mas a política que o meu partido considera mais adequada consiste em submeter toda a questão ao juízo supremo da opinião pública. Através de um referendo, o povo escocês daria a conhecer a sua preferência. Como sabe, existe em todo o país uma larga proporção de gente mais velha, particularmente do sexo feminino, que, por razões sentimentais, não se importaria de manter os Windsor (casa real inglesa) na situação de chefes do Estado escocês independente. A contradição é evidente. Mas as coisas são o que são. O povo não esquece que a falecida rainha mãe era escocesa».
O Partido Nacional Escocês tem cerca de 16 000 membros efectivos. Conta com 27 deputados no Parlamento escocês e com 5 no de Westminster (Londres). Trata-se de um partido de centro-esquerda com um largo número de aderentes de origem da baixa classe média mas com simpatias em sectores da classe trabalhadora.
O Parlamento escocês
O Parlamento de Edimburgo situa-se na zona mais antiga mas profundamente espectacular da capital. O edifício principal, onde os debates se realizam, resulta do velho Assembly Hall, construído em 1858-59 e aumentado em 1883-85 quando os velhos prédios do lado ocidental de Mylne’s Court foram demolidos. Mas trata-se de uma localização temporária, ainda que de belíssimas condições, onde o Parlamento reunirá até que as novas instalações estejam concluídas. Mylne’s Court está a cem metros, apenas, da histórica Parliament Square onde o velho parlamento reuniu até que se realizou o fatal debate que levou a que a Escócia desistisse de ser um Estado independente (1707). Hoje, o edifício onde o país livre cessou é a sede de todo o sistema judicial. Mas, em frente, situam-se as instalações parlamentares administrativas e de relações públicas.
O Parlamento foi investido em 1 de Julho de 1999. Tem quatro símbolos: o da Sabedoria, o da Justiça, o da Compaixão, o da Integridade. O número de deputados eleitos é de 129. Destes, 73 são eleitos por circunscrições eleitorais. Os restantes 56 são eleitos por regiões. O «Presiding Officer», dirige os trabalhos com a assessoria de dois outros deputados. O governo local escocês resulta de uma aliança entre o «New Labour» e os Liberais. Levam à prática uma política assente nas decisões dos «blairistas» em Londres. Na oposição, a actividade do «Scottish National Party» e do «Scottish Socialist Party», este, dirigido por Tommy Sheridan, é particularmente radical. Os conservadores não possuem expressão significativa no Parlamento.
O «Scottish Socialist Party» foi fundado por elementos do Partido Trabalhista que discordaram da política do primeiro-ministro, Tony Blair e decidiram procurar o seu próprio caminho. As suas propostas reflectem preocupações de ordem social bastante profundas num país de 5 054 800 habitantes, dos quais: 1 692 639 são de idade superior a 50 anos; 1 044 733 contam mais de 60 anos; 782 906 já ultrapassaram os 65 anos; 949 785 são pensionistas; 334 319 têm mais de 75 anos; 88 005 já vão além dos 85 anos. A esperança de vida, actualmente, é de 73 anos para os homens e de 78 para as mulheres.
A voz da história
A trajectória do povo escocês está repleta de grandes momentos vitoriosos, mas também de derrotas dolorosas que marcaram o destino do país. Até que em 1707, um grupo de derrotistas sem confiança no destino da pátria de Wallace e Bruce, votou, em Edimburgo, pela integração no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. Vejamos como a situação se desenvolveu.
