Ir às aulas ou trabalhar para pagar as propinas?
Os valores das propinas aumentaram no mínimo 30 por cento, mas a maioria das faculdades fixou o seu valor máximo, 852 euros, num aumento de 140 por cento. Que impacto têm estes números na vida dos estudantes? Rute Prezado e João Seco respondem.
«As pessoas estão revoltadas com o valor das propinas»
Rute Prezado tem pelo menos cinco anos de preocupações pela frente e ainda agora entrou no ensino superior, em Arquitectura Paisagística, no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.
Desde há uma semana, Rute sai de casa a meio da manhã para apanhar o autocarro até à Calçada da Tapada. Para chegar às salas de aulas é sempre a subir, porque a Tapada da Ajuda fica lá em cima, como uma metáfora dos seus objectivos. São difíceis de alcançar? Provavelmente, mas ela não deixa de avançar.
Uma das barreiras é constituída pelas propinas, monstro real que se mostra a Rute em números bem grandes: 852 euros, o valor máximo. «Eu não estava à espera. Não quer dizer que não se arranje dinheiro, mas vai ser bastante difícil», comenta.
Colegas com mais experiência disseram-lhe que iria gastar 500 euros só em material. «Se somar isso às propinas, fico com um problema muito grave. Eu não quero deixar de estudar, eu lutei por estar aqui. Mas não sei até que ponto é que isso vai ser possível.» Só na semana passada, investiu 25 euros em material escolar, mas ainda lhe falta comprar livros, uma bata, algumas sebentas e tabelas periódicas. Só um dos livros custa 60 euros e – mais um problema para resolver – é obrigatório numa das disciplinas. «Eu não o vou comprar, não tenho dinheiro. Ou vou à biblioteca tirar apontamentos do que é necessário ou peço-o emprestado a alguém que o tenha e tiro fotocópias», refere Rute.
Entre a espada...
Rute Prezado trabalha há alguns anos para compensar os gastos familiares. «Dá para eu comer na escola ou para comprar alguma coisa sem ter de pedir dinheiro aos meus pais.» Agora abandonou as entrevistas dos estudos de mercado, o curso tornou-se a sua prioridade absoluta.
«Não vou conseguir manter um trabalho com tudo o que tenho de estudar. Neste momento estou a pedir ajuda aos meus pais. Para eu poder estudar, eles vão ter de fazer menos gastos, não podem comprar coisas que até aqui compravam, até mesmo alguma comida, não vão poder ter dinheiro de lado para alguma emergência... Não sei se vou ter de arranjar trabalhos de vez em quando para ter dinheiro para as minhas despesas.»
Rute não adivinha o futuro, mas prevê que terá mesmo de deixar algumas cadeiras para trás, trocando as aulas e os livros por um part-time. Afinal, as despesas têm mesmo de ser pagas e o dinheiro ainda não cai do céu. «Quando soube que tinha entrado, a minha mãe disse-me que não sabia como é que ia conseguir pagar os meus estudos. A única coisa que posso fazer é arranjar um trabalho fixo, com estatuto de trabalhador-estudante e tentar alterar as datas dos exames. Mas isso é cheio de limitações!»
A situação irá manter-se ao longo da licenciatura, «a não ser que alguém ganhe a lotaria, o que eu duvido muito.» Rute nem sequer joga, prefere apostar no seguro, mas isso significa fazer opções: a frequência do curso ou o dinheiro para o pagar.
«Tenho o horário da tarde na faculdade. Se eu for trabalhar à noite, faço o horário das 18h às 22h e chego a casa às 23h, na melhor das hipóteses, com os transportes públicos. Tenho a manhã ou a noite para estudar e, estando a trabalhar, é muito difícil. Assim, vivo para o trabalho e para o estudo e não faço mais nada. Mas as pessoas precisam de sair um bocado, de ter ar fresco e sanidade mental, nem que seja estar com os amigos ou arranjar um sítio onde ler um livro de vez em quando. Isso deixava de existir, se eu estivesse a trabalhar.»
Muito dinheiro
Rute Prezado não espera muito da nova ministra da Ciência e do Ensino Superior. «A minha esperança é a reacção dos estudantes. Há imensa revolta. Isto realmente não pode ficar assim e nós têm razão, não andamos a gritar só porque nos apetece. Nota-se que as pessoas estão revoltadas com o valor das propinas. Põem-se a fazer contas e têm noção de que é muito dinheiro», afirma.
«Percebi que, por trás destes valores, está a ideia de que a propina alta tem de ser a das instituições de prestígio. É uma ideia tão errada!», nota. «É como dizer: “Se queres ser alguém na vida, vai para a faculdade com a propina alta.” Isso vai condicionar as pessoas que não têm grande disponibilidade financeira. Há famílias que vão começar a fazer contas e a decidir que os filhos não podem ir para um determinado curso – mesmo que seja aquele de que gostam – porque não podem pagar a propina. As pessoas deixam de fazer aquilo que realmente gostam e, quando isso acontece, em geral não são muito boas. Vão-se formar dois pólos: as pessoas que podem pagar os cursos que querem tirar e as que não podem», alerta.
