Meditações pastorais (2)

Reforço da cadeia de comando

Jorge Messias
Seria infantil admitir-se que os bispos portugueses e o Núncio de todas as Es­pa­nhas se tivessem reunido em Fátima só para discutirem o «Europeu de Futebol»! São truques que já não colhem. O tema central foi, de certeza, outro. Não seria ousado arriscar-se que a principal preocupação do episcopado terá girado em torno da próxima reorganização territorial da igreja portuguesa. Aliás, o tema já foi anteriormente aflorado nesta coluna do Avante! (v. Re­forma Pa­ro­quial). Resumindo: a igreja católica portuguesa dispõe de uma vasta área de influência social. No entanto, a sua implantação dispersa-se por milhares de pequenos núcleos locais desajustados da vida moderna, facto que impõe substituir a anterior noção conservadora de ca­te­quese (em que a cristandade urbana convertia os campos pagãos), pela tese liberal de que é à cidade que compete invadir, conquistar e converter o paganismo. Ou seja, a igreja terá de se mo­der­nizar rapidamente alinhando, como nos tempos do Império Romano, as suas formas de implantação territorial com as dos romanos actuais. Além disso, importa eliminar desiquilíbrios que possam vir a pôr em contradição as relações entre uma igreja paralisada e um Estado semi-laico de grande dinamismo. Desde há anos que a hierarquia tem reflectido nestas complexas questões.
Pode perceber-se que já nos tempos do cardeal Cerejeira o problema se começava a esboçar. Mas foi com D. António Ribeiro que o caso ganhou a sua verdadeira dimensão. Os bispos dividiram-se entre o ag­gi­or­na­mento e a tradição. Tratava-se, de certo modo, do retorno à clássica oposição entre a cidade e o campo. Depois, com a progressiva afirmação das teses do capitalismo neoliberal, o fiel da balança pendeu definitivamente para o lado da facção modernizante. A igreja/cidade iria consumir a decrépita igreja rural.
Melhor que ninguém, os bispos portugueses conhecem as dificuldades e os riscos desta intervenção cirúrgica. Basta constatar que se trata do transplante de uma igreja anquilosada, parada no tempo, para o interior de uma sociedade globalizante em acelerada transformação. O acto requer mentalidades novas, especialistas competentes e uma cadeia de comando decidida a fazer-se obedecer. No interior da hierarquia portuguesa, o projecto de expansão possui desde já de uma dinâmica irreversível. Pode dizer-se que «a sorte está lançada». Independentemente dos efeitos que a decisão vier a revelar.
Como já é público, o projecto de reforma profunda das dioceses e das paróquias portuguesas passará pela criação de uma nova Província Eclesiástica (trabalho cuja planificação está entregue a D. José Alves, bispo de Coimbra), pela extinção das pequenas paróquias rurais e pela substituição gradual do pároco residente por equipas inter-diocesanas móveis, constituídas por sacerdotes, religiosos e leigos altamente preparados para a evan­ge­li­zação ter­ri­to­rial de base sócio-ca­ri­ta­tiva. A reforma, se resultar, poderá vir a materializar os mais ambiciosos sonhos da hierarquia. Constituirá o aproveitamento de uma oportunidade rara para cristianizar áreas decisivas
como as da saúde, da educação, da segurança social, do emprego, da família,
da terceira idade e da infância, etc. E será dar resposta a tudo quanto o Estado laico tem mostrado ser incapaz de resolver. Nesse sentido, e para apoiar o esforço da igreja, há grandes massas financeiras disponíveis e um incondicional apoio por parte das forças políticas no governo. Os bispos irão avançar.
A CEP reconhece, porém, que o projecto desencadeará riscos de nível transcendente. Há dúvidas que prevalecem. Deve contar-se com um acirrar das contestações de sectores da igreja tradicional, das dioceses rurais, das misericórdias do interior, das ordens religiosas sempre ciosas das suas iniciativas caritativas, etc. Por outro lado, a intervenção social maciça da igreja implica a disponibilização de um grande contingente de técnicos missionários capazes de garantir a ligação constante entre o teológico e o profissional. São obstáculos temíveis mas reais que não serão ignorados. Os bispos bem sabem que seria catastrófico tentar e perder. Por isso, criaram um núcleo duro no interior da sua cadeia de comando. São mudanças que convém acompanhar, mesmo de longe.


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