Ano de 730: Angus MacFergus, o rei dos Pictos, torna-se senhor dos «Scots» da Dalriada (Irlanda) e dos britânicos de Strathclyde (região de Glasgow);
Ano de 844: Kenneth MacAlpin, rei dos «Scots» da Dalriada, ascende ao trono dos Pictos e toda a Escócia a norte do rio Forth se torna, teoricamente, num verdadeiro reino;
Ano de 1018: Malcolm II derrota os anglos da Nothumbria em Carham e anexa a região das Lothians (sul de Edimburgo); Duncan, neto de Malcolm II, sucede-lhe no trono de Strathclyde;
Ano de 1034: Duncan torna-se rei de toda a Escócia moderna;
1040: O general Macbeth derrota e mata Duncan;
1057: Malcolm III (Canmore) derrota e mata Macbeth, sucedendo-lhe no trono;
1070: Estabelecimento da Igreja Romana no país dos escoceses;
1174: William, o rei-leão, é capturado pelos ingleses; o Tratado de Falaise estabelece o domínio inglês em todo o país;
1189: Acordo entre William e Richard I de Inglaterra tendo como resultado a anulação do Tratado de Falaise;
1266: O rei dos «vikings» noruegueses, Eric, cede aos escoceses as ilhas Hebridas contra um pagamento em dinheiro;
1249: Subida ao trono de Alexandre III que, com 13 anos, desposa Margaret, uma princesa de origem húngara com oito anos de idade; o casamento é consumado e o casal vai viver no palácio real de Edimburgo;
1292: Balliol sobe ao trono escocês, mas como vassalo da Inglaterra;
1296: Edward I de Inglaterra, arrasa e saqueia Berwick-on-Tweed, derrota o exército escocês em Dunbar e marcha, triunfalmente, sobre toda a Escócia;
1297: William Wallace, um nobre de pequenos recursos, apela ao patriotismo dos escoceses e forma um exército que derrota os ingleses na famosa batalha de Stirling Bridge;
1298: Derrota de William Wallace em Falkirk;
1305: O herói nacional, Wallace, aprisionado pelos ingleses, é transportado para Londres e executado; as pernas e os braços foram objecto de distribuição nas cidades escocesas; o dorso ficou pendente na Torre de Londres para que a navegação no Tamisa verificasse o que podia acontecer a quem não aceitasse vassalagem perante o trono inglês;
1306: Coroação de Robert Bruce que começa por ser derrotado em Methven;
1314: Histórico triunfo em Bannockburn (perto de Stirling); os ingleses, derrotados por Bruce, acabam por reconhecer a independência da Escócia; tal como o Papa, em Roma;
1346: Derrota e captura de David II em Neville’s Cross, perto de Durham;
1411: Fundação da Universidade de St. Andrews;
1439: Decapitação dos irmãos Douglas, chefes da mais poderosa família;
1451: Fundação da Universidade de Glasgow;
1488: Derrota e morte de James III, em Sauchieburn;
1495: Fundação da Universidade de Aberdeen;
1513: Derrota e morte de James IV na batalha de Floden; os protestantes, liderados por John Knox (calvinista) surgem no cenário político-religioso;
1528: Martírio do protestante Patrick Hamilton;
1542: Derrota dos escoceses em Solway Moss; morte de James V; subida ao trono da rainha Mary;
1546: Martírio do protestante George Wishart; assassínio do cardeal Beaton;
1548: A rainha Mary foi enviada para França; Mary de Guise assume a Regência;
1559: Destruição de edifícios, monumentos e bibliotecas, pelos protestantes;
1560: Adopção do protestantismo pelo Parlamento;
1561: Regresso da rainha Mary após a morte do Delfim, em França;
1565: Casamento de Mary com Darnley;
1566: Assassínio do secretário de Mary, o italiano Rizzio, diante dos olhos da própria rainha; nascimento do príncipe James que seria James VI;
1567: Assassínio de Darnley; rapto da rainha Mary por Bothwell com quem casaria dias depois; prisão da rainha e abdicação a favor do filho;
1568: Fuga da rainha que se achava detida no castelo de Lochleven; Mary decide dirigir-se para Inglaterra onde pede refúgio à prima, Isabel I;
1572: Morte de John Knox que governou a Escócia em nome do calvinismo;
1584: Fundação da Universidade de Edimburgo;
1587: Execução da rainha Mary, em Londres, acusada de subversão católica;
1603: Proclamação de James VI como James I de Inglaterra, juntando os tronos dos dois países;
1609: Plantação das primeiras terras no Ulster (Irlanda do Norte);
1644: Em plena guerra civil inglesa, vitórias do general escocês, Montrose, em Tippermuir e Aberdeen;
1645: Batalha de Naseby (Guerra Civil); novos triunfos de Montrose;
1646: O rei de Inglaterra, Charles I, certo de ser derrotado por Cromwell, entrega-se aos escoceses; mais tarde decide deixar-se aprisionar pelas forças revolucionárias que Cromwell chefia;
1648: Vitória decisiva de Cromwell, em Preston;
1649: Execução do rei, Charles I, em Londres; proclamação de Charles II, só na Escócia;
1650: Execução de Montrose por ordem de Cromwell que derrota e humilha os escoceses em Dunbar e (1651) em Worcester;
1660: Restauração da monarquia inglesa sob Charles II;
1661: Expulsão dos ministros presbiterianos que restavam no governo escocês;
1692: Massacre histórico dos MacDonalds, em Glencoe;
1707: União da Escócia ao Reino Unido da Grã-Bretanha;
A Escócia nas letras portuguesas
Do poema épico «Cantos Heróicos»
Autor: Lopo de Niebla.
