Comentário

CIG 2003

Natacha Amaro
A abertura dos trabalhos da Conferência Intergovernamental (CIG) deu-se no passado dia 4 de Outubro, em Roma, convocada pelo Presidente do Conselho da União com o objectivo de obter um acordo entre todos os Estados sobre a alteração dos Tratados. Esta é a sexta CIG da história das Comunidades Europeias, tendo as anteriores dados passos como o Acto Único, a União Económica e Monetária, os Tratados de Maastricht, Amesterdão e Nice. As Conferências Intergovernamentais marcaram, ao longo dos anos, a construção europeia com um carácter cada vez mais federalista, cerceando a soberania dos Estados membros, mais neoliberal, com estratégias e políticas que resultam desastrosas para a economia de Estados mais pequenos como Portugal, e mais militarista. Para trás vai ficando a concretização de objectivos como a coesão económica e social, o ambiente, melhores condições de vida ou o emprego, sempre enunciados mas nunca atingidos com a infalibilidade de outros como o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O mé­todo da Con­venção

Mas esta CIG difere das anteriores no processo utilizado para discussão e obtenção de acordo sobre a alteração dos Tratados. Até aqui, o método utilizado era o intergovernamental em que os representantes dos Estados membros se reuniam durante alguns meses até à obtenção de um consenso. Após uma negociação dos Tratados demorada e difícil na Cimeira de Nice, ficou estabelecido na Declaração sobre o Futuro da Europa, em Laeken, que a próxima CIG seria precedida de uma Convenção, à semelhança da que foi criada para a Carta dos Direitos Fundamentais, que definisse e propusesse recomendações sobre questões essenciais suscitadas pelo desenvolvimento futuro da União.
Excedendo o seu mandato, a Convenção decidiu avançar para a apresentação de um projecto de tratado constitucional que substituiria e alteraria os Tratados em vigor, a chamada “Constituição Europeia”. Além do conteúdo do projecto apresentado, em que nos é proposta uma União onde o capitalismo desenfreado e explorador se acentua cada vez mais, o bloco político-militar europeu é aprofundado em estreita ligação com a NATO e o imperialismo americano e a integração comunitária se baseia em valores neoliberais e mercantis, não se pode deixar de frisar a natureza do debate realizado pela Convenção. Alardeando transparência e abertura na discussão, a Convenção resultou, mais uma vez, num método pouco democrático em que os parlamentos nacionais são representados apenas por algumas das forças políticas que nele têm assento – curiosamente apenas as que partilham das ideias federalistas e neoliberais que dominam a discussão europeia – e em que é proposto um texto final para discussão na CIG que atenta contra a soberania dos Estados membros e os direitos e liberdades que as respectivas constituições garantem.

O de­bate

Assim, no passado sábado, os chefes de Estado e de Governo assistidos pelos seus Ministros dos Negócios Estrangeiros, iniciaram mais um processo de revisão dos Tratados estando em cima da mesa não só a aceitação do projecto como uma Constituição Europeia mas também o debate de contornos mais precisos de algumas matérias que compõem esta proposta. Alguns dos pontos que poderão revelar-se mais problemáticos são: o cálculo da maioria qualificada nas decisões do conselho de ministros, as presidências rotativas da União Europeia, a composição da Comissão, a extensão das decisões por maioria qualificada em vez da unanimidade, a figura do Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros ou a inclusão de uma referência ao cristianismo no texto.
No entanto, mais do que o resultado do andamento dos trabalhos da CIG, é essencial alertar a opinião pública para as consequências dramáticas para a Europa, em geral, e para um país pequeno como Portugal, em particular, do avanço da orientação que a proposta de Tratado consubstancia. Apenas com um alargado e profundo debate sobre todas estas questões poderemos esclarecer e melhor preparar um movimento de resistência a mais uma grave ofensiva contra os interesses e a soberania do nosso país.
Outro elemento a combater é a tese tantas vezes difundida da “inevitabilidade” destes processos que é completamente eclipsada pela exigência de unanimidade na alteração dos Tratados. Está nas mãos dos chefes de Estado e de Governo, mesmo de países pequenos como Portugal, a rejeição deste projecto de Constituição bem como a procura de um outro caminho para a União Europeia. Está nas mãos de cada um de nós a manifestação de discordância com o rumo proposto e a pressão para que o Governo português faça valer os reais interesses do nosso país junto dos parceiros comunitários.


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