Entretanto, Rute continua o seu percurso diário, da casa para a faculdade, sempre a subir, prometendo a si mesma não se cansar.
Desde há uma semana, Rute sai de casa a meio da manhã para apanhar o autocarro até à Calçada da Tapada. Para chegar às salas de aulas é sempre a subir, porque a Tapada da Ajuda fica lá em cima, como uma metáfora dos seus objectivos. São difíceis de alcançar? Provavelmente, mas ela não deixa de avançar.
Uma das barreiras é constituída pelas propinas, monstro real que se mostra a Rute em números bem grandes: 852 euros, o valor máximo. «Eu não estava à espera. Não quer dizer que não se arranje dinheiro, mas vai ser bastante difícil», comenta.
Colegas com mais experiência disseram-lhe que iria gastar 500 euros só em material. «Se somar isso às propinas, fico com um problema muito grave. Eu não quero deixar de estudar, eu lutei por estar aqui. Mas não sei até que ponto é que isso vai ser possível.» Só na semana passada, investiu 25 euros em material escolar, mas ainda lhe falta comprar livros, uma bata, algumas sebentas e tabelas periódicas. Só um dos livros custa 60 euros e – mais um problema para resolver – é obrigatório numa das disciplinas. «Eu não o vou comprar, não tenho dinheiro. Ou vou à biblioteca tirar apontamentos do que é necessário ou peço-o emprestado a alguém que o tenha e tiro fotocópias», refere Rute.
Entre a espada...
Rute Prezado trabalha há alguns anos para compensar os gastos familiares. «Dá para eu comer na escola ou para comprar alguma coisa sem ter de pedir dinheiro aos meus pais.» Agora abandonou as entrevistas dos estudos de mercado, o curso tornou-se a sua prioridade absoluta.
«Não vou conseguir manter um trabalho com tudo o que tenho de estudar. Neste momento estou a pedir ajuda aos meus pais. Para eu poder estudar, eles vão ter de fazer menos gastos, não podem comprar coisas que até aqui compravam, até mesmo alguma comida, não vão poder ter dinheiro de lado para alguma emergência... Não sei se vou ter de arranjar trabalhos de vez em quando para ter dinheiro para as minhas despesas.»
Rute não adivinha o futuro, mas prevê que terá mesmo de deixar algumas cadeiras para trás, trocando as aulas e os livros por um part-time. Afinal, as despesas têm mesmo de ser pagas e o dinheiro ainda não cai do céu. «Quando soube que tinha entrado, a minha mãe disse-me que não sabia como é que ia conseguir pagar os meus estudos. A única coisa que posso fazer é arranjar um trabalho fixo, com estatuto de trabalhador-estudante e tentar alterar as datas dos exames. Mas isso é cheio de limitações!»
A situação irá manter-se ao longo da licenciatura, «a não ser que alguém ganhe a lotaria, o que eu duvido muito.» Rute nem sequer joga, prefere apostar no seguro, mas isso significa fazer opções: a frequência do curso ou o dinheiro para o pagar.
«Tenho o horário da tarde na faculdade. Se eu for trabalhar à noite, faço o horário das 18h às 22h e chego a casa às 23h, na melhor das hipóteses, com os transportes públicos. Tenho a manhã ou a noite para estudar e, estando a trabalhar, é muito difícil. Assim, vivo para o trabalho e para o estudo e não faço mais nada. Mas as pessoas precisam de sair um bocado, de ter ar fresco e sanidade mental, nem que seja estar com os amigos ou arranjar um sítio onde ler um livro de vez em quando. Isso deixava de existir, se eu estivesse a trabalhar.»
Muito dinheiro
Rute Prezado não espera muito da nova ministra da Ciência e do Ensino Superior. «A minha esperança é a reacção dos estudantes. Há imensa revolta. Isto realmente não pode ficar assim e nós têm razão, não andamos a gritar só porque nos apetece. Nota-se que as pessoas estão revoltadas com o valor das propinas. Põem-se a fazer contas e têm noção de que é muito dinheiro», afirma.
«Percebi que, por trás destes valores, está a ideia de que a propina alta tem de ser a das instituições de prestígio. É uma ideia tão errada!», nota. «É como dizer: “Se queres ser alguém na vida, vai para a faculdade com a propina alta.” Isso vai condicionar as pessoas que não têm grande disponibilidade financeira. Há famílias que vão começar a fazer contas e a decidir que os filhos não podem ir para um determinado curso – mesmo que seja aquele de que gostam – porque não podem pagar a propina. As pessoas deixam de fazer aquilo que realmente gostam e, quando isso acontece, em geral não são muito boas. Vão-se formar dois pólos: as pessoas que podem pagar os cursos que querem tirar e as que não podem», alerta.
Entretanto, Rute continua o seu percurso diário, da casa para a faculdade, sempre a subir, prometendo a si mesma não se cansar.