Estância 34
Acolheram Mary na bela Inglaterra
O país da prima, Isabel primeira,
Que dela desconfiando se guardava
Porque a religião lhe fazia agravo;
Católica, Mary, um perigo encerra,
Ser da Grã-Bretanha a real herdeira –
Em nome da paz, contudo, se afastava
E, por igual, da filha de Henrique oitavo.
Estância 35
«Rainha ausente da Escócia brumosa
«Que em Dover ou Londres vives exilada,
«Por ti, os católicos rezam na Sé
«De Edimburgo e do romano universo»;
Disse-o, Luís, dessa escocesa famosa
Exausta, incerta, quase sempre calada,
Mas inimiga da anglicana fé
Que se expandia, mas de modo disperso.
Estância 36
Drama de um povo, drama de uma nação,
Da estabilidade sempre no encalço –
Macbeth, o general Duncan abateu
E Canmore teria de matar Macbeth;
Quanto a Mary, foi posta fora de acção,
Enviada a cabeça ao povo descalço,
A ele que foi quem melhor se bateu,
Isto, em mil quinhentos e oitenta e sete.
Nicola, acolheu-nos no salão de visitas do Parlamento com uma revelação surpreendente: «Oh, conheço bem o “Avante!”. Só lamento não conhecer suficientemente a língua portuguesa para poder ler o vosso jornal. Mas há um membro do nosso partido, aqui em Edimburgo, que vos admira profundamente. O vosso jornal tem a fama gloriosa de haver lutado contra a ditadura nas condições negras da clandestinidade. Isso, todos nós sabemos ...».
Mas este enviado-especial do “Avante !”, apesar de orgulhoso do passado do seu jornal, queria a realidade. «Falemos da realidade escocesa, Nicola, a vossa realidade de nação absorvida na Grã-Bretanha e, indirectamente, na Europa». A resposta surgiu, quase implacável:
«O povo escocês anda com medo. Tem medo de falhar. Lutar pela independência, comprometer-se e, depois, não ter condições para enfrentar os interesses de poderosos países como a Inglaterra e os Estados Unidos. O povo, nas condições do momento, parece preferir situar-se no conjunto britânico, não deseja aventuras. Mas o meu partido, o Partido Nacional Escocês, ultrapassou esse medo e propõe ao país um futuro diferente. Também temos a consciência de que não podemos culpar os ingleses de todos os nossos problemas. De qualquer maneira, a entrada em funções do nosso Parlamento, em Julho de 1999, já foi um bom princípio para os que desejam a recuperação da independência nacional. Temos muitas esperanças em que a Escócia comece uma nova trajectória, mas integrada por direito próprio na nova Europa, numa Europa onde, actualmente, não temos voz».
Prosseguiu: «Tal como acontece em Portugal, a nossa indústria pesqueira tem sido dizimada sem que tenhamos tido a possibilidade de fazer ouvir os nossos protestos. O governo de Londres aceita as ideias da Comissão Europeia com toda a facilidade. Ninguém se lembra de ouvir a opinião dos escoceses. O mesmo tem acontecido com as indústrias que, de há vinte anos para cá, têm, verdadeiramente desaparecido do mapa. Falo da construção naval, da indústria automóvel, das grandes fábricas de aço que foram encerradas de forma brutal. O papel do meu partido, neste momento, consiste em convencer a população de que nada tem a temer no dia em que chegarmos ao governo de uma Escócia livre e independente».
