PCP debate a «Literacia na Juventude», em Lisboa

O ciclo vicioso da iliteracia

Meses depois do início da Década da Literacia, instituída pela ONU, o PCP promoveu um debate sobre este problema, as suas causas e consequências.

A literacia relaciona-se com a soberania e a independência do País

«Não se pode confundir iliteracia com burrice», afirmou um dos participantes no debate «Literacia na Juventude: Conhecimentos e Competências para a Vida», que se realizou no sábado, em Lisboa. A realidade mostra que a iliteracia é consequência de uma política de classe, contribuindo para o afastamento da população da participação na sociedade. «E para manter o estado de coisas», como sublinhou outro participante, que acrescentou que os iliterados não têm consciência da sua debilidade.
Privados de conhecer e privados de transmitir experiências e opiniões, os iliterados são em geral vítimas de um ciclo vicioso. Quem tem poucas condições, tem baixas qualificações e baixos salários e os filhos tendencialmente sofrem das mesmas carências. «A pobreza reproduz-se, tal como os percursos endémicos de exclusão social», afirmou Augusto Praça, professor na Escola Profissional Bento de Jesus Caraça.
Segundo este docente, trabalhar dá novas competências e novos saberes e estes podem ser reconhecidos pelo Sistema Nacional de Certificação Profissional. «As pessoas sentem-se motivadas a continuar os estudos quando se vêem reconhecidas pela experiência e conhecimentos adquiridos na vida profissional», acrescentou.
«Hoje considera-se a formação ao longo da vida muito importante. É fundamental de facto, mas não é gratuita. É uma contradição. Os novos contratos colectivos de trabalho referem a importância da formação, mas sempre fora do horário de trabalho. Ou seja, a obrigação de estar actualizado é do trabalhador, para competir melhor no mercado de trabalho. O esforço é do trabalhador, mas quem lucra são as empresas», referiu Augusto Praça.

Ensino é determinante

Natacha Amaro, membro da comissão junto do Comité Central do PCP para o trabalho da juventude, afirmou que em Portugal não há consciência do problema da iliteracia e que os iliterados facilmente caem na exclusão social. São infoexcluídos (não usam computadores e internet), muitos sentem-se desmotivados nas suas profissões, são absentistas no emprego e têm uma reduzida participação cívica e política. «A exigência é mínima e a resposta é mínima. É assim que se perpetuam os ciclos da iliteracia», sustentou.
Vasco Cardoso, dirigente da JCP, referiu que as dificuldades são ampliadas pela política de direita dos governos, que instituiu uma vida instável para os jovens. «O ensino não é o único responsável, mas é determinante. O Governo pretende recuperar os valores de elitização na educação e está a fazer com que os privados ganhem espaço. A escola pública e a democracia estão a ser atacadas», acusou.
No ensino superior, o processo de Bolonha vem hierarquizar as instituições, encurtar o tempo dos cursos e dos mestrados e aumentar o valor das propinas. «É a aplicação dos interesses dos privados», resumiu.
«A massificação do ensino não cria condições por si só, mas só a sua democratização pode contribuir para a melhoria da literacia. Na nossa “aldeia global”, tudo se sabe, mas pouco se explica e compreende. O entendimento do mundo é amputado», acrescentou.
Neste quadro, o movimento associativo juvenil desempenha um papel importante, como salientaram vários participantes.

A literacia é uma arma

A literacia é uma forma de liberdade e uma arma na sociedade. Esta ideia foi expressa por vários participantes no debate. Luísa Mesquita, deputada do PCP na Assembleia da República, sublinhou que a literacia serve não só o indivíduo, mas também a sociedade, pois reflecte-se na participação democrática e na qualidade de vida. «É uma questão política, económica e cultural. Relaciona-se com a autodeterminação, a soberania e a independência individual e colectiva, dos portugueses e de Portugal», defendeu.
A deputada afirmou que, para travar a iliteracia no nosso país, «melhorar o processo pedagógico e o sistema de ensino não é suficiente. Tem de se articular o sistema produtivo, o tecido empresarial e a estrutura socio-profissional. Sem isso, não adianta melhorar o ensino.»
Luísa Mesquita considera que esta é a última oportunidade para lutar contra os níveis de iliteracia em Portugal. E não está a ser aproveitada. «O Governo acha que o único caminho é poupar recursos. Estamos a perder o barco da aproximação da União Europeia – e já não falo na equiparação. Será muito pior com a abertura da UE no próximo ano», sustentou, dando como exemplo o encerramento do ensino recorrente em muitas escolas, a entrega da rede pré-escolar aos privados e o fecho de milhares de escolas do primeiro ciclo com menos de dez alunos.
Luísa Araújo, membro da Comissão Política do PCP, frisou que a «literacia é fundamental para o futuro dos indivíduos e do País». «A literacia plena revela-se no cruzamento de saberes, na independência da análise, na busca das respostas mais adequadas, no exercício da escolha. A democracia é profundamente afectada pela iliteracia», defendeu.

Direitos humanos

«É preciso promover a literacia para concretizar os direitos humanos fundamentais. Sem isso não é possível cumpri-los», afirmou Ilda Figueiredo, eurodeputada comunista. «A literacia é também compreender a realidade para a transformar e é fundamental na luta contra a exclusão social», considerou, lembrando que o Parlamento Europeu aprovou no ano passado uma recomendação para que a escolaridade mínima seja de 12 anos em todos os países, uma medida também defendida pelo PCP.
Portugal tem a maior percentagem de abandono escolar precoce da União Europeia. Os valores ascendem a 43 por cento, enquanto a média europeia é de 18 por cento. Atrás do nosso país, encontra-se a Espanha e a Itália, com valores muito distantes: 28 e 27 por cento respectivamente. «Temos um caminho imenso a percorrer», garantiu Ilda Figueiredo.
A eurodeputada recordou que a formação de base da população portuguesa é muito baixa, que o abandono escolar é grande e que o mercado de trabalho se baseia na mão-de-obra barata. «A estrutura produtiva não se adaptou às novas realidades» como o aumento do número de licenciados, disse Ilda Figueiredo.
«Hoje há mais rapazes a abandonar a escola. No entanto, as raparigas, apesar de terem mais formação, têm mais dificuldades em arranjar emprego», acrescentou.

O que é a iliteracia?

A literacia é a capacidade de compreender e usar os conhecimentos, sendo medido continuamente. A iliteracia é, portanto, a deficiência desta capacidade e do seu uso no quotidiano.

Quais as consequências?

A iliteracia reflecte-se em actividades diárias, como interpretar listas e diagramas, preencher o IRS ou um cheque, interpretar o mapa da rede do metropolitano, compreender as instruções do uso de medicamentos, perceber e assinar em consciência o contrato de trabalho, analisar um texto compreendendo-o e discutindo-o, fazer trocos, converter escudos em euros, usar um dicionário, consultar um horário de comboios ou saber se está a fazer uma boa compra ao aproveitar uma promoção.

Quais as causas?

A iliteracia está relacionada com a qualidade do ensino e a escolaridade, mas também com os recursos que cada pessoa tem à sua disponibilidade, a escolaridade dos pais, a capacidade económica e o meio onde se insere.



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