O petróleo do Mar do Norte será objecto de negociações
Os mais ardorosos partidários da Escócia independente afirmam que o país dispõe de recursos amplos que lhe permitiria sobreviver. Por exemplo, a indústria do petróleo do Mar do Norte, implantada em território marítimo escocês, realizaria receitas mais do que suficientes para fazer frente às despesas do país, particularmente no sector social. A população, em gradual envelhecimento, teme pela continuidade do pagamento das suas pensões. Teme uma catastrófica ruptura das condições em vigor... Nicola Sturgeon, tinha resposta para estes problemas:
«Não seremos hostis aos ingleses que começaram a exploração dos poços de petróleo no Mar do Norte, nem aos americanos que o adquirem. Negociaremos com todos para que a Escócia consiga mais rendimento dos seus recursos sem dar lugar a conflitos». Salientámos que os americanos, se vissem os seus interesses em perigo, não hesitariam, provavelmente, em deslocar uma ou duas esquadras navais, com alguns porta-aviões, para as águas territoriais escocesas. Os ingleses fariam o mesmo. Tratariam a Escócia livre como estão a tratar o Iraque. Mas a nossa entrevistada resistiu a este apocalíptico cenário:
«Não temos problemas com o sistema da livre empresa mesmo se se desse o colapso geral do capitalismo. Como lhe disse, negociaremos com as companhias americanas e britânicas. Nunca poderíamos ir além disso. O mesmo quanto aos grandes bancos que, como sabe, dominam a conjuntura económico-financeira. Não nacionalizaríamos os bancos. Mas, evidentemente, sujeitá-los-íamos a um sistema fiscal rigoroso de modo a que o povo escocês se considerasse liberto das grilhetas que o sacrificam, actualmente. Mas a livre empresa privada seria tolerada e protegida. Isto não significa que estejamos, em tudo, ao lado daquilo que os comunistas designam como o imperialismo. A nossa posição quanto à guerra no Iraque é bem clara. Somos, totalmente, contrários à agressão feita aos iraquianos e já manifestámos o nosso desejo de que as tropas britânicas e americanas saiam daquele país o mais depressa possível».
Monarquia ou República?
Outra grave questão que preocupa o povo escocês é a do futuro da monarquia no país. Como se sabe, a suprema figura do Estado britânico, que incorpora a Escócia segundo o Tratado de 1707, é a rainha Isabel II. A casa real escocesa desapareceu e dos Stuarts já não se encontram vestígios. Que regime adoptaria uma Escócia independente ?
«Se a minha opinião pessoal contasse, adoptaríamos o regime republicano, sem quaisquer dúvidas. Mas a política que o meu partido considera mais adequada consiste em submeter toda a questão ao juízo supremo da opinião pública. Através de um referendo, o povo escocês daria a conhecer a sua preferência. Como sabe, existe em todo o país uma larga proporção de gente mais velha, particularmente do sexo feminino, que, por razões sentimentais, não se importaria de manter os Windsor (casa real inglesa) na situação de chefes do Estado escocês independente. A contradição é evidente. Mas as coisas são o que são. O povo não esquece que a falecida rainha mãe era escocesa».
O Partido Nacional Escocês tem cerca de 16 000 membros efectivos. Conta com 27 deputados no Parlamento escocês e com 5 no de Westminster (Londres). Trata-se de um partido de centro-esquerda com um largo número de aderentes de origem da baixa classe média mas com simpatias em sectores da classe trabalhadora.
O Parlamento escocês
O Parlamento de Edimburgo situa-se na zona mais antiga mas profundamente espectacular da capital. O edifício principal, onde os debates se realizam, resulta do velho Assembly Hall, construído em 1858-59 e aumentado em 1883-85 quando os velhos prédios do lado ocidental de Mylne’s Court foram demolidos. Mas trata-se de uma localização temporária, ainda que de belíssimas condições, onde o Parlamento reunirá até que as novas instalações estejam concluídas. Mylne’s Court está a cem metros, apenas, da histórica Parliament Square onde o velho parlamento reuniu até que se realizou o fatal debate que levou a que a Escócia desistisse de ser um Estado independente (1707). Hoje, o edifício onde o país livre cessou é a sede de todo o sistema judicial. Mas, em frente, situam-se as instalações parlamentares administrativas e de relações públicas.
O Parlamento foi investido em 1 de Julho de 1999. Tem quatro símbolos: o da Sabedoria, o da Justiça, o da Compaixão, o da Integridade. O número de deputados eleitos é de 129. Destes, 73 são eleitos por circunscrições eleitorais. Os restantes 56 são eleitos por regiões. O «Presiding Officer», dirige os trabalhos com a assessoria de dois outros deputados. O governo local escocês resulta de uma aliança entre o «New Labour» e os Liberais. Levam à prática uma política assente nas decisões dos «blairistas» em Londres. Na oposição, a actividade do «Scottish National Party» e do «Scottish Socialist Party», este, dirigido por Tommy Sheridan, é particularmente radical. Os conservadores não possuem expressão significativa no Parlamento.
O «Scottish Socialist Party» foi fundado por elementos do Partido Trabalhista que discordaram da política do primeiro-ministro, Tony Blair e decidiram procurar o seu próprio caminho. As suas propostas reflectem preocupações de ordem social bastante profundas num país de 5 054 800 habitantes, dos quais: 1 692 639 são de idade superior a 50 anos; 1 044 733 contam mais de 60 anos; 782 906 já ultrapassaram os 65 anos; 949 785 são pensionistas; 334 319 têm mais de 75 anos; 88 005 já vão além dos 85 anos. A esperança de vida, actualmente, é de 73 anos para os homens e de 78 para as mulheres.
A voz da história
A trajectória do povo escocês está repleta de grandes momentos vitoriosos, mas também de derrotas dolorosas que marcaram o destino do país. Até que em 1707, um grupo de derrotistas sem confiança no destino da pátria de Wallace e Bruce, votou, em Edimburgo, pela integração no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. Vejamos como a situação se desenvolveu.
Ano de 730: Angus MacFergus, o rei dos Pictos, torna-se senhor dos «Scots» da Dalriada (Irlanda) e dos britânicos de Strathclyde (região de Glasgow);
Ano de 844: Kenneth MacAlpin, rei dos «Scots» da Dalriada, ascende ao trono dos Pictos e toda a Escócia a norte do rio Forth se torna, teoricamente, num verdadeiro reino;
Ano de 1018: Malcolm II derrota os anglos da Nothumbria em Carham e anexa a região das Lothians (sul de Edimburgo); Duncan, neto de Malcolm II, sucede-lhe no trono de Strathclyde;
Ano de 1034: Duncan torna-se rei de toda a Escócia moderna;
1040: O general Macbeth derrota e mata Duncan;
1057: Malcolm III (Canmore) derrota e mata Macbeth, sucedendo-lhe no trono;
1070: Estabelecimento da Igreja Romana no país dos escoceses;
1174: William, o rei-leão, é capturado pelos ingleses; o Tratado de Falaise estabelece o domínio inglês em todo o país;
1189: Acordo entre William e Richard I de Inglaterra tendo como resultado a anulação do Tratado de Falaise;
1266: O rei dos «vikings» noruegueses, Eric, cede aos escoceses as ilhas Hebridas contra um pagamento em dinheiro;
1249: Subida ao trono de Alexandre III que, com 13 anos, desposa Margaret, uma princesa de origem húngara com oito anos de idade; o casamento é consumado e o casal vai viver no palácio real de Edimburgo;
1292: Balliol sobe ao trono escocês, mas como vassalo da Inglaterra;
1296: Edward I de Inglaterra, arrasa e saqueia Berwick-on-Tweed, derrota o exército escocês em Dunbar e marcha, triunfalmente, sobre toda a Escócia;
1297: William Wallace, um nobre de pequenos recursos, apela ao patriotismo dos escoceses e forma um exército que derrota os ingleses na famosa batalha de Stirling Bridge;
1298: Derrota de William Wallace em Falkirk;
1305: O herói nacional, Wallace, aprisionado pelos ingleses, é transportado para Londres e executado; as pernas e os braços foram objecto de distribuição nas cidades escocesas; o dorso ficou pendente na Torre de Londres para que a navegação no Tamisa verificasse o que podia acontecer a quem não aceitasse vassalagem perante o trono inglês;
1306: Coroação de Robert Bruce que começa por ser derrotado em Methven;
1314: Histórico triunfo em Bannockburn (perto de Stirling); os ingleses, derrotados por Bruce, acabam por reconhecer a independência da Escócia; tal como o Papa, em Roma;
1346: Derrota e captura de David II em Neville’s Cross, perto de Durham;
1411: Fundação da Universidade de St. Andrews;
1439: Decapitação dos irmãos Douglas, chefes da mais poderosa família;
1451: Fundação da Universidade de Glasgow;
1488: Derrota e morte de James III, em Sauchieburn;
1495: Fundação da Universidade de Aberdeen;
1513: Derrota e morte de James IV na batalha de Floden; os protestantes, liderados por John Knox (calvinista) surgem no cenário político-religioso;
1528: Martírio do protestante Patrick Hamilton;
1542: Derrota dos escoceses em Solway Moss; morte de James V; subida ao trono da rainha Mary;
1546: Martírio do protestante George Wishart; assassínio do cardeal Beaton;
1548: A rainha Mary foi enviada para França; Mary de Guise assume a Regência;
1559: Destruição de edifícios, monumentos e bibliotecas, pelos protestantes;
1560: Adopção do protestantismo pelo Parlamento;
1561: Regresso da rainha Mary após a morte do Delfim, em França;
1565: Casamento de Mary com Darnley;
1566: Assassínio do secretário de Mary, o italiano Rizzio, diante dos olhos da própria rainha; nascimento do príncipe James que seria James VI;
1567: Assassínio de Darnley; rapto da rainha Mary por Bothwell com quem casaria dias depois; prisão da rainha e abdicação a favor do filho;
1568: Fuga da rainha que se achava detida no castelo de Lochleven; Mary decide dirigir-se para Inglaterra onde pede refúgio à prima, Isabel I;
1572: Morte de John Knox que governou a Escócia em nome do calvinismo;
1584: Fundação da Universidade de Edimburgo;
1587: Execução da rainha Mary, em Londres, acusada de subversão católica;
1603: Proclamação de James VI como James I de Inglaterra, juntando os tronos dos dois países;
1609: Plantação das primeiras terras no Ulster (Irlanda do Norte);
1644: Em plena guerra civil inglesa, vitórias do general escocês, Montrose, em Tippermuir e Aberdeen;
1645: Batalha de Naseby (Guerra Civil); novos triunfos de Montrose;
1646: O rei de Inglaterra, Charles I, certo de ser derrotado por Cromwell, entrega-se aos escoceses; mais tarde decide deixar-se aprisionar pelas forças revolucionárias que Cromwell chefia;
1648: Vitória decisiva de Cromwell, em Preston;
1649: Execução do rei, Charles I, em Londres; proclamação de Charles II, só na Escócia;
1650: Execução de Montrose por ordem de Cromwell que derrota e humilha os escoceses em Dunbar e (1651) em Worcester;
1660: Restauração da monarquia inglesa sob Charles II;
1661: Expulsão dos ministros presbiterianos que restavam no governo escocês;
1692: Massacre histórico dos MacDonalds, em Glencoe;
1707: União da Escócia ao Reino Unido da Grã-Bretanha;
A Escócia nas letras portuguesas
Do poema épico «Cantos Heróicos»
Autor: Lopo de Niebla.
Estância 34
Acolheram Mary na bela Inglaterra
O país da prima, Isabel primeira,
Que dela desconfiando se guardava
Porque a religião lhe fazia agravo;
Católica, Mary, um perigo encerra,
Ser da Grã-Bretanha a real herdeira –
Em nome da paz, contudo, se afastava
E, por igual, da filha de Henrique oitavo.
Estância 35
«Rainha ausente da Escócia brumosa
«Que em Dover ou Londres vives exilada,
«Por ti, os católicos rezam na Sé
«De Edimburgo e do romano universo»;
Disse-o, Luís, dessa escocesa famosa
Exausta, incerta, quase sempre calada,
Mas inimiga da anglicana fé
Que se expandia, mas de modo disperso.
Estância 36
Drama de um povo, drama de uma nação,
Da estabilidade sempre no encalço –
Macbeth, o general Duncan abateu
E Canmore teria de matar Macbeth;
Quanto a Mary, foi posta fora de acção,
Enviada a cabeça ao povo descalço,
A ele que foi quem melhor se bateu,
Isto, em mil quinhentos e oitenta e sete.